Alerta: lá vêm as pesquisas eleitorais.
Por que as sondagens eleitorais erram tanto, como isso distorce o
processo democrático e o que se pode fazer. Telma Santa Cruz, via Oeste:
Prepare-se. Com a definição das candidaturas para as eleições
municipais de novembro, vem aí mais uma enxurrada de pesquisas. Neste
ano, elas irão se sobrepor às de intenção de voto para a Presidência na
ainda longínqua eleição de 2022, já que a grande mídia nos informa quase
diariamente sobre as supostas chances de um número crescente de
potenciais novos candidatos nesta que pode ser considerada a mais longa
campanha presidencial da história do Brasil. Haja vista ter sido
deflagrada pelos setores insatisfeitos com a escolha do eleitorado
praticamente no dia seguinte ao da posse de Jair Bolsonaro. Há que
contar, ainda, com a batelada de pesquisas que tentam antecipar o
resultado da disputada eleição presidencial norte-americana, cujos
desdobramentos geopolíticos e econômicos afetarão vidas no mundo todo.
O preocupante é que, como de hábito, as pesquisas alimentarão
manchetes bombásticas, como se fossem predições infalíveis de um oráculo
onisciente, a despeito de seu longo, recorrente e conhecido histórico
de erros. Basta lembrar, a propósito, que, caso seus prognósticos fossem
acertados, Hillary Clinton, a atual ocupante da Casa Branca segundo as
projeções feitas durante a campanha de 2016, estaria agora provavelmente
disputando a reeleição no lugar de Donald Trump. O Reino Unido
continuaria integrado à União Europeia, como indicaram erroneamente as
pesquisas sobre o plebiscito do Brexit no mesmo ano. E o presidente do
Brasil não seria Jair Bolsonaro, visto que, segundo todas as projeções
da época, ele não tinha chance alguma contra nenhum de seus principais
concorrentes no segundo turno das eleições de 2018.
Em outro desses cenários hipotéticos desenhados pelas empresas de
pesquisas, Dilma Rousseff, beneficiada pela maracutaia do então
presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que
preservou seus direitos políticos apesar do impeachment, teria garantido
com folga uma vaga no Senado em 2018. Quando na verdade ela foi
afastada da política pela segunda vez pelo eleitorado mineiro, que
anulou, na prática, o artifício inconstitucional.
Também não se leva em conta, na divulgação de resultados de pesquisas
como se se tratasse de ciência exata, seu potencial de fortalecer ou
enfraquecer candidaturas e, sobretudo, influenciar as escolhas do
eleitorado. Ou seja, de funcionarem como profecias que se autorrealizam e
acabam por distorcer o processo democrático.
Não se está aqui defendendo a abolição das sondagens, que cumprem
certamente um papel quando retratam tendências de voto de forma
imparcial, com metodologias confiáveis de coleta e análise de
informações. Mas não se pode perder de vista que se trata, na essência,
de um negócio — por sinal, em franca expansão, considerando-se a
multiplicação de empresas do segmento, principalmente após o advento das
sondagens on-line —, embora a maioria dessas organizações comerciais
prefira apresentar-se como institutos, para conferir-se uma aura de
confiabilidade.
Como qualquer indústria que atua na esfera de interesse público,
portanto, esta demandaria um maior grau de regulamentação, transparência
e fiscalização, como têm sugerido diversos estudos recentes. Mas esse é
um daqueles assuntos que, no Brasil, são mantidos fora do radar da
opinião pública para não prejudicar os interesses em jogo. Após o enorme
fiasco das pesquisas no primeiro turno das eleições municipais de 2012 —
um dos maiores registrados no país, já que houve erro de previsões em
21 das 26 capitais envolvidas —, um grupo de deputados federais tentou
instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de investigar
eventual manipulação dos resultados. “Estamos corrompendo a democracia”,
queixou-se à época o senador Espiridião Amin. “Pesquisa deixou de ser
uma fotografia supostamente honesta de um momento, para ser um agente
político, um cabo eleitoral, talvez o mais forte de todos, para
desmontar uma candidatura e dar vitamina a outra”, acusou. “Não pode
continuar como está.”
Mas continuou. Exatamente como estava. Pois, apesar de cumprir com
todos os requisitos exigidos, a iniciativa da CPI acabou abortada pelo
então presidente da Câmara e hoje presidiário, em regime domiciliar,
Eduardo Cunha. Um mandado de segurança chegou a ser impetrado, sem
sucesso. E em maio passado o Supremo Tribunal Federal — sempre ele… —
finalmente enterrou o assunto, decidindo contra o pleito dos deputados. O
STF, por sinal, já arbitrara o tema, em 2006, contra uma proposta de
proibição de divulgação de pesquisas nas semanas anteriores às eleições
para reduzir sua interferência nos resultados — como fazem, por exemplo,
países como a França e o Canadá. A alegação foi que a medida atentaria
contra o direito constitucional à informação, esse mesmo direito que,
ultimamente, vem sendo afrontado sem pudores pelo tribunal em suas
decisões sobre as chamadas fake news.
O problema é particularmente crítico no Brasil, considerando-se que
parte das pesquisas é bancada com dinheiro do pagador de impostos, por
meio dos famigerados Fundo Partidário e Fundo Eleitoral, que este ano
encherão as burras dos partidos com nada menos do que R$ 3 bilhões. E
porque elas têm um peso importante nas despesas dos partidos, ao lado de
gastos com vinhos de boa safra, fretamento de jatinhos e salários de
parentes de políticos, como atestam as prestações de contas registradas
anualmente no Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Com o agravante de
que, em muitos casos, as empresas contratadas para a execução dos
serviços pertencem a dirigentes ou a políticos filiados às siglas.
Embora desperte pouco interesse no Brasil, contudo, a preocupação com
os riscos à democracia causados por pesquisas inexatas tem aumentado lá
fora, à medida que se multiplicam os erros e despenca sua
credibilidade. A sucessão de malogros, por sinal, vem de longe. Um de
seus marcos é a clássica foto de 1948 na qual o então presidente
norte-americano Harry Truman comemora a reeleição segurando um jornal
cuja manchete anuncia, com base em pesquisas, sua derrota para o
concorrente Thomas Dewey.
De lá para cá, era de esperar que a evolução das metodologias e
técnicas estatísticas teria sido suficiente para garantir maior grau de
confiabilidade. Mas não foi o caso. Tanto que o desastre das pesquisas
na eleição de Trump e no plebiscito sobre o Brexit levou, desde 2016, à
instalação de duas comissões de alto nível, uma nos Estados Unidos e a
outra no Reino Unido, para tentar detectar causas e propor
recomendações. A primeira delas, instituída pela American Association
for Public Opinion Research, admitiu as deficiências e o crescente
descrédito das sondagens junto à opinião pública. Como seria de esperar
de um comitê formado pela própria indústria, no entanto, foi
condescendente ao minimizá-las. Concentrou as incorreções apenas nas
pesquisas realizadas em nível estadual, cujos resultados acabaram sendo
determinantes para a vitória de Trump no Colégio Eleitoral.
Já o comitê criado em 2017 no Reino Unido pela Câmara dos Lordes, em
reação ao vexame no referendo do Brexit, que repetiu erros crassos já
contabilizados nas eleições gerais de 2010 e 2015 no país, foi mais
incisivo nas críticas. “A indústria das pesquisas tem que pôr sua casa
em ordem”, admoestou o presidente da comissão, lorde David Lipsey, que
exigiu a adoção de critérios rígidos para assegurar padrões mais
elevados de confiabilidade. E ameaçou propor medidas restritivas à
divulgação de pesquisas nas semanas que antecedem as eleições, como se
pretendeu fazer durante uma das minirreformas eleitorais no Brasil, caso
não se verifiquem progressos.
As causas dos desacertos apontadas pelos dois relatórios são bem
conhecidas. Elas incluem falhas nas metodologias usadas na definição de
amostragens; na elaboração dos questionários, que podem enviesar
resultados induzindo diferentes respostas por parte dos entrevistados; e
na tabulação dos dados. Mas também se responsabilizou a mídia por
divulgar pesquisas sem as necessárias ressalvas e contextualizações. No
caso dos Estados Unidos e do Reino Unido, foram excluídas as hipóteses
de manipulação fraudulenta. Num país como o Brasil, onde se adultera até
combustível e leite, contudo, talvez seja recomendável não descartar
essa possibilidade.
Nas explicações apresentadas pelos institutos de pesquisa brasileiros
após cada rodada de erros, sempre se acaba jogando a culpa no eleitor. O
qual estaria cada vez mais volátil, especialmente por influência das
mídias sociais, e portanto propenso a mudar de voto à última hora. Ou
que deturparia as pesquisas involuntariamente, devido a uma variável
ligada à psicologia comportamental — a tese de que os entrevistados nem
sempre revelam sua real intenção de voto, preferindo indicar com
frequência o nome do candidato considerado mais socialmente aceitável ou
“politicamente correto”.
Também não há dúvidas sobre como pesquisas inexatas podem deturpar
resultados eleitorais — ao estimular o chamado “voto útil”, por exemplo,
ou favorecer os candidatos mais conhecidos, cujos nomes aparecem
repetidamente nas pesquisas, induzindo respostas e impedindo a renovação
política. É ilustrativo, nesse sentido, o fato de institutos de
pesquisa terem incluído nos questionários de intenção de voto, durante
um bom período da campanha presidencial de 2018, o nome de um candidato
que estava legalmente impedido de concorrer e condenado à prisão, o
ex-presidente Lula.
O que não se descobriu ainda é como vencer as resistências à adoção
de legislação que obrigue de fato as empresas a melhorar a qualidade de
seu trabalho e a atuar com mais transparência, sujeitando-se a
auditorias e fiscalização, visto que elas são beneficiadas, ainda que
indiretamente, por verbas públicas. E detêm tamanho poder de impactar os
rumos do país. Uma das razões talvez seja o fato de a mídia não ter
interesse, ou isenção, para pôr o problema em foco com o destaque que
ele exige. Afinal, ela é parte dessa indústria, como proprietária de
empresas de pesquisa, ou se abastece delas para alimentar manchetes que
ajudam a atrair audiências.
Ou seja, apesar de todo o vigor exibido em campanhas contra as
chamadas fake news, a ponto de se aplaudirem medidas de censura,
infelizmente ainda não se vê por aqui nenhuma mobilização para combater
as fake polls. Caberá aos eleitores ficarem alertas para não ser
manipulados inadvertidamente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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