A queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro tem atraído
propostas de alianças em troca de recursos públicos. Uma das mais
tentadoras partiu de padres e leigos conservadores que controlam boa
parte do sistema de emissoras católicas de rádio e TV. Ligados à ala que
diverge politicamente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) dentro da Igreja, eles prometeram “mídia positiva” para ações do
governo na pandemia do novo coronavírus. Pediram em contrapartida,
porém, anúncios estatais e outorgas para expandir sua rede de
comunicação. A proposta foi feita no último dia 21, em videoconferência
com a participação de Bolsonaro, sacerdotes, parlamentares e
representantes de alguns dos maiores grupos católicos de comunicação, no
Palácio do Planalto. A reunião foi pública e transmitida por redes
sociais do Planalto e pela TV Brasil.
Na “romaria virtual”, o grupo solicitou acesso ao
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, à Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel) e, principalmente, à Secretaria de
Comunicação Social da Presidência (Secom).Dona do quinto maior
orçamento do Executivo, a Secom tem R$ 127,3 milhões em contratos com
agências de publicidade. Bolsonaro prometeu tratar pessoalmente do
assunto. Um dos pedidos mais explícitos foi feito pelo padre Welinton
Silva, da TV Pai Eterno, ligada ao Santuário Basílica do Divino Pai
Eterno, em Trindade (GO). Silva afirmou que a emissora, há um ano no ar,
passa por dificuldades e espera uma aproximação com a Secom para
oferecer uma “pauta positiva das ações do governo” na pandemia da
covid-19. “A nossa realidade é muito difícil e desafiante, porque
trabalhamos com pequenas doações, com baixa comercialização. Dentro
dessa dificuldade, estamos precisando mesmo de um apoio maior por parte
do governo para que possamos continuar comunicando a boa notícia,
levando ao conhecimento da população católica, ampla maioria desse país,
aquilo de bom que o governo pode estar realizando e fazendo pelo nosso
povo”, disse o padre. “Precisamos ter mais atenção para que esses
microfones não sejam desligados, para que essas câmeras não se fechem.” O
padre e cantor Reginaldo Manzotti, da Associação Evangelizar é Preciso,
com rádios e TV próprias, cobrou agilidade e ampliação das outorgas e
destacou o contraponto que os católicos podem fazer para frear o atual
desgaste na imagem de Bolsonaro e do governo. “Nós somos uma potência,
queremos estar nos lares e ajudar a construir esse Brasil. E, mais do
que nunca, o senhor sabe o peso que isso tem, quando se tem uma mídia
negativa. E nós queremos estar juntos”, observou Manzotti, dirigindo-se
ao presidente. O empresário João Monteiro de Barros Neto, da Rede Vida,
afirmou que “Bolsonaro é uma grande esperança”. Argumentou, ainda, que
veículos católicos precisam ser “verdadeiramente prestigiados”. Barros
Neto pediu não apenas mais entrevistas, como também a participação do
presidente em eventos promovidos por católicos. “A Rede Vida é a quarta
maior rede de TV digital do País, mas, para que possamos crescer,
precisamos ter mais investimentos”, resumiu ele. Emissoras de TV ligadas
a grupos religiosos receberam, no ano passado, R$ 4,6 milhões em
pagamentos da Secom por veiculação de comerciais institucionais e de
utilidade pública. Os veículos católicos ficaram com R$ 2,1 milhões e os
protestantes, com R$ 2,2 milhões. Em 2020, emissoras de TV católicas
receberam, até agora, R$ 160 mil, enquanto as evangélicas, R$ 179 mil,
de acordo com planilhas da Secom. O encontro virtual foi intermediado
pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), com a Frente
Parlamentar Católica. O deputado frequentava grupos de oração da
Renovação Carismática Católica. Enciumado com o acesso da Frente
Parlamentar Evangélica ao Planalto, o presidente da bancada católica,
deputado Francisco Jr. (PSD-GO), pediu que Bolsonaro promova,
mensalmente, um café da manhã de conversa e oração com eles. “Estamos um
pouco enciumados. Nós somos a maioria e a maioria é que ganha eleição
sempre”, alegou Francisco Jr., para quem as pautas da bancada “têm a
cara de Jair Bolsonaro.” O deputado Diego Garcia (Podemos-PR) afirmou,
por sua vez, que a bancada quer fortalecer o governo. “O senhor pode
contar 100% nas matérias pertinentes em apoio ao governo”, disse Garcia a
Bolsonaro. Já o deputado Eros Biondini (Pros-MG) afirmou que há
“empresários católicos alinhados com o governo” interessados em investir
no Brasil e defendeu a liberação de verbas para entidades filantrópicas
do setor que mantêm unidades de saúde. A Rede Católica de Rádio possui
oito geradoras que distribuem conteúdo para mais de mil emissoras e
transmitem em cadeia para cerca de 430. O sistema de TV também é
expressivo. No Brasil, há nove emissoras católicas de TV, geradoras de
conteúdo: Aparecida, Nazaré, Imaculada, Horizonte, Pai Eterno, Rede
Vida, Canção Nova, Século 21 e Evangelizar – as três últimas ligadas a
movimentos da Renovação Carismática Católica. As primeiras não
participaram da videoconferência. Já a Rede Vida, a maior delas, tem na
grade programas de ícones do movimento, como O Terço Bizantino, do padre
Marcelo Rossi, e o Rede Vida Sertaneja, do padre Periquito. Na
videoconferência com Bolsonaro, o padre João Henrique, da Aliança de
Misericórdia, descreveu o presidente como alguém que enfrenta uma
“batalha espiritual” que exige “armas espirituais”. “A gente se
identifica muito com as batalhas que o senhor está travando, somos
muitos na Igreja Católica que oramos pelo senhor. Sentimos saudade do
senhor. A Igreja Católica quer abraçar o seu filho e desejaria tê-lo
mais próximo e mais atuante dentro da Igreja”, insistiu. O flerte entre
Bolsonaro e veículos de comunicação católicos simpáticos ao governo
representa uma investida do Planalto na divisão latente na Igreja. De um
lado, conservadores alinhados ao governo, principalmente aqueles
ligados à Renovação Carismática Católica e, de outro, progressistas e
críticos do bolsonarismo vinculados à CNBB. Alguns episódios recentes
marcaram uma escalada no tensionamento. A presença constante do
presidente em manifestações antidemocráticas e a posição dele contrária
às recomendações sanitárias no combate à pandemia da covid-19 fizeram a
CNBB elevar o tom contra o governo e dizer que Bolsonaro “ameaça a
saúde” e perdeu “credibilidade” social. Entidades ligadas ao episcopado
chegaram a defender o impeachment do presidente. Padres identificados
com movimentos de leigos (católicos praticantes não ordenados)
conservadores e carismáticos, por outro lado, se aproximaram do
Planalto. O empresário João Monteiro de Barros Neto, da Rede Vida, disse
que não teve mais contatos com o governo depois da videoconferência do
último dia 21. Barros Neto afirmou ainda que houve queda de veiculação
de publicidade estatal da ordem de 85% no governo Bolsonaro e que, mesmo
em governos anteriores, a emissora “nunca chegou a ser reconhecida pela
sua cobertura, abrangência e diversidade de programação”. “A
expectativa que a Rede Vida tem, relativamente ao governo e suas
empresas, é que as veiculações publicitárias governamentais possam ser
consentâneas com sua abrangência e importância”, disse o empresário. O
Estadão procurou os religiosos citados na reportagem para comentar a
videoconferência, mas eles não se manifestaram. O Planalto não quis
comentar e a CNBB alegou não ter participado do encontro.
Eu tenho vergonha do apoio da igreja a esse ditador genocida.
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