Na impossível posição de votar pela absolvição do ex-presidente e depois desancá-lo sem dó, Mitch McConnell consegue ficar sem o apoio dos dois lados. Vilma Gryzinski:
Um
“idiota”, “vendido”, “vendido ao sogro chinês”, “criatura do pântano”,
“cara tão desfigurada quanto a alma”, “Bitch McConnell”, “quanto temos
que esperar até o fóssil morrer?”. Resumindo, um “*****”.
Isso é uma pequena amostra do que partidários de Donald Trump estão dizendo de Mitch McConnell.
O
líder dos republicanos no Senado, onde o partido ficou em minoria
apenas pelo voto de desempate, escolheu uma das posições mais
desconfortáveis do mundo: desagradar de forma deliberada os dois lados
de uma questão politicamente radioativa.
Uma
pessoa que faz isso, sabendo perfeitamente bem quais serão as
consequências, ganha pelo menos o direito de ser ouvido. Pelo menos num
mundo onde “ouvir o outro lado” não é um crime punido imediatamente com
pena de morte virtual.
O
que fez McConnell: votou pela absolvição de Trump, o que já era
garantido pela quantidade de senadores republicanos que não mudaram de
opinião (43 contra, sete a favor, sendo que seriam necessários 17).
Imediatamente em seguida, fez um discurso estarrecedor, muito melhor do
que os argumentos altamente políticos, algumas vezes distorcidos, da
equipe de deputados democratas que defendeu com brilho a condenação.
O
senador de 78 anos, reeleito por mais seis no fim do ano passado – com
ajuda de Trump –, disse que foi contra a condenação por considerar
ilegítimo todo o processo desde o começo: impeachment contra um
ex-presidente é um absurdo, na sua opinião.
Em
compensação, McConnell colocou no colo de Trump a responsabilidade pela
invasão do Congresso depois de seu discurso inflamado num comício em
Washington.
“Não
existe dúvida, absolutamente nenhuma, de que o presidente Trump é
responsável, na prática e moralmente, por provocar os acontecimentos
daquele dia”, disse imediatamente depois do veredicto. “As pessoas que
invadiram este prédio acreditavam que estavam agindo de acordo com os
desejos e as ordens de seu presidente”.
“E
acreditar nisso foi uma consequência previsível da escalada de
declarações falsas, teorias conspiratórias e hipérboles imprudentes que o
presidente derrotado continuou a gritar no maior megafone da face da
terra”.
Com
o tempo que tem de estrada, McConnell sabia que ia desagradar todo
mundo. “Patético”, disse a presidente da Câmara, Nancy Pelosi,
culpando-o por não aceitar o processo de impeachment nos dias
derradeiros da presidência de Trump, o que invalidaria seu argumento
sobre a invalidade constitucional do procedimento.
“Um cobrador de aluguel com camisa de banqueiro”, bufou o Guardian, estabelecendo o tom de toda a imprensa mais à esquerda.
Com seu tempo de estrada, McConnell não pode ignorar que reações assim eram altamente previsíveis.
Ele
sempre foi considerado um estranho no ninho trumpista, um moderado
desprezado pelos mais militantes como RINO – acrônimo em inglês de
“republicano só da boca para fora”.
Nas
primárias de 2016, apoiou o candidato menos provável, o libertário Rand
Paul, do Kentucky como ele. Aderiu a Trump sob acusações vindas da
direita e da esquerda e garantiu fielmente as vitórias do ex-presidente,
especialmente nas suas três nomeações para a Suprema Corte.
Sua
mulher, Elaine Chao, filha de um milionário que deixou Taiwan para
fazer fortuna nos Estados Unidos no ramo do transporte marítimo, foi
secretária dos Transportes de Trump, conseguindo o prodígio de não se
envolver em bate-bocas no clima altamente tóxico que marcou o governo.
Pediu demissão depois da invasão do Congresso.
Por
causa dessa conexão, McConnell era frequentemente acusado por
trumpistas de raiz de ser manipulado pela China – esse é o nível do
debate.
O
que motivou McConnell? Durante o governo Trump, ele foi confrontado
duas vezes em restaurantes por antitrumpistas e o pessoal do Antifa
fazia manifestações agressivas em frente sua casa, um sobrado sem muros
como é frequente nos Estados Unidos.
Seguiu
as exigências de Trump de não reconhecer a vitória de Joe Biden até o
dia da votação final, no Colégio Eleitoral, quando passou a aceitá-la.
No 6 de janeiro, revoltou-se ao ver a invasão do Congresso. Mesmo assim,
manobrou para não deixar o impeachment ser aceito no Senado até os
últimos minutos como presidente da casa.
Seu
discurso cortante do sábado, quando culpou Trump peremptoriamente pela
invasão do Capitólio, merece ser estudado por todos os descrentes da
política e de seus atores principais e os interessados em saber qual o
limite que faz com que os cautelosos se tornem destemidos quando valores
importantes demais estão em jogo.
Apelidado
de “tartaruga”, entre outros epítetos impublicáveis, Mitch McConnell
colocou a cabeça para fora e rasgou o verbo – fora as próprias vestes,
metaforicamente.
Não
vai passar para a história como um grande senador, nem muito menos como
herói. Mas, por não ter se calado, consciente de que levaria pancadas
de todos os lados, ganhou respeito. Mais do que se pode dizer sobre
tantos outros.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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