O recreio foi proibido em várias escolas. Depois dos políticos que vivem numa bolha, temos os meninos da bolha. Os políticos da bolha abominam a realidade. Os meninos da bolha temem o ar livre. Helena Matos para o Observador:
Os alunos de várias escolas portuguesas não podem ir ao recreio “por medo da covid-19”.
A opção é mantê-los dentro das salas de aula. Dizem os responsáveis que
é mais seguro. A sério que as crianças e adolescentes ficam mais
seguros dentro da sala? Ou perguntemos ao contrário: não será mais
seguro o ar livre do recreio do que o ambiente confinado da sala?
Não
entro nem quero entrar na discussão sobre se para enfrentar o Covid-19
foi ou é mais eficaz o confinamento generalizado ou se pelo contrário
devemos centrar as medidas nos grupos mais vulneráveis, como são os
idosos institucionalizados. Tenho contudo a certeza de que confinar
crianças dentro de uma sala de aula, impedindo-as de correr num recreio,
é uma estupidez. Mais e muito pior, estamos a criar uma geração de
meninos da bolha que, ao contrário do que aconteceu com o verdadeiro
menino da bolha, David Vetter,
que nasceu com uma doença imunológica rara, não nasceram doentes mas
vão ficar cada vez mais frágeis física e psicologicamente. Qual é o
risco de contrair Covid-19 por se frequentar o recreio? Quem o avaliou?
Sim, já sei que para se chegar ao recreio os alunos têm de atravessar
corredores e que no recreio as crianças acabam a tocar umas nas outras
mas no que ao Covid-19 respeita são esses riscos superiores aos de ficar
numa sala? E sobretudo quais são os riscos de uma infância em que não
se saltou, não se empurrou, não se jogou… em que não se teve tempo nem
espaço que não fossem didacticamente assepticizados pelos adultos?
O
combate ao Covid-19 veio acentuar a paranóia securitária que há longos
anos se apoderou das escolas portuguesas e que levou a sanear dos pátios
de muitas delas as árvores, a terra e tudo aquilo que não está
devidamente homologado. Mas há que dizer que a escola apenas reflecte a
tendência da sociedade: as crianças portuguesas do século XXI não podem
molhar-se porque se constipam; não podem limpar as mesas porque,
coitadinhas, isso não é da sua competência e, quem sabe, ficam com as
falanges afectadas; não podem andar a pé porque se cansam; não podem
comer doces porque ficam agitados; não podem beber leite porque são
alérgicos; não podem ser chamados à atenção porque ficam traumatizados;
não podem comer pão porque são intolerantes; não podem apanhar vento
porque ficam com dores de ouvidos e agora não podem ir ao recreio por
causa do coronavírus!
Somos
cada vez mais um país de filhos únicos de pais a que outrora
chamaríamos velhos. A complexificação da maternidade e da infância
fizeram de cada criança um caderno de encargos de momentos que têm de
ser perfeitos.
Como
é óbvio, à medida que a sua vida se torna mais protegida os
meninos-bolha tornam-se menos capazes de enfrentar as agressões do
mundo, sejam essas agressões os vírus, a violência dos outros ou os mais
prosaicos problemas da vida. E quanto mais artificial for essa vida
maior a disponibilidades destas gerações para aderirem a discursos
patetas e patéticos sobre a natureza. O que aí se diz e escreve sobre
“salvar o planeta”, movimentos zero, ser amigo do ambiente, emergências
climáticas, mais slogan, menos manifestação, vão todos dar à crença de
que temos de expiar o pecado mortal de sermos humanos (dentro dos
humanos há ainda uns mais culpados que outros, como rapidamente os
meninos-bolha repetem).
Querem
um símbolo do nosso tempo? A bolha. Temos uma geração de políticos que
da sua bolha se preserva do que impõe aos outros: exaltam o SNS mas
apenas recorrem aos hospitais privados; defendem a escola pública mas os
seus filhos e netos não a frequentam; adoram os transportes públicos
mas nunca os utilizam (tal como acontece com a bicicleta só os utilizam
nos dias da propaganda); dizem que gostavam de viver no Bairro Amarelo
onde apenas reparam na paisagem ao longe porque as suas dioptrias
ideológicas não lhes permitem ver os prédios degradados, as rendas por
pagar, o tráfico de droga, a lei do mais forte…
À
bolha da política junta-se agora a bolha da vida com estas gerações de
meninos cujo modelo de educação é a bolha. A bolha dos políticos ainda
temos a esperança de a rebentar numas eleições. Quanto à geração dos
meninos da bolha, a tal que nasceu intolerante a tudo e agora já nem
pode ir ao recreio, tenho uma certeza: ou esta geração perde o medo do
mundo ou o mundo tem fortes razões para vir a ter medo dela.
PS1. Não
se aguenta mais a peça “Orçamento: agarrem-me senão eu aprovo-o” levada
à cena por Catarina Martins desde que a partir de 2015 assumiu o papel
de muleta do PS. Nunca tive o gosto ou o desgosto de ver Catarina
Martins na sua vida pretérita de palhaça-actriz mas é francamente
cansativa esta peça que, devidamente patrocinada por todos nós, mantém
nos palcos de Portugal vai para cinco anos.
PS2. Diz o jornal Sol que está periclitante a reeleição do engenheiro Guterres para o cargo de secretário-geral da ONU
e que, caso tal não aconteça, a pátria, ou mais propriamente a Fundação
Gulbenkian, o esperam. Desculpem, mas não pode ser pois ninguém está
preparado para viver no país em que Marcelo está em Belém e Guterres na
avenida de Berna. Não há povo que resista a tanto comentário! Com a
particular agravante de que Guterres, ao contrário de Marcelo, é
monocórdico nas suas fixações: há umas décadas tudo o que dizia
desembocava na paixão pela educação. Depois entrou-lhe o frenesi dos
refugiados: fosse qual fosse o assunto em discussão ele havia de chegar
ao tema dos refugiados. Seguiu-se-lhe a fixação nas alterações
climáticas. Pobreza, riqueza, guerras, paz… tudo, mas tudo sem excepção,
ia dar ao clima e respectivas alterações. Agora o engenheiro Guterres
anda ocupado com o género. A quem o quer ouvir (ou não quer mas a tal é
obrigado) garante o engenheiro Guterres que o Covid veio expor as
desigualdades de género… Dentro de algum tempo outra temática se seguirá
com igual empenho e desacerto nas preocupações do nosso antigo
primeiro-ministro. Em resumo, o engenheiro Guterres é um caso particular
de síndroma de Tourette: não diz um único palavrão mas também não diz
nada que se aproveite.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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