Incapaz de organizar uma base sólida no Congresso, Bolsonaro depende cada vez mais dos humores do Centrão. Editorial do Estadão:
Na
superfície, foi apenas a demissão de mais um ministro irrelevante, o
12.º a cair em menos de dois anos. Mas a saída de Marcelo Álvaro Antônio
do Ministério do Turismo depois que este denunciou as movimentações
palacianas para saciar o apetite do Centrão deu o tom do envolvimento do
presidente Jair Bolsonaro na sucessão da presidência da Câmara, muito
mais profundo do que recomenda a prudência.
O
ministro caiu depois que se tornou público o teor de uma mensagem
postada por ele no grupo de WhatsApp de colegas de Esplanada com pesadas
críticas ao ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
Álvaro Antônio acusou o ministro Ramos de se dedicar à negociação de
cargos do primeiro escalão com o Centrão para arregimentar apoio ao
candidato governista à presidência da Câmara, deputado Arthur Lira
(PP-AL). Um desses cargos seria justamente o de ministro do Turismo, o
que enfureceu Álvaro Antônio e o motivou a chamar o colega Luiz Eduardo
Ramos de “traíra”.
Depois
de dizer que conhece bem o Congresso, pois é deputado pelo PSL-MG,
criticou o ministro Ramos por entrar no gabinete do presidente Jair
Bolsonaro “comemorando algumas aprovações insignificantes no Congresso,
mas não diz o altíssimo preço que tem custado” – em referência à oferta
de cargos no governo em troca de votos. O agora ex-ministro Álvaro
Antônio escreveu que, apesar dessas negociações – que se deram num
volume “nunca antes visto na história”, segundo ele –, o governo “ainda
assim” não conseguiu formar “uma base sólida no Congresso Nacional”.
Tanto é assim, segue a mensagem, “que o senhor (ministro Ramos) pede
minha cabeça para tentar resolver as eleições do Parlamento”, ou seja,
“pede minha cabeça para suprir sua própria deficiência”.
As
“eleições no Parlamento” a que se refere o defenestrado ministro é
justamente a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado, em
fevereiro do ano que vem. A mensagem de Álvaro Antônio, portanto,
escancarou o que todos já intuíam: que o presidente Bolsonaro, por meio
de seus articuladores políticos, está fazendo de tudo para ter alguma
influência sobre o comando do Congresso e jogou suas fichas no deputado
Arthur Lira.
A
história recente do País mostra que os presidentes que se intrometeram
na sucessão do comando do Congresso foram castigados – o caso mais
recente, o de Dilma Rousseff, é uma história bastante conhecida e
deveria servir como advertência. Aparentemente, contudo, Bolsonaro julga
que vale a pena correr o risco, por motivos evidentes por si mesmos:
incapaz de organizar uma base sólida seja para governar, seja para
sobreviver no cargo, depende cada vez mais dos humores do Centrão, razão
pela qual amalgamou seu governo a esse bloco fisiológico a ponto de
praticamente tornarem-se indissociáveis – a corda e a caçamba.
É
claro que o governo Bolsonaro, no discurso, vai tentar confundir sua
rendição total ao Centrão com o interesse nacional. No Ministério da
Economia, por exemplo, já se diz que o deputado Arthur Lira merece o
apoio de Bolsonaro porque estaria mais alinhado à agenda de reformas,
conforme promessas do candidato. Essa versão vale tanto quanto uma nota
de três reais.
Em
primeiro lugar, o deputado Arthur Lira tem histórico de defesa do
aumento de gastos públicos e votou a favor da retirada de Estados e
municípios da reforma da Previdência. Como “reformista”, portanto, é
cristão-novo: converteu-se ao discurso das reformas, mas nada garante
que tenha renunciado à antiga fé na gastança.
Em
segundo lugar, se o presidente Bolsonaro estivesse mesmo tão engajado
nas reformas teria aproveitado o clima reformista da Câmara sob a
presidência de Rodrigo Maia e encaminhado todos os projetos que prometeu
na campanha eleitoral. O que se viu, contudo, foi um excruciante
atraso, que muitos atribuíram à falta de articulação política do
governo, mas que, hoje está claro, se deve muito mais ao desdém com que
Bolsonaro trata as reformas.
O
discurso de respeito aos interesses do País na sucessão do comando do
Congresso, portanto, é apenas pretexto para que Bolsonaro e o Centrão
cuidem de suas conveniências particulares, para surpresa de ninguém.
BLOG ORLANDO TAMBOS
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