Jair Bolsonaro pretende se valer do poder de indicar novos ministros do STF para colocar amigos que sirvam aos seus interesses na Corte. Editorial do Estadão:
O
presidente Jair Bolsonaro tem manifestado reiteradamente quais são seus
critérios para a escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF). Em setembro, por exemplo, afirmou que a pessoa a ser indicada
para substituir o ministro Celso de Mello deveria ser alguém que tomasse
cerveja com ele no fim de semana.
Em
live no dia 1.º de outubro, comentando a indicação do desembargador
Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região
(TRF-1), o presidente da República disse que buscava um nome “leal às
nossas causas” dentro da Corte. Diante das críticas de sua base
eleitoral, Jair Bolsonaro explicou: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína
comigo. (...) A questão de amizade é importante, né? O convívio da
gente”.
Na
mesma live, referindo-se à indicação ao Supremo que lhe caberá fazer em
julho de 2021, quando o ministro Marco Aurélio completará 75 anos de
idade, Jair Bolsonaro voltou a falar de religião e da necessidade de ter
alguém muito próximo a ele. “O primeiro requisito é ser evangélico, o
segundo é tomar tubaína comigo”, disse.
A
mensagem é cristalina. Jair Bolsonaro pretende se valer do poder de
indicar novos ministros do Supremo para colocar amigos na Corte – e que,
uma vez lá dentro, eles continuem atuando como amigos e defensores de
seus interesses. Mais do que magistrados, Jair Bolsonaro almeja aliados –
se possível, vassalos – do governo dentro do STF.
Ante
essa declarada tentativa de subjugar o Supremo a interesses políticos, é
preciso lembrar que o papel do STF não é defender o governo, tampouco a
oposição. A missão do Supremo é a defesa da Constituição. Daí se
vislumbra a importância dos requisitos previstos para os membros da
Corte constitucional. “O STF compõe-se de onze Ministros, escolhidos
dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco
anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, diz a
Constituição.
Oficializada
a indicação de Kassio Nunes Marques ao Supremo – o ato presidencial foi
publicado no Diário Oficial da União no dia 2 de outubro –, cabe agora
ao Senado realizar a sabatina. Para que o desembargador do TRF-1 assuma a
cadeira de Celso de Mello, seu nome precisa ser aprovado pela maioria
absoluta dos senadores.
A
presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado,
Simone Tebet (MDB-MS), informou que a sabatina de Kassio Nunes Marques
deverá ocorrer somente após o dia 13 de outubro, data da aposentadoria
do ministro Celso de Mello. Segundo a senadora, a medida é uma
manifestação de respeito ao decano da Corte.
O
cuidado do Senado para avaliar a indicação do Executivo ao Supremo é
muito oportuno. A Constituição confere aos senadores a responsabilidade
de aferir se a pessoa escolhida pelo presidente da República tem de fato
notável saber jurídico e reputação ilibada. São qualificativos
exigentes, que não devem ser rebaixados, sob o risco de fragilizar a
proteção da Lei Maior, que, além de assegurar os direitos e as garantias
fundamentais, determina a estrutura, a organização e o funcionamento de
todo o Estado.
Na
sabatina, além do notável saber jurídico e da reputação ilibada, os
senadores devem avaliar se o currículo da pessoa indicada pelo
presidente da República expressa firme compromisso com a Constituição.
Não é questão de inventar dificuldades adicionais à proposta do
Executivo, mas simplesmente verificar a aptidão do sabatinado para o
cargo ao qual foi indicado.
Entre
os ministros do Supremo, pode e deve haver multiplicidade de
orientações ideológicas. Por isso, a indicação dos nomes compete ao
presidente da República, eleito pelo voto popular. Mas, sem nenhuma
exceção, todos os membros da Corte devem ser intransigentes defensores
da Constituição, capazes de separar sua função institucional de suas
amizades ou simpatias ideológicas. É essa capacidade que o Senado
precisa checar com muito cuidado. Se necessário, é preferível desaprovar
a indicação. Antes dar um desgosto ao presidente da República do que
transigir com a Constituição e o princípio da separação dos Poderes.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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