Professores universitários poderiam ser denunciados anonimamente por “mudança na linguagem corporal” como erguer as sobrancelhas. Vilma Gryzinski:
Não
foi dessa vez que os 800 anos de história de Cambridge ruíram
estrondosamente. Mas provavelmente será da próxima: a loucura
politicamente correta que grassa nas grandes universidades britânicas e
americanas não pretende deixar pedra sobre pedra.
Em
Cambridge, onde vicejaram Charles Darwin (a batata dele está assando),
Lorde Byron, Bertrand Russell e Stephen Hawking, cada um deles um
exemplo espetacular de como contestar o senso comum pode produzir
conhecimento e arte, durou quase uma semana um site onde alunos poderiam
denunciar anonimamente as “microagressões” praticadas por professores.
Microagressões
são um dos exemplos mais clássicos de como ideias boas e nobres, tal
como combater a discriminação contra minorias, podem se transformar no
sétimo círculo do inferno politicamente correto.
Um
exemplo dessa insanidade inquisitória está na definição do que são
microagressões segundo o site temporariamente sepultado em Cambridge.
Enquadram-se na categoria “insultos e indignidades” o que o site
qualifica de “comportamentos como uma mudança na linguagem corporal
quando reagindo àqueles com uma determinada característica”.
Ficou
em dúvida? Esclareça-se: os tais comportamentos incluem “levantar as
sobrancelhas quando um funcionário ou aluno negro está falando,
minimizando o funcionário ou aluno que levanta o tema de raça ou racismo
no ensino”.
Outros:
“Cumprimentos arrevesados” nas mesmas circunstâncias. “Evitar ou dar as
costas a determinadas pessoas”. Fora tratar alguém como se fosse do
gênero ao qual diz não pertencer. E chamar “mulher de menina”.
Como
provar que um professor cometeu o delito de levantar as sobrancelhas? A
denúncia anônima dispensaria comprovações, como na Santa Inquisição.
A
eliminação do site foi uma vitória parcial numa guerra que parece
perdida. Na mesma categoria se inclui a sobrevivência, provavelmente
também temporária e por motivos relacionados apenas ao patrimônio
cultural, da estátua de Cecil Rhodes em Oxford, onde subsistem doações e
uma bolsa deixada pelo megaimperialista que foi precursor da exploração
de diamantes na África do Sul.
O
furor politicamente correto já ultrapassou as fronteiras tradicionais
das ciências humanas – está a perigo, por exemplo, o ensino de grego e
latim nas escolas dedicadas ao estudo das civilizações clássicas da
antiguidade. Até a matemática, a ciência exata por excelência, é acusada
de ser racista e várias escolas médias americanas hoje priorizam “as
experiências das comunidades de cor”.
A
medicina não escapa e o diretor de redação do Jornal of the American
Medical Association, JAMA, considerou-se ontem obrigado a se demitir por
causa do podcast de outro médico da equipe dizendo que fatores
socioeconômicos, e não racismo estrutural, são responsáveis pelas
diferenças nos indicadores médicos de brancos e negros.
“Fiquei
profundamente decepcionado comigo mesmo pelos lapsos que levaram à
publicação do tuíte e do podcast. Embora não os tenha produzido ou lido,
sou o responsável em última instância”, penitenciou-se Howard Bauchner.
O
mencionado Charles Darwin também anda a perigo. A revista Science
publicou um artigo de um antropólogo de Princeton, Agustin Fuentes,
dizendo que A Origem do Homem traz uma “visão racista e sexista da
humanidade”, revelando ser frequentemente “problemático, preconceituoso e
injurioso”.
“Darwin
representou povos indígenas das Américas e da Austrália como inferiores
aos europeus em capacidade e comportamento. Povos do continente
africano foram consistentemente referenciados como cognitivamente
depauperados, menos capazes e de status inferior a outras raças”, anotou
o professor.
Darwin
também apresenta “as mulheres como inferiores aos homens (brancos),
frequentemente próximas das ‘raças inferiores’”. Ele também descreve o
homem como “mais corajoso, enérgico, inventivo e inteligente, invocando a
seleção natural e sexual como justificativa, apesar da falta de dados
concretos e de avaliação biológica”.
Darwin reflete, assim, “a misoginia tanto vitoriana quanto contemporânea”.
Imagem
só, um estudioso da era vitoriana ser, bem, vitoriano. Pelos padrões
atuais, seria reacionário. Pelos padrões da época, em termos científicos
e não sociais, foi um revolucionário.
Contestar
tudo, inclusive Darwin, é prerrogativa das práticas saudáveis do
pensamento livre. Mas fazê-lo pelos motivos errados, ou fora do contexto
histórico, é o tipo de tolice que acaba em patrulha de sobrancelhas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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