Não se metam com os socialistas. Não façam perguntas porque perguntar ofende. Helena Matos para o Observador:
Já
se sabia que quem se mete com o PS leva. O que agora descobrimos é que
esse exercício socialista pode acontecer sem que alguém lhe faça frente.
Aqui em Portugal e naquilo que ao governo português interessa, claro.
Porque a indignação pátria ferve com os atropelos praticados pelo
inimigo público nº 1, no caso o actual presidente dos EUA. (Escusado
será dizer que outra criatura ou assunto já estão na fila para o
substituir porque é de desgaste rápido este estatuto de responsável por
todos os males do mundo).
Mas
voltemos a Portugal neste semana em que o país público e publicado
andavam tão entretidos com o “faz de conta que pode haver crise caso o
Orçamento não seja aprovado” mais o Covid do Trump, quando
inopinadamente cai a notícia de que António Costa vai substituir o presidente do Tribunal de Contas (TdC).
Isso mesmo do TdC. Aqui em Portugal. Não, não é a substituição de uma
juíza morta nos EUA. É sim o afastamento de um juiz vivo e no activo em
Portugal. Quem diria que outro tribunal que não o Supremo dos EUA havia
de prender a nossa atenção!? Ou até que outros tribunais além dos
americanos têm matéria para ser questionada?!
O
afastamento do presidente do TdC é aliás um bom exemplo de como,
mergulhados no estardalhaço da indignação com o alheio, nos fomos
tornando indiferentes ao que nos é próximo. Nosso. A contagem
decrescente para o afastamento de Vítor Caldeira começou em Janeiro
deste ano quando o
TdC confirmou que a cedência, pela Segurança Social de 11 imóveis à
autarquia de Lisboa, não só não acautelara os interesses da Segurança
Social como colocara esta última a subsidiar o programa de rendas
acessíveis do dr Medina. A reacção de Fernando Medina aos avisos do
TdC foi proporcional ao seu perfil de candidato a candidato de
substituto de António Costa: classificou o relatório do TdC de
“lamentável” e “tecnicamente incompetente”.
O
que se seguiu a esta intervenção patética de Fernando Medina foi o novo
normal socialista: ficou marcado o ajuste de contas com quem ousou não
assinar de cruz as decisões da nomenclatura.
Quando meses depois o TdC lembrou “Há uma emergência, mas não vale tudo”
a propósito dos ajustes directos no âmbito do combate à covid-19, os
socialistas já não disfarçavam o mal estar que lhes provocava a
actividade do TdC. Agora que no PS (e não só) se saliva face à expectativa da chegada dos fundos europeus, o TdC tem de ser despojado de veleidades
e portanto Vítor Caldeira deve dar lugar a alguém mais conforme aos
desejos da máquina socialista. (Proponho a substituição de Vítor
Caldeira por um clone da senhora ministra da Justiça pois o conceito de
“contradição íntima” que Francisca Van Dunem invocou a propósito da
presença de António Costa na comissão de honra de Luís Filipe Vieira tem
potencialidades extraordinárias na hora de avaliar a diferença entre o
anunciado e o concretizado com todos esses milhões que em muito
acrescentarão o nepotismo e a corrupção em Portugal).
O
afastamento do presidente do TdC, Vítor Caldeira, veio lembrar-nos que
António Costa tem tratado de se desembaraçar de todos aqueles que nas
diversas instituições possam ter a veleidade de cumprir o seu papel
institucional de vigiar o executivo e não aceitam reduzir-se ao papel de
prolongamento servil do governo. Joana Marques Vidal foi o nome mais
destacado de uma série de titulares afastados com mais ou menos
boçalidade mas sempre com a mesma eficácia. Agora chegou a vez do
presidente do TdC, Vítor Caldeira. A seguir será provavelmente a Ordem
dos Médicos a tornar-se objecto da intervenção do Governo pois para o
Governo é prioritário evitar que um novo inquérito desmonte a versão da
propaganda sobre os milagres acontecidos e a acontecer no SNS.
Portugal
tornou-se um país desligado de si mesmo: rádios, televisões e jornais
encheram-se de palavras indignadas sobre a nomeação de Amy Coney Barret
para o Supremo do EUA, mas quantos se vão indignar por o Governo, o
nosso não o norte-americano, não reconduzir o presidente do TdC?!
Seja
qual for a versão que se escolha, torna-se óbvio que quem governa deste
modo acha que o Estado lhe pertence. E o pior é que tem razões de sobra
para isso: António Costa governa sem oposição. A esquerda está calada e
calada vai ficar porque há muito para repartir (coitadinhas e
coitadinhos dos todos e todas do BE que ainda morrem com tanta
indigestão sapos, rãs e girinos!) e a direita ao deixar de ser vista
como alternativa tornou-se numa espécie de Cassandra: ninguém lhe liga
nenhuma e se por acaso a escutam é para a menorizarem.
Só
aparentemente existe uma contradição entre a anomia mostrada perante o
nosso Governo e a hipersensibilidade exibida face a outros executivos e
outros líderes. Na verdade esta exaltação constante com governos alheios
é o reverso da passividade e da subserviência que mantemos perante o
que entre nós devíamos escrutinar, questionar e tentar perceber. A
discussão está neste momento completamente balizada e pré-determinada.
Ousar sair desta grelha implica uma aventura pelo terreno minado das
acusações que transformam qualquer um num saco de pancada. Veja-se o caso da morte de Marcelo Ferreira. Como é possível que já tenha desaparecido das notícias? Quem era Marcelo Correia?
Era aquele miúdo de 16 anos que foi assassinado à facada na estação da
Amadora, esta semana. Como os comissários das igualdades, os activistas
dos racismos e os vigilantes da inclusão estão todos calados não há
guião politicamente correcto para falar dessa morte logo faz-se de conta
que não existiu. Mas não só ela aconteceu como é o resultado de uma
violência quotidiana que se sente nos comboios, nas ruas, nas escolas…
Mas à falta de guião para abordar o assunto vamos ficar calados até que
um dia, um polícia, no meio de um desses conflitos a que chamamos rixas,
acabe a ter de disparar, ou diga uma expressão não inclusiva… Então
sim, os activistas soltarão as suas ondas de indignação e todos seremos
coagidos a participar nessa recriação de um auto-de-fé. A outra
possibilidade para que a morte de Marcelo Ferreira chamasse a nossa
atenção implicava que a Amadora ficasse no Texas. Caso tal fosse
possível fervilhavam as teorias sociológicas e as indignações. Assim,
sem enquadramento ideológico, a morte Marcelo Correia na estação da
Amadora é um não assunto.
O
novo normal socialista é isto: indignem-se com o Trump. Não se metam
com o PS. Não façam perguntas porque perguntar ofende. Se cumprirem
estes mandamentos à risca talvez escapem entre os pingos da ideologia.
BLOH ORLANDO TAMBOSI
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