Nomeação de Eduardo Pazuello premia um oficial militar que desprezou o espírito da farda que veste. As consequências desse gesto são nefastas. Editorial do Estadão:
O
presidente Jair Bolsonaro nomeou o general intendente Eduardo Pazuello,
ex-ministro da Saúde, para a Secretaria de Estudos Estratégicos da
Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Com esse gesto, o presidente premiou um oficial militar
indisciplinado, que desprezou publicamente o espírito da farda que
veste. As consequências desse gesto são nefastas – e potencialmente
perigosas.
A
nomeação não causa surpresa. O intendente Pazuello vem demonstrando há
muito tempo ter a principal – talvez única – qualidade exigida por
Bolsonaro em sua administração: lealdade canina ao chefe. Na CPI da
Pandemia, o ex-ministro da Saúde agrediu a inteligência alheia de
maneira constrangedora para defender Bolsonaro, o principal responsável
pelas enormes dificuldades que o Brasil enfrenta no combate à pandemia
de covid-19.
Não
bastasse isso, o intendente foi a um comício do presidente Bolsonaro,
em óbvia afronta ao regulamento das Forças Armadas e à Constituição, que
proíbem a atividade político-partidária aos militares da ativa, caso do
general Pazuello. Para adicionar insulto à injúria, o oficial, para
tentar evitar punição, justificou-se diante do Comando do Exército com a
patranha de que a manifestação bolsonarista não era “política”, e sim
apenas um singelo “passeio de moto”.
Desse
modo, Pazuello seguiu à risca o manual bolsonarista de desfaçatez:
depois de ter franqueado o Ministério da Saúde ao charlatanismo, o
general fez troça da disciplina e da hierarquia militares, testando os
limites institucionais – exatamente como Bolsonaro faz desde que foi um
mau militar.
Para
os celerados bolsonaristas, o desrespeito às instituições é sinal de
valentia – essa gente considera que os pilares do regime democrático
estão apodrecidos pela corrupção generalizada e pela ideologia comunista
e por isso devem ser demolidos. Melhor ainda se esse combate for
travado por meio de cinismo, como mostrou a indecente defesa apresentada
pelo intendente Pazuello ao Exército.
Essa
aventura irresponsável está conduzindo o País para um terreno minado.
Bolsonaro entregou a um general insubordinado um cargo que tem entre
suas atribuições elaborar análises “para o planejamento de ações
governamentais com vistas à defesa da soberania e das instituições
nacionais e à salvaguarda dos interesses do Estado”, conforme o Decreto
10.374. Além da óbvia afronta de Bolsonaro às Forças Armadas, que
credibilidade terão os estudos em áreas tão sensíveis produzidos por um
secretário que vê de maneira tão equivocada os interesses do Estado e
valoriza tão descaradamente os interesses próprios e de Bolsonaro?
Na
caquistocracia bolsonarista, contudo, isso é irrelevante. Com a
nomeação do indisciplinado e incompetente Pazuello, Bolsonaro confirma a
profunda mediocridade de seu governo. Mais grave, contudo, é que o
presidente consagra como princípios a insubordinação e a quebra da
hierarquia militar, exatamente à sua imagem e semelhança. Convém lembrar
que no mais recente momento da história nacional em que isso aconteceu,
o presidente da República que estimulou a indisciplina militar foi
afastado pelas Forças Armadas.
Engolfado
pela pandemia e pela perda de quase meio milhão de brasileiros, o
Brasil não precisa de desordem militar. O País está pacificado desde
1985, com a culminação do processo de transição do regime militar para a
democracia. Desde aquele momento, os militares retiraram-se da cena
política. Não há hoje nenhuma questão ideológica que justifique essa
tensão que Bolsonaro provoca nos quartéis e no País.
Na
verdade, o presidente Bolsonaro parece interessado em submeter as
Forças Armadas a seus propósitos autoritários, mas as Forças Armadas
certamente não se têm deixado submeter a interesses mesquinhos nem
deixarão que se instaure em suas fileiras a desobediência sistemática.
Se o fizessem permitiriam que se instalasse na tropa uma ruptura
institucional que, depois de tantas lutas pela restauração da
democracia, seria inadmissível diante dos brasileiros e diante do mundo.
Bolsonaro,
em resumo, nomeou o intendente Pazuello pensando escarnecer dos
militares. Mas o escarnecido é o País e, antes dele, um comandante em
chefe que se comporta como chefe de milícia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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