MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 6 de junho de 2021

Coalizão israelense é uma geringonça política que mantém indefinido o futuro dos palestinos

 


Charge [Sabaaneh / Monitor do Oriente Médio]

Guilherme Casarões
O Globo

O Oriente Médio voltou aos holofotes internacionais graças a um novo ciclo de violência entre Israel e os palestinos, cujo desenrolar coincidiu com mais uma eleição israelense — a quarta em dois anos. São eventos interligados, que representam a dinâmica viciosa que tragou ambas as sociedades, sequestradas por forças políticas radicais que sustentam sua legitimidade pela violência, pelo ódio e pelo medo.

Por uma década, o grupo palestino Hamas e a coalizão de extrema direita liderada por Benjamin “Bibi” Netanyahu beneficiaram-se da existência um do outro. Cada foguete vindo de Gaza dava boas razões para o premier israelense caracterizar os palestinos como uma ameaça existencial ao povo judeu. Cada nova expansão de assentamentos ilegais na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental confirma aos palestinos que Israel não está disposta a acabar com a ocupação ilegal de seus territórios.

QUEBRA DA DINÂMICA – A formação de um novo governo em Israel, a ser confirmado nos próximos dias, representa uma quebra dessa dinâmica. Pela primeira vez em 12 anos, o Likud, principal partido do país, está fora da coalizão — mesmo tendo obtido o maior número de cadeiras.

Diante de um sistema partidário fragmentado, isso se explica por uma aliança inédita entre forças políticas de centro, direita nacionalista, (extrema) direita religiosa, esquerda e até mesmo árabes muçulmanos para derrubar a hegemonia de Netanyahu.

Se a beleza da democracia está justamente na articulação e no diálogo de grupos políticos tão distintos, essa pluralidade também pode ser uma fraqueza. Em temas sensíveis, como a relação com os palestinos, não parece haver consenso possível entre árabes israelenses, sionistas progressistas e nacionalistas religiosos que já defenderam até a anexação da Cisjordânia.

SEM REVIRAVOLTA – É apressado imaginar que o novo governo representará uma reviravolta rumo à viabilização de um Estado palestino. O mais provável é que esse assunto seja evitado, até que a coalizão possa ficar de pé.

A “geringonça israelense”, essa inusitada correlação de forças, pode significar uma mudança gradativa na política de Israel, recompondo o centro democrático e trazendo de volta a governabilidade ao país.

Mas essa nova realidade não é favorável aos interesses do Hamas e de outros grupos radicais palestinos. Para eles, um governo israelense disposto a negociar mais e bombardear menos prejudica sua estratégia de incitar o medo e fomentar o terror contra civis.

NA EXPECTATIVA -Será importante observar como as lideranças palestinas, violentas ou moderadas, reagirão ao provável governo israelense. O cessar-fogo entre Israel e Hamas, celebrado duas semanas atrás, ainda é frágil demais para evitar, por si só, um novo surto de violência no entorno de Gaza.

Para a Autoridade Palestina, essa será uma janela de oportunidade para reabrir canais de diálogo, facilitado pelos representantes árabes e de centro-esquerda da coalizão, com vista a uma nova rodada de negociações, paralisadas há quase uma década.

É também fundamental acompanhar as movimentações das grandes potências, notadamente Estados Unidos e China. Como parte de suas crescentes ambições geopolíticas, o governo chinês já manifestou seu desejo de mediar as próximas etapas das conversas entre israelenses e palestinos. O tom foi de oposição a Washington, que, nos últimos anos, alinhou-se incondicionalmente ao projeto expansionista de Netanyahu.

BIDEN NA MEDIAÇÃO? – Esse reforço diplomático à causa palestina servirá de plataforma para que o recém-chegado presidente Joe Biden reposicione os EUA neste tabuleiro. Ele deverá recuperar o papel de mediação, totalmente rejeitado por Netanyahu quando Obama presidiu o país, depois implodido pela amizade entre Bibi e Donald Trump.

Maquiavel já dizia que a ação política é um misto de virtù, que diz respeito à competência e capacidade de liderança, e fortuna, que remete ao imponderável, ao acaso. Os ventos parecem estar favoráveis à retomada — oxalá derradeira — das negociações entre Israel e Palestina. Estará a “geringonça israelense” à altura desse desafio?

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