A política vira veneno coletivo quando nem o vírus ganha dela. Vilma Gryzinski, na edição impressa de Veja:
Existe hoje um teste simples para saber quais países estão
encrencados. Basta olhar o noticiário, em qualquer meio que seja, e ver
qual o destaque dado à pandemia viral. Quando a política domina o campo,
por maiores esforços que façam jornalistas bem-intencionados para dar a
devida importância à doença ceifadora de tantas vidas (e espetar
governos, como faz parte do papel profissional), podem estar certos de
que a encrenca é brava. Nisso, o Brasil foi pioneiro, seguido agora
pelos Estados Unidos. Guardadas as devidas proporções entre os países e
as diferenças de resultados, ambos têm presidentes com três
características em comum: consideram-se perseguidos, são incapazes de
demonstrar empatia pelas vítimas da praga moderna e têm um tipo de
personalidade que conduz naturalmente à divisão. Atenção: em relação ao
primeiro item, não estão inteiramente desprovidos de razão. Donald Trump
chegou a ser submetido a um processo de impeachment oco, sem
embasamento, por um tema que ninguém lembra mais direito — contatos com o
presidente da Ucrânia —, ao qual só sobreviveu porque o Partido
Republicano tem maioria no Senado. Se não fossem míseros quatro votos
(52 a 48), estaria de volta, derrotado e humilhado, a seus palacetes e
sua vida de vendedor de uma marca famosa, o próprio nome — este,
impiedosamente depreciado.
A votação unânime do Partido Democrata contra Trump demonstrou que
não é apenas o presidente quem fez um traço no chão. A oposição também
se transformou na autodenominada resistência. Com um nome assim, não
existe negociação, acordo, ação conjunta pelo bem do país. Cada lado é
unido somente pela rejeição ao outro. Os americanos terão a eleição
presidencial em novembro para passar o veredicto. Neste momento de crise
nacional desencadeada pela virulência dos protestos contra a morte de
um homem negro por um policial branco, está tudo em aberto. Trump pode
ser despejado por eleitores desejosos de ter um presidente normal, que
não mantenha o país em estado de tensão permanente — sem contar o tombo
na economia e os mais de 100 000 mortos pelo vírus. Ou pode ser
beneficiado pelo “voto secreto”, o eleitor que concorda com muito do que
ele faz, mas não tem coragem de dizer, e agora está apavorado com a
violência dos protestos transmutados em caos. Ao se proclamar “o
presidente da lei e da ordem”, Trump deixou claro o cálculo eleitoral.
Apesar do ambiente político tóxico, republicanos e democratas agiram
em conjunto numa questão vital: o socorro, em pacotes de trilhões de
dólares, para salvar a economia da paralisia desatada pela doença que
pôs os trabalhadores em casa e o trabalho no fundo do poço. Sem o
dinheiro dos contribuintes, não apenas os EUA, mas o mundo inteiro,
inclusive a China, estariam no buraco. Trump, claro, seria um dos
primeiros a ser tragados. “Quando um homem sabe que vai ser enforcado em
quinze dias, sua mente se concentra maravilhosamente”, definiu, para
todo o sempre em matéria de perspectiva, o pensador inglês Samuel
Johnson. Alguma chance de que esse primor da realpolitik nos ajude nessa
hora de perigo? Poucas. Mais garantido é apostar numa certeza:
desunidos, sairemos todos perdendo.
Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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