Se os antifas pretendem mesmo acabar com o fascismo, vão ter que começar
a combater suas próprias ideias fascistas. Artigo de Paulo Polzonoff
Jr. para a Gazeta do Povo:
Antifa. A simples menção ao nome do grupo que costuma ir às ruas para
brigar com supremacistas brancos e, se sobrar um tempinho, quebrar
agências bancárias e tudo o que simbolize o “capitalismo opressor” é
capaz de despertar os brios justiceiros de que não quer ver se repetir
as tragédias de Hitler e Mussolini. Mas é aí, na identificação do
inimigo histórico, que mora o problema.
Porque ninguém em sã consciência há de defender o fascismo, com sua
glorificação do Estado, esmagamento da liberdade individual e pretensões
eugenistas (nas quais o racismo está implícito). Mas daí você vai ler o
que os membros da Antifa propõem e se depara com o quê? A glorificação
do Estado e o esmagamento da liberdade individual. Mas não só. Antifas
também se opõem explicitamente à democracia representativa e veem a
violência como um caminho legítimo para se fazer justiça.
Está tudo em “Antifa: O Manual Antifascista”, de Mark Bray. O livro,
no momento em que escrevo este texto, é o mais vendido da Amazon
norte-americana na categoria “Fascismo” – o que não deixa de ser uma
ironia reveladora. Bray, que durante o livro todo não deixa de exaltar a
própria superioridade moral e, por consequência, a superioridade moral
dos antifas, foi um dos organizadores do protesto Occupy Wall Street,
que em 2011 ocupou os arredores do centro financeiro de Nova York
exigindo coisas como a redução da influência empresarial na política,
menos disparidade de renda, empregos melhores, reforma do sistema
bancário e o perdão da dívida dos estudantes.
O movimento foi, como era de se prever, um fracasso. Os manifestantes
tiveram celulares e laptops roubados e houve até relatos de estupros
nas barracas. Nenhuma das pautas vagas e evidentemente anticapitalistas
foram atendidas. Mas Bray ganhou a notoriedade que lhe permitiu escrever
a história do movimento antifascista contemporâneo, que pouco ou nada
tem a ver com os antifascistas que deram a vida para derrotar Hitler e
Mussolini.
Em busca de uma definição
A validação moral dos Antifa passa, necessariamente, por essa
necessidade de se identificar com os antifascistas das décadas de 1930 e
1940, que lutavam contra um mal muito concreto: o nazismo, na Alemanha,
e o fascismo, na Itália. Bray, convenientemente, ignora regimes
autoritários de esquerda. Por isso mesmo ele começa o livro dizendo que a
história do fascismo não foi corretamente escrita ainda (como se as
centenas de milhares de títulos sobre o assunto não valessem para nada).
Caberá justamente a ele, Bray, escrever não uma história do fascismo,
mas a história.
Para tanto, ele precisa de uma definição de fascismo. Sem explicar ao
leitor o motivo, ele usa uma definição específica, proposta por Robert
Paxton, famoso por ver no anticapitalismo um caminho para a luta
antifascista. A definição de Paxton para o fascismo é a seguinte:
(...) uma forma de comportamento político marcado por uma preocupação obsessiva com a decadência da sociedade, a humilhação e a vitimização, e a adoração compensatória da união, energia e pureza, no qual um partido de massa formado por militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca, por meio da violência redentora e sem limites éticos ou legais, os objetivos da purificação doméstica e da expansão externa.
É uma boa definição, ainda que falha, justamente por ignorar os
regimes autoritários de esquerda que se enquadram perfeitamente nessas
características. Não se trata, aqui, de uma omissão ao acaso ou de um
descuido conceitual. Os regimes autoritários de esquerda, como o
socialismo soviético e o maoísmo, são intencionalmente ignorados porque a
Antifa se autodefine como “uma política não-liberal de revolução social
aplicada à luta contra a extrema-direita, e não apenas contra fascistas
no sentido literal do termo”.
Traduzindo, trata-se de um movimento autoritário (“não-liberal”),
antidemocrático (“revolucionário”), de extrema-esquerda, que luta contra
todos aqueles que dele discordam (“não apenas contra fascistas no
sentido literal do termo”).
Antidemocracia
E o problema dos antifascistas contemporâneos é justamente este: eles
usam métodos fascistas, entre eles a violência, mas não só, para vencer
os que discordam de sua postura e que são considerados aleatoriamente
fascistas. Trata-se um jogo político cujo resultado é apenas a
perpetuação de métodos pouco civilizados para fazer prevalecer uma visão
de mundo.
Não à toa, Bray passa boa parte do tempo defendendo duas coisas de
deixar de cabelo em pé muita gente que, hoje mesmo, está usando o badge
“Antifa” nas redes sociais: o silenciamento completo de qualquer voz
contrária e alguma forma de supressão da democracia. Isso mesmo:
supressão da democracia.
“Em resumo, a Antifa busca negar aos fascistas a oportunidade de
promover suas políticas de opressão”, lê-se no livro. E é impressionante
como uma frase tão curta pode ter tantos problemas políticos e morais. A
questão aqui é: quem determina se essa ou aquela política pregada pelos
“fascistas” é de fato opressora? Qualquer um que defenda a iniciativa
privada, por exemplo, automaticamente se enquadra no conceito defendido
por Bray e, portanto, deveria ser silenciado. Assim como todo mundo que
defenda métodos pacíficos, como Martin Luther King, por exemplo.
Adiante, chegamos ao cerne da questão. Antifas são também
antidemocráticos. Num capítulo curto, mas extremamente sintomático das
contradições que compõem o pensamento e a prática antifas, Mark Bray,
que exibe na parede de seu gabinete o diploma de historiador, defende o
fim das eleições livres e democráticas como forma de se alcançar o poder
porque “fascistas alcançam o poder legalmente”. Como exemplo, ele
menciona o presidente Donald Trump e o ex-primeiro ministro italiano
Silvio Berlusconi.
Antifascismo cotidiano
Por fim, Mark Bray defende algo assustador: a ação política cotidiana
contra os fascistas. Que, já vimos, inclui todos aqueles com ideias
diferentes das dos revolucionários do grupo Antifa. Daí as arruaças
diárias que vimos recentemente nos Estados Unidos, usando como pretexto a
morte de um homem negro por um policial branco. Daí a militância
incansável nas redes sociais.
Essa pregação nada mais é do que a realização do sonho marxista de
ver o homem transformado num Homo politicus, alguém que pense o Estado o
tempo todo, desde que acorda até a hora de dormir. Para os antifas, a
derrota do fascismo só se dará depois de implementadas mudanças
radicais, como o fim do capitalismo e até a abolição das prisões, e
depois que o homem abandonar qualquer luta que não a política, pela
manutenção desse suposto Paraíso na Terra.
Para Bray e os seus, tudo é Estado e nada existe fora do Estado –
desde que, evidentemente, o Estado seja anticapitalista. Mas quem eram
mesmo aqueles que defendiam a supremacia do Estado sobre o indivíduo, o
planejamento ultracentralizado na economia e da vida cotidiana e
reparações históricas por meio da violência?
Ganha um pirulito quem responder “os fascistas”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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