Na crônica de hoje, via Gazeta do Povo, Paulo Polzonoff Jr. comenta o livro de Bryan Caplan - a LVM está se preparando para lançar no Brasil -, que trata da irracionalidade do eleitor:
Depois
da eleição de Jair Bolsonaro, a ideia elitista de que o eleitor é um
idiota que não sabe votar ganhou, com direito a insulto e tudo, força
entre a sempre contraditória esquerda, que até 2014 considerava os
eleitores verdadeiros gênios capazes das mais belas escolhas, e também
entre a chamada direita esclarecida, que não engole o fato de Bolsonaro
ser quem é e que preferia um cavalheiro de vasta bibliografia e, se
possível, origens aristocráticas.
A
boa notícia tanto para a esquerda quanto para essa parte da direita é
que a LVM Editora está trazendo para o Brasil O Mito do Eleitor
Racional, de Bryan Caplan. O livro explica por que políticos como
Bolsonaro são eleitos e até adorados por seus apoiadores. A má notícia
para aqueles que querem políticos elegantes, comportados e “técnicos” é
que tudo indica que o brasileiro continuará votando não necessariamente
no candidato mais bem preparado, e sim naquele que o fizer se sentir
irracionalmente melhor.
Trata-se
de uma leitura semiárida, de um tom às vezes até agressivo, mas que
curiosamente vê a irracionalidade do eleitor como algo positivo.
Decididamente, o mundo seria um lugar muito chato se os políticos
eleitos fossem todos PhDs em economia, daqueles que se expressam com
notas de rodapé – e que, por consequência, são incapazes de se comunicar
com o Zé das Couves, que quer melhorar de vida e um futuro mais
promissor para seus filhos, mas não sabe nem aritmética direito.
Incidentalmente,
o livro faz uma crítica ao que o autor chama de “fundamentalismo
democrático”, isto é, a ideia de que não existe solução alguma fora da
democracia como a conhecemos hoje, e explica ainda por que vivemos
tempos tão polarizados e conflituosos.
Poder de decisão
Tudo
tem a ver com o valor do voto individual, que é mínimo. De acordo com
Caplan, na hora de escolher em quem vai votar, do vereador ao
presidente, o eleitor faz um cálculo mental. Como a probabilidade de ele
dar o voto decisivo em qualquer eleição majoritária é mínima, o custo
privado da sua decisão também é insignificante. A decisão, porém, tem o
que o autor chama de “custo social” – que, ao menos em tempos de paz e
alguma estabilidade política, também tende a ser insignificante.
Custo
social, no caso, é o custo de uma medida economicamente equivocada de
qualquer governo. Digamos que Paulo Guedes decida não privatizar os
Correios, por exemplo. Ou cobrar a CPMF, nem que seja com outro nome.
São medidas economicamente questionáveis, para não dizer erradas, que
terão um custo para o Brasil como um todo. O eleitor, contudo, não
percebe esse custo, porque ele é dividido entre a população de 210
milhões de habitantes. Sua vida talvez piore um pouco, mas a percepção
que ele tem é de imutabilidade. Daí porque o custo privado de ter votado
em Bolsonaro, independentemente do que ele diga ou faça, é mínimo.
Excluída,
pois, a alternativa racional, já que a falta de influência direta nas
políticas públicas desincentiva o eleitor a dar um voto mais “técnico”, o
que resta? De acordo com Caplan, duas coisas motivam o eleitorado. A
primeira são seus preconceitos econômicos inatos. A ojeriza do eleitor,
por exemplo, à economia de mercado (algo que remonta ao Iluminismo); um
espírito assim meio ludita, incapaz de entender a relação entre
prosperidade e produtividade, mesmo que à custa de empregos; e, por fim,
seu viés pessimista – a crença de que a economia em geral vai de mal a
pior, mesmo que os indicadores mostrem que o padrão de vida da
Humanidade melhorou muito nos últimos cem anos.
A
segunda coisa a motivá-lo é algo menos tangível: a sensação, que não
precisa estar atrelada à realidade, de estar fazendo o certo. Ou seja, o
eleitor vota naquele candidato que faz com que ela se sinta bem. Vai
ver ele votou em Bolsonaro porque todos os seus parentes disseram que
votariam no então candidato do PSL – e ele não queria se sentir um
pária. Talvez ele tenha votado em Bolsonaro porque ficou com pena da
facada. Talvez ele tenha gostado da voz, do jeito assim mais simples. Ou
talvez o discurso de Bolsonaro o tenha feito acreditar num futuro
melhor.
O
mesmo serve para explicar o sucesso de todos os outros presidentes
desde a redemocratização. Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula e a
Dilma souberam convencer o eleitor de que ele tinha razão em seus
preconceitos econômicos (Lula e Dilma com mais afinco, eu diria) e de
que o voto neles era moralmente certo – independentemente das posturas
dos candidatos em questões pontuais. Nada disso, evidentemente, tornava o
eleitor de Collor, FHC, Lula e Dilma um idiota. Assim como nada disso
torna o eleitor de Bolsonaro um idiota.
O que está em jogo
Sem
querer, uma vez que foi elaborado tendo em mente a realidade
norte-americana, o raciocínio de Caplan acaba por explicar a alta
rejeição ao PT, mesmo entre aqueles que não necessariamente consideram
Bolsonaro o melhor líder para o país. Afinal, a maior parte do
eleitorado percebeu os efeitos da corrupção sistêmica na própria vida - e
associa o custo disso ao PT.
Aqui
vale notar que, matematicamente, o custo privado de uma decisão cara
como a redução da tarifa de energia elétrica talvez tenha sido maior do
que o custo do Mensalão ou Petrolão. Mas o que vale é a percepção
irracional do eleitor. Isto é, a sensação de ter tomado uma decisão
eleitoral em 2002 que não só o prejudicou como prejudicou também seus
próximos.
Caplan
escreveu o livro nos anos 2000, num cenário bem menos polarizado. Sem
ter o assunto em mente, contudo, o raciocínio dele sobre o que leva o
eleitor a decidir pelo candidato A ou B acaba por explicar também por
que vivemos tempos tão conflagrados, com intermináveis conflitos (por
enquanto, apenas verbais) entre os pólos opostos do espectro político.
O que está em jogo, atualmente, não são medidas pontuais, muito menos questões morais. O que está em jogo é a própria vida.
Com
a escalada do discurso, tanto à direita quanto à esquerda, o eleitor
percebeu um aumento considerável no valor de seu voto – por mais que ele
ainda continue sabendo que um voto, o seu, não vale absolutamente nada
entre dezenas de milhões de votos. Diante de propostas que ele vê como
potencialmente nocivas, quando não destruidoras, da economia, do seu
ganha-pão e, em última análise, da sua felicidade, o eleitor passou a
cobrar mais caro por sua alienação.
Decidir
entre Bolsonaro e Haddad, por exemplo, não era apenas uma questão de
decidir entre a “semieconomia de mercado” proposta por Paulo Guedes ou o
desenvolvimentismo de Marcio Pochmann – decisões teóricas que a imensa
maioria do eleitorado não compreende com a razão, e sim com o instinto. A
decisão passou a ser entre se transformar numa Venezuela (ou naquilo
que o eleitor vê como a Venezuela) ou continuar sendo o Brasil, com
todas as imperfeições possíveis, mas ainda com um quê de liberdade no
ar.
Desse
modo, o eleitor hoje sente que seu voto vale muito mais do que uma
dentadura, uma cesta-básica ou uma camiseta – a despeito de a
probabilidade de ele dar o voto decisivo continuar sendo insignificante.
Em alguns casos mais extremos, o eleitor sente que o seu voto é a
diferença entre a possibilidade de prosperar pelo esforço próprio e a
dependência do Estado, entre liberdade e a prisão, entre a vida e o
pelotão de fuzilamento.
Quem,
assim como Bolsonaro e os presidentes antes dele, conseguir convencer o
eleitor de que o Estado é essencial para sua prosperidade e felicidade,
de que a economia está ruim, mas pode melhorar, de que é preciso gerar
postos de trabalho, nem que para isso seja necessário aprovar uma Lei
Antirrobôs, e de que o voto nele é moralmente correto e não representa
uma ameaça à vida do eleitor tem, segundo Caplan, grandes chances de se
eleger, reeleger e eleger seu sucessor.
Para
aqueles que não gostaram da conclusão, vale dizer que Caplan tampouco
gosta do que ele chama de “irracionalidade racional” do eleitor. Ele
apenas está constatando a realidade. E, por isso, ele faz muitas
críticas ao processo democrático atual, esse mesmo que é impossível
criticar sem ser chamado de fascista para baixo. Mas isso é assunto para
um outro texto, em outra oportunidade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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