A imprensa compara a invasão do Capitólio a genocídios na Bósnia e em Ruanda e acha normal o 'cancelamento' de nomes como Abraham Lincoln, George Washington e Thomas Jefferson. Ana Paula Henkel para a Oeste:
Emilio
Gentile, 72 anos, é um dos principais historiadores italianos
especialistas em fascismo. O fascismo histórico e real, não o imaginário
que existe na mente de dez entre dez pessoas que não concordam
politicamente com Jair Bolsonaro ou Donald Trump. O professor aposentado
da Universidade de Roma prega que o uso indiscriminado da palavra
“fascista” produz uma banalização perigosa do termo: “Usar demais a
palavra fascismo não cria uma reação hostil a ele. Ao contrário, torna-o
fascinante para tantos desgraçados em busca de respostas simples. Quem
se apropria de maneira irresponsável dessa palavra arrisca a ampliar o
neofascismo, em vez de combatê-lo”.
Banalizar,
conforme ensinamento do nosso recorrente Aurélio, significa vulgarizar.
Em outras palavras, tornar irrelevante aquilo que é significativo.
Valores importantes passam a ser minimizados e aquilo que é errado passa
a ser considerado normal, principalmente quando praticado por pessoas
importantes do cenário público.
A
banalização de termos sérios e profundos como “fascista” e “nazista”,
usados para xingamentos em discussões tão rasas quanto um pires, não tem
sido exclusividade de pessoas que não mostram o mínimo de respeito pela
História e pelas vítimas de regimes devastadores. Em uma sociedade cada
vez mais robotizada e ignorante, celebridades e até jornalistas que
deveriam proteger o real significado das palavras usam, distorcem e
desrespeitam o léxico e os eventos históricos apenas para satisfazer a
sanha militante de sua mente já comprometida com a cegueira ideológica. A
banalização das palavras e, consequentemente, dos atos sérios que elas
significam, como cassação e impeachment, é um sintoma de sociedade que
parece não querer mais pensar.
Nesta
semana, foi iniciado mais um processo de impeachment contra Donald
Trump no Senado norte-americano. O processo passou pela Câmara a toque
de caixa, sem julgamento, sem testemunhas, sem muito papo. Em dois dias a
votação foi concluída. A única acusação é que ele teria incitado o
motim do qual o Capitólio foi alvo no dia 6 de janeiro. Seu propósito ao
provocar a insurreição seria contestar os resultados das eleições de
2020. Mas, objetivamente, as ações de Trump não atendem à definição
legal de incitamento, tampouco insurreição.
Diante
de cobertura sofrível da mídia norte-americana sobre um impeachment
inconstitucional, Anderson Cooper foi o retrato da era dos sentimentos
que se sobrepõem aos fatos — era marcada predominantemente pelo ativismo
de uma imprensa militante e irresponsável. O âncora da CNN,
“emocionado”, comparou o episódio da invasão do Capitólio aos genocídios
na Bósnia e em Ruanda, que mataram centenas de milhares de pessoas.
“Vimos na Bósnia, vimos em Ruanda, onde as rádios diziam às pessoas que
os tutsis eram baratas, incitando o genocídio. E você vê nesses vídeos
[da invasão do Capitólio] pessoas que se dizem patriotas enfrentando os
policiais”, disse Cooper.
Não
foi a primeira vez que o âncora comparou os horríveis eventos do início
de janeiro a genocídios históricos. Cooper ofereceu a mesma análise em
seu programa em 12 de janeiro, naquela ocasião comparando eleitores de
Donald Trump a racistas: “Eu estava em Ruanda no genocídio… Ouço pessoas
falando sobre a Guerra Civil na América, fico tão chateado quando ouço
essas pessoas em comícios — comícios de Trump falando sobre a Guerra
Civil como se fosse uma espécie de limpeza”. A irresponsabilidade e a
desonestidade jornalística em seu primor.
As
atrocidades em Ruanda ceifaram a vida de cerca de 800 mil pessoas em
cem dias em 1994. Outros 8 mil foram assassinados no genocídio da
Bósnia, em Srebrenica, durante o verão de 1995. Cinco morreram nos
ataques no mês passado no Capitólio dos EUA: uma pessoa foi pisoteada;
outra, baleada por um policial; duas parecem ter tido ataque cardíaco; e
a polícia do Capitólio ainda não divulgou a confirmação da causa da
morte de um policial.
Cooper
não usou tais comparações inflamadas com os manifestantes do movimento
Black Lives Matter que perpetraram repetidas explosões de violência
política no verão passado. Devido à violência, várias dezenas de
norte-americanos morreram em meio a distúrbios e centenas de outros
foram assassinados enquanto a polícia se retirava de suas funções em
meio a críticas violentas.
Mas
nem só da banalização das palavras — e do que elas significam — vive a
atual sociedade. Revisionismos históricos e a criação de vilões que
alimentam as ideologias nefastas são pontos importantes na banalização
do pensamento jovem.
Na
semana passada, a revista The New Yorker fez uma entrevista com a
presidente do conselho escolar de São Francisco, Gabriela López, uma
ex-professora de 30 anos que anda liderando a missão do distrito do
norte da Califórnia de enterrar a História norte-americana. Sob sua
liderança, o sétimo maior distrito escolar do país passou seu tempo não
ensinando seus 57 mil alunos — que estão “aprendendo” on-line por quase
um ano inteiro —, mas planejando tirar nomes de figuras históricas de
mais de 40 edifícios distritais. Os nomes destinados à remoção incluem
Abraham Lincoln, George Washington e Thomas Jefferson, entres outros
presidentes e fundadores da nação mais próspera do planeta.
O
esforço faz parte de uma onda de iconoclastia antiamericana que varreu
os Estados Unidos no ano passado. Incluiu ativistas violentos derrubando
e vandalizando estátuas ilegalmente e prefeitos removendo monumentos e
nomes de escolas legalmente, às vezes na escuridão da noite. Cristóvão
Colombo e Thomas Jefferson estão entre as figuras históricas mais
visadas nessas varreduras ideológicas, assim como figuras religiosas,
incluindo santos e Jesus Cristo.
A
entrevista com Gabriela López, uma das pessoas mais importantes na
educação do Estado da Califórnia, revela como a ideologia política
substituiu o conhecimento entre os esquerdistas norte-americanos. Eles
procuram validar e replicar sua ignorância entre os mais jovens,
colocando líderes históricos na lista negra e, assim, menosprezando
ideais e valores que se tornaram a base civilizatória do país mais livre
do mundo. Às vezes, é assustador como esse movimento lembra a revolução
cultural chinesa dos anos 1950 e 1960, que também apresentou
desfiguração de monumentos, revisionismo histórico e eterno assassinato
de caráter.
Em
tempos obscuros, em que crianças estão fora da escola e muitos andam
aceitando qualquer informação regurgitada pela imprensa militante, gaste
um tempo a mais com os filhos, netos e sobrinhos. Abra um livro de
História, discuta os defeitos de homens e mulheres. Precisamos ajudar a
futura geração a não acreditar apenas em manchetes. Como dizia Roger
Scruton, filósofo e escritor inglês que se especializou em estética e
filosofia política: “Uma pessoa que diz que a verdade é relativa está
pedindo para você não acreditar nela”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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