O embaixador americano George Glass limitou-se a dizer o que vem dizendo desde que chegou a Lisboa: há uma escolha a ser feita entre os aliados ocidentais e os parceiros económicos do Partido Comunista Chinês. Artigo de Sebastião Bugalho para o Observador:
O
anti-americanismo vigente na praça pública portuguesa não é novo nem
começou com a eleição de Donald J. Trump. Integra, aliás, uma longa
tradição de anglofobia, cuja importação de movimentos culturais contra o
capitalismo corresponde ao maior expoente, mas cujo acinte em torno de
cada novo presidente americano se vai repetindo, ora com democratas, ora
com republicanos. Isso nota-se na retórica partidária (os lá-lás de
Catarina Martins contra o imperialismo) e no comentariado instalado. As
reações à entrevista do embaixador George Glass, no passado
fim-de-semana, ao semanário Expresso, são disso prova. De uma forma
lamentável, as únicas análises com o mínimo de senso que li até agora
foram assinadas aqui, no Observador, por Bruno Cardoso Reis e André Abrantes Amaral.
Outras publicações não se coibiram, inclusivamente, de promover
análises à entrevista e à relação de Portugal com os Estados Unidos e a
China feitas por membros de conselhos de administração de empresas com
capital chinês – donos evidentes de uma espetacular isenção.
O
embaixador norte-americano limitou-se a dizer o mesmo que vem dizendo
desde que chegou a Lisboa: há uma escolha a ser feita entre os aliados
ocidentais e os parceiros económicos do Partido Comunista Chinês. Este é
um discurso repetido à porta fechada e em intervenções públicas
com mais de um ano. Que o país mediático se preste a fazer disso um
escândalo diplomático é só mais um incentivo ao encolher de ombros como
modalidade de contemplação da nossa paisagem. Sem querer puxar
exageradamente dos galões, estou há mais de um ano a chamar à atenção
para esse choque de perspetivas entre a política externa do atual
Governo e o Departamento de Estado de Trump (em resumo aqui e, mais concretamente, aqui).
O
facto de estarmos à beira de eleições nos Estados Unidos da América,
certamente favorece uma tendência de maior hostilidade à Casa Branca
entre os nossos grisalhos comentadores, mas daí a acusar um país aliado
de “bullying“, “chantagem”, “insulto” e “ameaça”, quando Glass falou
apenas na necessidade de “escolher” – coisa que Santos Silva e Marcelo
ironicamente confirmaram nas suas reacções –, cai já no exagero. Em
2019, José Manuel Durão Barroso também afirmou que, mais cedo ou mais
tarde, a Europa teria de escolher entre a América e a China. Não me
lembro de ouvir alguém acusá-lo de bullying ou ameaça.
Num
ambiente de guerra comercial e estratégica (EUA vs China), a diplomacia
ganha um pendor transacional menos nobre, mas não exatamente
excecional. Os embaixadores chineses confundem-se constantemente com
agentes de relações públicas da Huawei quando falam sobre as redes 5G no
espaço europeu. O embaixador da China em Berlim chegou a utilizar as
exportações automóveis alemãs como trunfo, caso o governo de Merkel
fechasse a porta ao gigante chinês das comunicações. Disso,
curiosamente, os nossos analistas de política internacional não falam.
Os
americanos, por sua vez, continuam imersos num paradoxo. Enquanto a
atitude de Trump for verbalmente anti-atlântica, os seus emissários
continuarão a sofrer dificuldades em convencer governos como o
português. Vir falar em cooperação entre o Tesouro americano e Bruxelas
na regulação do investimento chinês não tem o mínimo de credibilidade
enquanto se continuar a bater palmas a gente como Farage ou Le Pen.
Nada, estou certo, que George Glass ainda não tenha reparado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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