Para justificar o coitadismo latino-americano, a literatura revolucionária infantiliza e, de certa maneira, idiotiza as civilizações autóctones. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
A
vida intelectual do youtuber Felipe Neto mudou quando ele leu o livro
do jornalista uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015), cujo título é
copiado por esta coluna. Não só a adolescência serôdia de Felipe foi
marcada pelo texto que conta cinco séculos de opressão de América
Latina, como se todos os problemas da região tivessem se iniciado com a
chegada das caravelas.
Antes
de Colombo, ensina a obra, havia um ambiente de equilíbrio social e
ecológico que fazia da região uma espécie de altar na Terra, que fora
sucessivamente vilipendiado. Galeano ajudou a moldar o pensamento de
parte da esquerda que lê e reforçou a lamentação da outra parte que
esquerda aquela que apenas escuta e repete. O resultado é mais ou menos o
seguinte: a gente é o que é porque fomos espoliados. Nunca nos foi dada
a chance de alcançar desenvolvimento e independência e até hoje temos
que lutar para voltar a ser o que éramos. Uma pátria grande, próspera e
feliz.
Bolivarianos
em geral (Ops… Simón Bolívar não seria também um branco invasor?)
ignoram que o colapso da civilização Maia, por exemplo, foi provocado
pelos próprios nativos, como sendo uma combinação de superpopulação e
devastação ambiental que podem ter sido agravados com eventos climáticos
extremos, possivelmente secas.
Para
justificar o coitadismo latino-americano, a literatura revolucionária
infantiliza e, de certa maneira, idiotiza as civilizações autóctones.
Vale relembrar a cena dramática em que Galeano narra como o espanhol
Hernán Cortés – “confundido” pelo imperador asteca como sendo deuses
enviados pelo deus maior Quetzalcoatl – marchou com seus cavalos sobre
os corpos dos pobres índios. Uma versão até hoje repetidas nas escolas
latino-americanas (não custa lembrar que o Brasil também faz parte do
continente), mas que não tem amparo algum na realidade, já tendo sido
desmentida, mas sem efeito prático nos cursos de história do ensino
médio, onde Galeano é um clássico.
Pense no Haiti.
Nesta
semana, o presidente Jovenel Moïse foi fuzilado enquanto dormia. As
autoridades haitianas parecem ter identificado e prendido os
responsáveis: um grupo de mercenários colombianos possivelmente
recrutados e liderados por dois haitianos que viviam nos Estados Unidos.
Pelo menos é o que diz o governo local.
O
que é o Haiti? É um daqueles atoleiros sem solução. A morte de Moïse,
que teve um governo bem tumultuado e que chegou ao poder em eleições
igualmente tumultuadas, tem potencial de empurrar o país ainda mais para
o fundo do brejo.
A
pobreza e instabilidade do Haiti são culpa de Cristóvão Colombo, que um
dia chamou aquela terra de Hispaniola? Por que o Haiti não virou algo
parecido com o Chile ou com a vizinha República Dominicana, ambos
ex-colônias?
Para
entender o que leva o Haiti ser o Haiti é preciso olhar e perguntar
para os haitianos. A resposta não está em Colombo ou os franceses que
assumiram a colônia que vão explicar.
E
que cargas d’água (como diziam os conquistadores portugueses) fazia um
comando de ex-militares colombianos trabalhando como mercenários no
Haiti? A resposta não pode ser buscada na teoria da eterna dependência
latino-americana. Eles são resultado de fenômenos relativamente
recentes.
A
Colômbia viveu décadas de conflito armado contra uma guerrilha que
queria implantar uma ditadura socialista no país. Financiada em parte
pelo tráfico de cocaína, as Farc infernizaram a vida social e política
do país sul-americano. A Colômbia foi obrigada a ter forças militares
altamente treinadas e proficientes em combates reais que faziam parte do
dia a dia de seus quadros militares.
Desde
que os acordos de paz com as Farc foram firmados na Colômbia – como
resultado de uma manobra eficiente da própria guerrilha que conseguiu
garantir acesso à legalidade e manter o seus negócios criminosos em
atividade – o governo colombiano reduziu os investimentos e muitos
militares trocaram a carreira nos cartéis por atividades privadas. As
baixas já superam em mais de 50.000 homens.
Somente
as investigações poderão confirmar, mas os mercenários que mataram o
presidente Moïse inegavelmente trocaram as forças regulares pelo
trabalho subterrâneo do mercenarismo. E não há apenas excedente de
militares. A Colômbia virou um reservatório de guerrilheiros
desempregados. Gente que não pensa duas vezes em oferecer seus serviços
para o crime organizado seja por lá, ou em qualquer outro lado das
fronteiras, entre os quais está o Brasil.
Em
2018, as autoridades do Amazonas trocaram tiros com traficantes
colombianos em território brasileiro. Por sinal bem longe da fronteira,
“quase” (nos conceitos amazônicos de distância) nos arredores de Manaus.
Foram encontrados com os mortos equipamento militar colombiano e armas
idênticas às usadas pelos guerrilheiros das Farc.
Um
excedente de mão de obra cuja existência tem mais relação com Marx,
Stalin e Mao Tse Tung que com qualquer um dos vilões das Veias Abertas
da América Latina. Mesmo tipo de fenômeno que na América Central nutriu
as gangues e os cartéis de drogas com combatentes desempregados
transformando as organizações em algumas da mais letais do hemisfério.
A
lista de desventuras é enorme e passa pela falência da Venezuela, pela
narcopolítica boliviana, o naufrágio argentino, e o Brasil, o país do
quase. Quase potência. Quase Venezuela. Quase Argentina. Quase Haiti.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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