Estive duas horas a contemplar a “documentação” orientadora da Cidadania e Desenvolvimento. Com a disposição adequada (para a galhofa), vale a pena. Todos os textos são medonhos na forma e no conteúdo. Via Observador, a crônica semanal de Alberto Gonçalves:
Conhecem
o caso de Artur Mesquita Guimarães, o homem de Famalicão que impediu os
filhos de assistirem à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e com
isso suscitou a fúria do ministério e a reprovação dos petizes? Eu
também conheço, e ainda não vi uma opinião acerca do assunto com a qual
concorde sem reservas. É claro que discordo da maioria de assanhados que
acusa o sr. Artur de destruir o futuro dos filhos, e que no limite
reclama a remoção destes da família. Diz-se que, acima de tudo, o crime
do sr. Artur é ser um “intolerante” de “direita”. Já os assanhados são
evidentemente de esquerda, virtude que os habilita a não tolerar nada,
principalmente desvios à fé cega no Estado, e muito principalmente se o
Estado está nas mãos do PS.
Por
outro lado, julgo apressado o apoio incondicional de uma minoria à
atitude do sr. Artur. O sr. Artur tem alguma razão ao defender que a
disciplina em causa deveria ser facultativa, na presunção de que “a
educação no sistema público não pode seguir nem impor diretrizes
filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”. Porém, o
sr. Artur esquece-se de um pormenor. Ao que consta, os filhos dele são
óptimos alunos. É possível que sejam igualmente miúdos inteligentes. O
que o faz acreditar que miúdos inteligentes engolirão com facilidade a
cartilha de infantilidades embrulhada nos belos conceitos da “cidadania”
e do “desenvolvimento”? O sr. Artur acha mesmo que um adolescente com
dois neurónios levará a sério um professor de meia-idade que decida
acrescentar novas letrinhas a LGBTQ@ÇX? O sr. Artur não confia no
discernimento dos rapazes que educou? O sr. Artur não percebe o
potencial humorístico e dialéctico de uma disciplina assim?
Ando
há vinte anos desejoso de utilizar a expressão “Ai, se fossem meus
filhos…” Lá vai, então: ai, se fossem meus filhos… Se fossem meus
filhos, os pirralhos frequentariam às aulas de Cidadania e
Desenvolvimento. E todos os dias eu aguardaria ansioso a descrição da
matéria leccionada, a fim de jantar entre gargalhadas. É evidente que a
escola não se deveria envolver, com parcialidade, em temas “filosóficos,
estéticos, políticos, ideológicos ou religiosos” – e sexuais. Quando se
envolve, e quando os alunos e os pais dos alunos possuem conhecimentos e
noção do ridículo suficientes para desmontar aquilo, o resultado pode
ser engraçadíssimo.
Estive
duas horas a contemplar a “documentação” orientadora da Cidadania e
Desenvolvimento. Com a disposição adequada (para a galhofa), vale a
pena. Há tralha produzida pelo governo e tralha produzida pelas escolas.
Não me dei ao trabalho de distingui-las. Aliás, as tralhas pareceram-me
indistinguíveis. Todos os textos que espreitei são medonhos (ou, lá
está, cómicos) na forma e no conteúdo.
A
forma é o que se convencionou designar por “eduquês”, leia-se o que
acontece sempre que uma língua é violentamente atacada por rústicos com
pretensões. Ele é as “aprendizagens”. Ele é a “mobilização de
competências”. Ele é a “flexibilidade contextualizada”. Ele é o “elencar
de conhecimentos”. Ele é a “integração de matrizes”. Ele é a “formação
cidadã”. Ele é o “espaço potenciador”. Ele é as “áreas transversais e
longitudinais”. Ele é a “transversalidade do currículo”. Ele é preciso
ser bruto para achar que tamanho massacre é digerível por seres humanos.
Quanto
ao conteúdo, não desmerece a forma. Os “domínios” (cof, cof) são a
conversa fiada que se imagina, previamente condicionada à ortodoxia
“correcta” que se imagina: Consumo (em excesso é mau), Desenvolvimento
Sustentável (em excesso é bom), Direitos Humanos (contra o “discurso do
ódio”), Igualdade de Género (contra os “estereótipos”), Ambiente
(atenção às “alterações climáticas”), Sexualidade (com ênfase, eu fique
ceguinho, nos “afectos”), Interculturalidade (o que quer que isso seja),
etc. A coisa está “ao nível” da indigência intelectual de um António
Guterres, de dois “pivots” de noticiário ou de três Pequenas Gretas. No
fundo, não é grave. É abusivo que indivíduos que não sabem português
sonhem impingir semelhantes lérias a catraios. É caricato. É parolo. Mas
não é grave – na circunstância, repito, de os alunos terem cabecinha e
pais capazes de converter palermices no divertimento que as palermices
pedem. Admito que crianças social e mentalmente permeáveis acabem por
ceder às palermices e tomá-las por verdades universais. E qual é o
problema? Os futuros militantes do PS e do BE não caem do céu.
Bem
espremido, os grandes prejudicados desta história são os professores
forçados a leccionar a disciplina, que em geral a recebem com o
entusiasmo com que uma lesma recebe sal. A cargo do professor certo, a
disciplina até pode ser útil. A lengalenga oficial informa que a
Cidadania e Desenvolvimento visa “preparar os alunos para a vida, para
serem cidadãos democráticos, participativos e humanistas”. Um docente
esclarecido aproveitaria a deixa para notar a avalanche ditatorial,
discriminatória e desumana que, além da pobreza garantida, o governo
despejou em cima de nós a vago pretexto da Covid. É óbvio que o referido
docente não iria longe. A questão é: quem, excepto filiados da
“situação” e, desculpem a redundância, matarruanos comuns, vai longe
neste país? Se os rapazes de Famalicão fossem meus filhos, ria-me com
eles da nossa radical indigência durante mais dois ou três anos. E
depois largava-os no aeroporto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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