Conservadores precisam trabalhar muito para ocupar espaços de poder tradicionalmente loteados pela esquerda. Bruno Garschagen, via Oeste:
É
quase impossível terminar a leitura do livro Small Men on the Wrong
Side of History: The Decline, Fall and Unlikely Return of Conservatism
(Constable, 2020), de Ed West, sem considerar que o conservadorismo
britânico está em franco declínio e é caso perdido.
West
apresenta um diagnóstico exasperante, em parte suavizado pelo singular
humor inglês. A partir de dados e de sua experiência pessoal, o
jornalista mostra que as instituições sociais, políticas e econômicas
mais influentes de seu país estão tomadas pela esquerda e que a maior
parte da juventude foi seduzida pelo “progressismo identitário”. O
conservadorismo, por outro lado, ainda resiste por conta de pessoas
adultas e de meia-idade.
Se,
ao envelhecerem, os jovens não romperem o compromisso ideológico,
alerta West, haverá poucos conservadores vivos para contar a história — e
beber a última pint no pub. Situação curiosa esta em que o futuro do
conservadorismo também está nas mãos da demografia, assim como está nas
mãos das mulheres britânicas jovens, que têm se tornado mais de esquerda
do que os homens.
Duas
questões levantadas por West em seu livro rendem um bom debate: afinal,
o conservadorismo está vivendo seu ocaso? Os conservadores estão
perdendo a batalha cultural?
É
inegável o fato de que o ambiente cultural, jornalístico, intelectual e
político nos países ocidentais, e não apenas no Reino Unido, é hostil
aos conservadores. West diz mais: afirma com dados que a atmosfera está
mais adversa do que jamais foi. Não nego a constatação, mas há algo a
observar e que vale para os países ocidentais: durante décadas a
esquerda falou sozinha, trabalhou e ocupou espaços sem ser importunada.
Tirando
os conservadores que estavam na linha de frente da batalha intelectual e
política, a sociedade não se deu conta do que estava a se passar e, a
bem da verdade, não estava lá muito preocupada com isso. No passado
recente, a ocupação e a atuação da esquerda passavam completamente
despercebidas. Hoje o ecossistema mudou: boa parte das pessoas tomou
consciência do que estava acontecendo e passou a reagir, e agora com um
instrumento novo e poderoso: as redes sociais.
Quem
se dedicar à insalubre tarefa de monitorar seus compatriotas nas redes
sociais durante alguns dias perceberá que a quantidade de conservadores
engajados rivaliza ou é superior numericamente aos representantes da
esquerda. A própria reação violenta e autoritária da esquerda mostra não
apenas a substância das ideias que defende, mas a percepção de que a
sociedade mudou e não está mais passiva.
Ao
que parece, e contrariando a tese de West, não será pela quantidade de
pessoas que o conservadorismo perecerá. Até porque o perfil do público
que tem se tornado conservador mudou de certa tradicional elite
econômica e intelectual para o povão que até outro dia votava nos
trabalhistas.
O
problema é que o povão tem voto, mas não tem poder. Quando verificamos
quem o detém nas instituições culturais, políticas, econômicas,
acadêmicas, midiáticas, o jogo vira e o desespero se instala.
Há
um problema adicional: conservadores não aceitam jogar o jogo da
esquerda; não estão dispostos a fazer tudo o que a esquerda faz para
conquistar o que conquistaram. Isso tem um custo, mas eles estão certos.
Caso contrário, se mimetizassem a conduta da esquerda, deixariam de ser
conservadores.
Para
combater socialistas ou conquistar espaços, não é preciso tornar-se uma
esquerda que finge ser conservadora. Podem-se usar mil justificativas
para reproduzir a estratégia do adversário contra ele, mas o resultado
será necessariamente neutralizar o conservadorismo ao converter-se num
espelho do inimigo. Por essa razão, o alerta do filósofo alemão
Friedrich Nietzsche (1844-1900) em Além do Bem e do Mal (Companhia das
Letras, 2011) deve ser decorado por todo e qualquer conservador: “Quem
deve enfrentar monstros deve permanecer atento para não se tornar também
um monstro. Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo
acabará por olhar dentro de ti”.
O
que fazer, então? Ou melhor, como fazer? Trabalhar, encontrar
respostas, definir caminhos, lutar com vigor e coragem por meio de
instrumentos intelectuais, políticos, econômicos adequados ao pensamento
conservador.
Se
as universidades estão dominadas por gente de esquerda ou por covardes,
façamos um trabalho sério e qualitativo para ocupar espaços na chefia
dos departamentos, na burocracia, na docência, na pesquisa. Se a cultura
está dominada por gente de esquerda ou por covardes, façamos um
trabalho sério e qualitativo para criar e produzir arte popular e
erudita. Se a política está dominada por gente de esquerda ou por
covardes, façamos um trabalho sério e qualitativo para aprimorar nossa
cultura política e formar pessoas para ocupar espaços de poder.
Não
sou ingênuo para achar que se deve tratar com cavalheirismo quem nos
ameaça com violência moral ou física. Um das muitas e valiosas lições
que aprendi no jiu-jítsu foi usar a autodefesa de forma eficiente para
repelir agressões e usar a força do agressor contra ele. Defendo a ideia
de que a reação seja vigorosa e virtuosa — sem, entretanto, um vício de
origem que a macule. É, sim, possível. Só que exige mais labor e
inteligência.
Trabalho
é o que não falta e temos hoje a vantagem de ter um número crescente de
pessoas interessadas no conservadorismo e com vontade de trabalhar e
mudar o ambiente, de lutar e impedir que um grupo dite o que pensamos, o
que fazemos e tente nos converter à sua imagem e semelhança.
Discordo
de West de que o conservadorismo está vivendo um ocaso. Creio que no
Reino Unido e em outros países esteja havendo um processo de adaptação
do conservadorismo aos novos tempos e de reconfiguração da própria
atuação política que o caracterizou até agora. Essa mudança, certamente,
terá impacto na batalha cultural, que a esquerda ganhou por não
comparecimento do adversário. No caso da Inglaterra, estou bastante
curioso para saber se Boris Johnson, como se tem especulado, indicará
para comandar a BBC o jornalista conservador Charles Moore, que
construiu uma sólida carreira e é autor da biografia oficial de Margaret
Thatcher.
O
livro de West, contagiante em seu pessimismo, não inova no diagnóstico
nem nos exemplos, mas tem a virtude de ser bem escrito e bem-humorado,
ao descrever o processo de “declínio do conservadorismo britânico” a
partir de sua experiência pessoal, e de ratificar pontos que continuam
sendo relevantes para os conservadores, tais como os princípios que os
norteiam, a relevância de intelectuais conservadores que atuem como
bússolas, a importância de ser protagonista nos espaços de influência.
Mais
elogiável em Small Men on the Wrong Side of History é que o livro serve
como uma espécie de manual para que conservadores de diferentes países
entendam por que a esquerda foi tão eficaz em seu projeto político e o
que devem fazer para usar o declínio como aprendizado para uma nova
ascensão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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