Recusar-se a olhar para os números do vírus é negar as evidências que eles estão mostrando. J. R. Guzzo, via Oeste:
Talvez
nunca tenha havido na história da humanidade um momento de tanta
intolerância com os números quanto nesta época de epidemia em que
vivemos hoje. Números não sentem, não pensam e não têm opiniões — apenas
não mentem, nunca, desde que exista alguma disposição de examinar com
honestidade o que eles estão tentando dizer. Até o momento, pelo que
informam as estatísticas oficiais, cerca de 30 milhões de pessoas em
todo o mundo foram contaminadas pelo coronavírus desde março, quando
começaram as tentativas regulares de fazer essas contas. É menos de 0,4%
da população mundial, hoje estimada em quase 8 bilhões de pessoas.
Foram atribuídas à epidemia, desde então, cerca de 950 mil mortes —
cujas causas reais, por sinal, ninguém jamais saberá ao certo quais
terão realmente sido. (No Brasil, por exemplo, a causa mortis pode ser
determinada por decreto do governador do Estado.) Ou seja: morreram por
volta de 3% do total de infectados, que, como visto, representa menos de
0,5% da população do planeta.
Esses
números não são bons nem ruins — são apenas o que são, não mais e não
menos. Mas dizer que eles são o que são tornou-se num ato tido como
imoral, politicamente perverso e contrário ao interesse da humanidade
pelas forças que decidem sobre o bem e o mal nas sociedades de hoje. Não
se trata, nem mesmo, de discutir se tais cifras justificam o fechamento
do mundo por seis meses; o crime social está simplesmente em falar
delas. A denúncia-padrão, quando se observam as realidades aritméticas
da epidemia, é: “negacionismo”, ou a atitude de negar uma verdade que
pode ser verificada pelos fatos ou pela ciência. Nunca se diz, entre os
militantes do “distanciamento social” por tempo indeterminado, que
recusar-se a olhar para os números da covid-19 é negar, aí sim, as
evidências que eles estão mostrando.
O
livre debate sobre a epidemia está interditado. É como se o mundo
estivesse de volta à Idade Média, quando os padres proibiam as pessoas
de pensar com algum realismo sobre a peste. A culpa era do diabo, dizia a
Igreja, e todo mundo tinha de ficar satisfeito com a explicação; quem
quisesse saber mais do que isso, ou algo diferente disso, era acusado de
desafiar os planos de Deus para os homens. Com a covid-19, na verdade,
não está havendo apenas a eliminação da verdade numérica — desde o
começo da epidemia há uma guerra declarada contra os números reais. No
Brasil, permanece até hoje sem contestação por parte das “agências de
verificação de notícias falsas” — e como um fato levado perfeitamente a
sério pelas classes intelectuais — a previsão de que haveria “1 milhão
de mortos” se não fossem tomadas medidas extremas de repressão para
deter o vírus. Não foram tomadas essas medidas; o total de mortes no
Brasil está abaixo de 140.000. Nem somando as mortes atribuídas à
covid-19 no mundo inteiro chegou-se a esse 1 milhão, mas e daí? O
candidato que se opõe a Donald Trump nas próximas eleições
norte-americanas acaba de dizer que os mortos nos Estados Unidos chegam a
“200 milhões”, ou quase dois terços de toda a população do país.
Contanto que seja para anunciar algum horror da epidemia, qualquer um
pode dizer qualquer coisa. Ninguém vai reclamar de nada.
O
fato é que a covid-19 deixou rapidamente de ser uma questão da ciência —
seja da matemática, da medicina ou da biologia — para se transformar
numa causa que está sendo usada desde o começo deste ano para promover
ideologias de “transformação do mundo”. As mortes por câncer, doenças
cardíacas ou complicações respiratórias, por exemplo, não são melhores
ou menos sérias, obviamente, do que as mortes cuja causa é listada como
“covid” nas estatísticas; nem os médicos especialistas em dar
entrevistas para a televisão, todos eles generais na campanha para
fechar o mundo, chegam a dizer isso. Mas é evidente que não causam
nenhuma reação entre o partido do “fique em casa”; na verdade,
considera-se como ato de sabotagem à “luta pela vida” a mera menção de
que essas e outras doenças matam gente todos os dias. O motivo é que
ninguém até hoje teve a ideia de aproveitar politicamente nenhuma delas
para promover as suas “agendas”, como se diz. Com a covid, porém, está
sendo diferente: os interessados descobriram em 15 minutos que dava para
tirar proveito político do vírus — proveito de primeira grandeza, uma
oportunidade que aparece uma vez na vida e não poderia ser desperdiçada.
Desde
então, apostam tudo na covid. Nenhuma greve geral, quebra-quebra de
black bloc ou discurseira tida como “revolucionária” chegou perto, até
hoje, da eficácia que o pânico construído em torno da epidemia teve na
agressão ao sistema produtivo — ou na usinagem de oposição política. Em
países como o Brasil ou os Estados Unidos, aproveitaram para jogar a
culpa nos governos. As mortes, por essa visão das coisas, não foram
causadas pelo vírus. Ao mesmo tempo, as “autoridades locais” que
cuidaram dos doentes não têm nenhuma responsabilidade em nada do que
está acontecendo. Quem matou foram os presidentes Bolsonaro e Trump. No
mundo desenvolvido, foi uma oportunidade caída do céu para combater o
sistema econômico, social e político que “está aí” — injusto, causador
de desigualdade, opressor de mulheres, racista, inimigo da diversidade,
capitalista selvagem, aquecedor da calota polar e culpado pela derrubada
da floresta amazônica.
No
Brasil, como de costume, há um plus a mais. Enquanto se reproduzem as
grandiosas ideias para melhorar a humanidade e criar “um novo estilo de
vida”, há os interesses materiais de todos esses governadorzinhos a
caminho do anonimato, fiscais de prefeitura e a turma inteira dos
ladrões de respiradores, “hospitais de campanha” e aventais
descartáveis. É o Covidão em marcha triunfal. Não é o Petrolão de
Lula-Dilma, porque nada jamais será parecido, mas já é alguma coisa.
Pense um pouco, portanto, da próxima vez que lhe jogarem algum número em
cima. A aritmética do “fique em casa” não é a mesma da tabuada.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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