Ao menos está claro que a disputa é entre o incendiário do Twitter e os incendiários da vida real. Ana Paula Henkel, via Oeste:
Um
desastre do início ao fim. Esse poderia ser o resumo do debate
presidencial mais aguardado das últimas décadas. Em jogo, a cadeira
atrás da famosa Resolute Desk do Salão Oval da Casa Branca e o posto de
homem mais poderoso do planeta. O encontro mais esperado dos últimos
anos aconteceu nesta semana entre o presidente norte-americano Donald
Trump, que busca a reeleição em novembro, e seu oponente democrata, Joe
Biden.
Para
uma nação tão dividida — parte do legado de um dos piores presidentes
da história, Barack Obama —, há muito mais em jogo do que a retórica
bipartidária entre republicanos e democratas. Depois de serem empurrados
para uma esquerda extrema e radical, com políticas que John F. Kennedy
jamais imaginaria que passariam na porta de seu partido — aumento de
impostos, enfraquecimento das corporações policiais e legalização do
aborto em qualquer fase da gestação, por exemplo —, os democratas lutam
para manter os votos das ditas minorias em seu território.
Para
os republicanos, que tinham a reeleição praticamente garantida,
principalmente pelos números econômicos mais expressivos da história
antes do coronavirus, a pandemia não trouxe apenas terríveis mortes, mas
incertezas para muitos eleitores independentes que votaram contra
Hillary Clinton em 2016. O atual morador da Casa Branca e sua equipe têm
de, ao mesmo tempo, conduzir um país no meio de uma pandemia
avassaladora e convencer os americanos de que Trump pode repetir o feito
de fortalecer a economia como poucas vezes na história.
A
semana na política norte-americana foi agitada. Depois da morte da
juíza Ruth Ginsburg, na semana passada, Donald Trump nomeou a juíza Amy
Coney Barrett para a Suprema Corte, pondo mais combustível na relação já
em total combustão com os democratas, que acreditam que essa nomeação
deveria ser feita pelo presidente que sairá das eleições em novembro.
Mas, como a própria Ruth Ginsburg declarou em uma entrevista em 2016,
“um presidente é eleito por quatro anos, não três”, referindo-se ao fato
de que naquele ano os senadores republicanos, que detinham maioria
absoluta no Senado, não votaram para aprovar o nome indicado por Barack
Obama para a Suprema Corte.
Amy
Coney Barrett é a terceira indicada de Donald Trump para a Suprema
Corte, um feito gigantesco para eleitores conservadores — tanto para os
fãs do presidente malcriado do Twitter quanto para os que votaram nele
em 2016 apenas com esse objetivo. Depois de duas nomeações brutal e
injustamente atacadas pelos democratas, com direito a covardes
tentativas de assassinato de reputação, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh
foram confirmados, fazendo pesar a balança a favor dos conservadores na
Corte, para a felicidade daqueles que apreciam a aplicação das leis sem
interpretações modernas ou ativismos.
A
sabatina no Senado para a aprovação de Amy Barrett começará em breve e,
diferentemente de Brett Kavanaugh, que, com reputação ilibada e imenso
saber jurídico, foi acusado cruelmente pelos democratas de ter tomado
parte de um estupro coletivo quando tinha 18 anos, não há muito
território para ataques a ela. A ex-assistente de Antonin Scalia,
bússola jurídica para norte-americanos de todas as ideologias e
vertentes políticas, é mulher, católica, tem sete filhos (dois adotados
no Haiti) e é elogiada por vários outros juízes e professores pelas
decisões técnicas e enxutas ao longo de sua carreira. O ataque ad
hominem, tão usado atualmente pela desesperada esquerda no mundo, pode
ser arriscado se realizado contra Amy. No início da semana, alguns nomes
ligados ao Partido Democrata tentaram atacar sua fé religiosa, em vã
tentativa de manchar seu nome, mas logo viram que a estratégia poderia
ser um tiro no pé.
Sem
muita munição para atacar uma mulher, os holofotes e as acusações então
se voltaram para o primeiro debate entre Trump e Biden. Como já
mencionei, o debate foi um desastre do início ao fim, com trocas de
acusações e interrupções. Para aquele eleitor indeciso, se ainda houver
indecisos, o pêndulo não deve ter se mexido muito.
O
presidente falhou no que vem sendo um diferencial em seus quase quatro
anos como governante. Um dos pontos altos de Trump, a sinceridade, pode
tê-lo atrapalhado desta vez. Ele falou demais. Não que tenha falado
bobagens, até apontou feitos significativos de sua administração, jogou
frases impactantes e desconcertantes em seu adversário, mencionou o
possível esquema de corrupção do ex-vice de Obama, mas não deixou Biden
falar.
Além
da enorme e clara dificuldade em se comunicar com coerência em suas
entrevistas, Joe Biden está no centro de uma ruptura sem precedentes em
seu partido e busca agradar a uma ala moderada ao mesmo tempo que
precisa do votos do contingente que se encaixaria no Psol no Brasil. Não
tem sido tarefa fácil. Em uma troca de frases sobre saúde durante o
debate presidencial de terça-feira à noite, o ex-vice-presidente Joe
Biden declarou: “Eu sou o Partido Democrata!”.
A
frase chama atenção porque o desempenho de Biden demonstrou que isso
não é real. Na verdade, Biden tem tanto medo do próprio partido — e é
tão intimidado pela ala esquerda radical dominante — que não consegue
responder com sinceridade a perguntas básicas sobre sua posição em
questões políticas importantes, nem mesmo quando é posto contra a parede
em um debate em cadeia nacional.
Quando
pressionado para expressar apoio à lei e à ordem e condenar o Antifa —
grupo terrorista doméstico que vem incendiando, literalmente, cidades
por todo o país —, Biden relutou em dizer qualquer coisa que irritasse
os democratas da esquerda marxista. A tal ponto que, quando instado a
condenar o Antifa, respondeu, absurdamente, que “o Antifa é uma ideia,
não uma organização”. Tentou argumentar que o verdadeiro problema com
toda a agitação na sociedade tem origem nas milícias de grupos de
supremacistas brancos.
Sobre
a lei e a ordem, palavras que Trump pediu que ele repetisse, Biden
preferiu usar os chavões da esquerda radical: “Há injustiça sistêmica
neste país, na educação e no trabalho e na aplicação da lei”. Mostrou
total deferência a organizações como o Black Lives Matter. Mais tarde,
no entanto, ele se contradisse, afirmando que os policiais são, em sua
maioria, “homens e mulheres bons, decentes e honrados” e o problema é
que “há algumas maçãs podres”. Como uma reflexão tardia, um eco do que
Biden talvez costumava pensar, ele arriscou não agradar a parte dos
devotos do grupo marxista BLM.
Sobre
o utópico Green New Deal, um plano tão bizarro quanto a guinada de um
partido até então moderado para a extrema esquerda, Biden insistiu que
não o apoia e não é sua ideia implementá-lo, embora seu site de campanha
cite o projeto como uma “estrutura crucial para enfrentar os desafios
climáticos atuais”. O Green New Deal foi elaborado em consulta com a
campanha do senador socialista Bernie Sanders, candidato da esquerda
radical que perdeu nas primárias democratas. Tudo isso para que o
eleitorado de Sanders, nada moderado, fosse convencido a votar em Biden.
Donald
Trump não esteve nem perto de suas melhores performances como nos
rallys que tem feito pelo país, nos quais foca as conquistas de sua
administração, que não são poucas. Não, não me importo mais com o jeito
nada presidenciável do bufão laranja, não aprendi a apreciar Trump por
achá-lo simpático ou parecer ser um bom amigo, mas por ser um bom
gestor. Menos fígado, mais cérebro.
E
talvez tenha sido por isso que o debate de terça-feira em Cleveland
tenha sido tão ruim. Só houve fígado. Para republicanos cansados de
ignorar as provocações da esquerda e que pediram por um Trump com luvas
de boxe, ele estava lá. E nada mudou para os que não votaram e não
votarão no malcriado do Twitter, mas em um CEO que pode reaquecer a
economia devastada pela pandemia, em um presidente que sela acordos de
paz pelo mundo e enfrenta alianças comerciais ruins para o país, além de
encaminhar nomeações conservadoras para a Suprema Corte.
Já
para democratas, o debate de terça-feira foi apenas o exemplo mais
recente da longa marcha de Biden para a esquerda radical. Ele pode
alegar tudo o que quiser, inclusive que ele próprio é o Partido
Democrata, mas suas posições constantemente deslocadas para a extrema
esquerda, em tudo, do aborto à Justiça criminal, sugerem que os
esquerdistas mais ardentes de seu partido estão liderando Biden, e não o
contrário.
Em
3 de novembro, o mundo estará de olho nos Estados Unidos para ver se os
americanos decidirão pelo incendiário do Twitter ou pelos incendiários
da vida real.
BLOG ORLANDO TAMOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário