Todos os diários, semanários e estações de televisão são afinal da
República, a República que os socialistas ocuparam perante a indiferença
ou a conivência da boa parte da população. A crônica semanal de Alberto
Gonçalves no Observador (uma exclusividade do blog):
Sobre os subsídios do governo aos “media”, José Manuel Fernandes
disse duas coisas de que discordo parcialmente. Uma é que, em matéria do
controlo do jornalismo, o dr. Costa distingue-se do “eng.” Sócrates por
agir pela calada, ao contrário do estardalhaço praticado pelo seu
antecessor no PS. A outra é que não foram divulgados os critérios de
atribuição das verbas. Vamos por partes.
Em primeiro lugar, não vejo grande diferença na subtileza de ambos os
caciques. Vejo diferença na eficácia. Falo por mim, e não, por exemplo,
por Manuela Moura Guedes. Atravessei os anos “socráticos” a escrever
num jornal e numa revista (de grupos distintos), disse o que me apeteceu
acerca da miséria moral do “animal feroz” e nunca, nunca, nunca, sofri o
mais leve reparo dos meus directores. Suspeito, e é apenas uma
suspeita, de que os meus directores sofriam reparos de certas
instâncias, a que não ligavam. Nesse período, eu até recebia convites
ocasionais dos canais televisivos, que recusava porque raramente
trabalho de borla. Certo é que 13 ou 14 meses após o dr. Costa tomar
conta disto e iniciar o processo de venezuelização, em curso hoje
acelerado, fui corrido de ambas as publicações, ignoro se por pressão
externa, se por sabujice interna. Os directores em causa, bastante mais
amestrados, não eram evidentemente os mesmos, e sim serviçais que não
caíram do céu. O “eng.” Sócrates berrava às vezes em vão; o dr. Costa,
espécime similar, berra e é escutado.
Em segundo lugar, os critérios de atribuição dos subsídios são
claros. Há oito dias, o indivíduo que preenche a secretaria de Estado do
“audiovisual” ou lá o que é, declarou: “Não adianta estar a promover a
leitura de jornais se não fizermos simultaneamente a promoção da
literacia mediática, isto é, da capacidade de qualquer cidadão, seja de
que idade for, poder descodificar, compreender e ler de maneira clara os
sinais do seu tempo”. Vinda de quem vem, a conversa fiada é inequívoca:
o governo iria patrocinar as televisões, as rádios, os jornais e as
revistas que transmitem diligentemente a propaganda oficial. Sempre que
alguém se acha no direito de estabelecer o padrão ideal de os demais
“descodificarem, compreenderem e lerem”, está a falar, de maneira
escancarada, de fiscalização, manipulação e censura. Os “sinais do
tempo” não enganam.
Aliás, se restassem dúvidas em volta dos tais “critérios”, estas
dissiparam-se com a transcrição detalhada, no Diário da República, das
verbas e dos destinatários. A quase totalidade do dinheiro brindou as
empresas que detêm a SIC, a TVI e a CMTV, além da dona do falecido DN. O
resto, salvo as migalhas finais, espalha-se pelo “Público”, pela
“Bola”, pela “Renascença”, e pela “Visão” e “Caras”. Ou seja-se, a
expensas da “literacia mediática”, e de facto do contribuinte, paga-se
entretenimento, arraial, futebol e sobretudo a gentileza que os canais e
os títulos acima dispensam ao dr. Costa e respectiva tropa.
Recentemente, o director de informação da TVI justificou o cancelamento
de um programa de investigação (“Ana Leal”) com a descoberta de que as
audiências não querem críticas ao poder durante uma crise. No exacto
momento em que a apresentaram aos 1,691 milhões, a Cofina correu com
André Ventura. Não vale a pena lembrar as hagiografias da anedótica
senhora da DGS produzidas por JN e DN. Não vale a pena referir a
orientação editorial da SIC, que na “informação” (sic literal) culpa
Trump por cada desgraça da Terra e nas variedades lava governantes no
programa daquela senhora que grita. Não vale a pena mencionar o
“Público”, ponto. E não vale a pena exigir dois neurónios: um basta para
constatar que os subsídios pagam a lealdade – a anterior e a que aí
vem.
O governo pretendia atirar 19 mil euros ao Observador (a comparar com
os 300 e tal mil do “Público” e da “Bola”, ou os 400 mil da “Visão”).
Fez bem, já que passou a este jornal um atestado de independência. O
Observador (e o Eco, com 18 mil) recusou. Fez bem, já que garante que a
independência é para continuar. O governo subiu a esmola para 90 mil
euros. Fez bem, já que passeou as deficiências contabilísticas e de
carácter que moram por ali. O Observador voltou a recusar. Fez bem, já
que provou que a decência não depende do montante.
Descontado o avanço ditatorial que simboliza, no fundo o episódio é
positivo. Até agora, uma pessoa via cinco minutos de um noticiário ou
abria um jornal (exercícios hipotéticos) e contorcia-se de vergonha ao
contemplar tamanha bajulação do poder. De agora em diante, uma pessoa
compreende que a bajulação não é impressão sua, fruto do acaso, favores
fortuitos ou mera imbecilidade: é o resultado de financiamento directo,
com valores discriminados e proporcionais às vénias que se cometem. Está
no Diário da República. Todos os diários, semanários e estações são
afinal da República, a República que os socialistas ocuparam perante a
indiferença ou a conivência da boa parte da população. A parte da
população que sobra, e que quer aceder a jornalismo autêntico, por
oposição a contorções subservientes a Costa, o Magnífico, sabe onde
procurá-lo. Na verdade, já sabia. Mas agora é oficial.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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