Ciência se tornou um vocábulo presente na boca de todo mundo,
principalmente médicos e jornalistas - que cientistas não são (ver meu
artigo na Gazeta do Povo) - nestes tempos covidianos. Jonathan Miltimore, editor da FEE, fez bem em ressaltar o caráter político-ideológico dos lockdowns:
À medida que os países de todo o mundo começam a afrouxar as
restrições de quarentena aprovadas em meio à pandemia mais assustadora
desde a Gripe Espanhola de 1918, uma nova batalha surge entre os
especialistas e os analistas.
De um lado estão os defensores do lockdown, que comparam aos céticos
da medida aos ativistas antivacina que põem vidas em risco porque estão
ébrios de “liberdade” e querem afrouxar as restrições antes da hora, o
que eles dizem que pode resultar num novo surto e em mortes por
Covid-19.
Os céticos, por outro lado, desenham uma batalha diferente.
“De um lado estão os ideólogos obcecados pela ideia do lockdown,
independentemente do custo”, descreveu o Wall Street Journal
recentemente. “De outro, estão cientistas com dados que mostram que os
lockdowns são eficientes”.
Embora não haja espaço para o meio-termo aqui — conheço vários
médicos que dizem que lockdowns fazem sentido no começo, para “achatar a
curva”, mas que já passamos por esse estágio — é justo dizer que o
debate político em torno da medida se transformou numa guerra em duas
frentes.
Como já escrevi, à medida que os custos do lockdown ficam claros, os
países ao redor do mundo começam a entrar em recessão, alcançando taxas
de desemprego semelhantes às da Grande Depressão. Já os benefícios dos
lockdowns, ao menos para os céticos, não são tão fáceis de se mensurar.
“Não há correlação entre as fatalidades e as restrições do lockdown”,
observou recentemnete o colunista Simon Jenkins no Guardian. “Os
lockdowns mais rígidos — como na China, Itália, Espanha, Nova Zelândia e
Grã-Bretanha — geram taxas de letalidade altas e baixas”.
O debate sobre os lockdowns atinge sobretudo a Suécia, que abdicou de
uma abordagem mais restritiva quanto à pandemia de Covid-19,
privilegiando uma abordagem mais amena, que encoraja a ação voluntária.
Os resultados das medidas suecas até aqui são conflitantes.
Embora a pandemia na Suécia tenha sido até aqui mais mortal do que a
dos vizinhos escandinavos, o New York Times recentemente admitiu que “[a
situação] ainda é melhor do que em muitos países com lockdowns
rígidos”.
Ainda que a Suécia tenha enfrentado muitas críticas por conta de sua
abordagem “liberal”, Anders Tegnell, o principal especialista do país na
doença, defendeu recentemente suas medidas, dizendo que, embora
concorde que o distanciamento social é a melhor medida, ele não tem base
científica.
“Nenhuma [das medidas de lockdown] tem base científica”, disse Tegnell de acordo com o Guardian.
É uma afirmação impressionante. Se os lockdowns não se baseiam em
ciência, no que eles se baseiam? O fato é que o New York Times contou há
pouco tempo a história da medida de distanciamento social nos Estados
Unidos.
A origem dessas medidas aparentemente remonta a um passeio que o
então presidente George W. Bush fez por uma biblioteca no verão de 2005,
diante da preocupação com o bioterrorismo, e que o levou a ler A Grande
Gripe, um livro sobre a pandemia de Gripe Espanhola de 1918 escrito por
John M. Barry.
Pouco depois, a administração Bush chamou dois médicos, Carter Mecher
e Richard Hatchett, par desenvolverem ideias a serem implementadas numa
próxima pandemia. Mecher — que “não tinha praticamente nenhuma
experiência em pandemias”, de acordo com o jornal — se uniu ao dr.
Robert J. Glass, um cientista do Novo México que se especializou em
desenvolver modelos matemáticos para explicar como sistemas complexos
funcionam.
E é aí que a história fica interessante. Deu no Times:
A filha do dr. Glass, então com 14 anos, fez um trabalho escolar no qual ela criou um modelo matemáticos de redes sociais para sua escola em Albuquerque. Quando o dr. Glass viu o trabalho, ficou intrigado.
Os estudantes vivem tão próximos — em redes sociais e ônibus escolares e salas de aula — que eles são quase o veículo perfeito para uma doença contagiosa.
O dr. Glass usou o trabalho da filha para estudar, com ela, o efeito que a quebra dessas redes sociais teria na contenção da doença.
O resultado da pesquisa foi incrível. Ao fechar as escolas numa cidade hipotética de 10 mil habitantes, apenas 500 pessoas ficavam doentes. Se as escolas permanecessem abertas, metade da população acabaria infectada.
“Meu Deus, podemos usar os mesmos resultados a que ela chegou e trabalhar a partir daí”, pensou o dr. Glass na época. Ele pegou os dados preliminares e os usou nos supercomputadores geralmente usados para criar armas nucleares. (O projeto da filha dele foi inscrito na Feira Internacional de Ciências e Engenharia de 2006).
O dr. Mecher recebeu os resultados disso em seu escritório em Washington e ficou impressionado.
Se as cidades fechassem as escolas públicas, diziam os dados, a
disseminação da doença será retardada, o que tornava essa medida a mais
importante dentre as opções de distanciamento social.
Se o Times está certo, então a medida federal de distanciamento
social é, de alguma forma, uma mistura de um passeio de George W. Bush
pela biblioteca no verão de 2005 e o trabalho escolar de uma menina de
14 anos. (Você pode ler mais sobre o trabalho de Laura Glass, que teria
ficado em terceiro lugar na Feira Intel 2006 de Indianápolis neste
artigo do Albuquerque Journal).
Sendo bem claro, até onde eu sei não há nenhuma sinal de que era a
isso que Tegnell, que obteve seu PhD em medicina pela Universidade
Linköping University em 2003 e um mestrado em epidemiologia pela London
School of Hygiene and Tropical Medicine em 2004, se referia ao dizer que
os lockdowns não se baseavam em ciência.
Além do mais, isso não quer dizer que os lockdowns não funcionam
simplesmente porque a medida nasceu da mistura de uma leitura feita por
George W. Bush e o trabalho escolar de uma criança. (Os lockdowns serão
avaliados por seus resultados, não por sua gênese intelectual).
Ainda assim, a opinião de Tegnell de que não há “base científica”
para os lockdowns merece atenção. Há uma tendência a supor que o
planejamento central é inerentemente racional e científico, mas isso não
é verdade. Karl Marx, talvez o mais famoso proponente do planejamento
central na história, era absurdamente anticientífico em seus métodos,
como explicou o historiador Paul Johnson.
“[Marx] fracassou justamente porque era anticientífico: ele não investigava os fatos nem usava os fatos objetivamente investigados por outros”, escreveu Johnson no livro Intelectuais. “Do começo ao fim, não só O Capital, mas toda a sua obra reflete um desprezo pela verdade que às vezes parece até aversão. Por isso é que o marxismo, enquanto sistema, não pode gerar os resultados que promete, e chamá-lo de ‘científico’ é um acinte”.
De sua parte, Tegnell diz que a ciência da Covid-19 está ficando
clara em ao menos um ponto, independente do que os modelos matemáticos
da cidade hipotética de Laura Glass diziam em 2006.
“Estamos cada vez mais seguros quanto a não fecharmos as escolas”,
disse Tegnell ao apresentador Trevor Noah em maio. “Não é algo que sirva
para este tipo de doença. As escolas não parecem ser o motor por trás
dessa epidemia”.
Jonathan Miltimore é editor do FEE.org.
BÇOG ORLANDO TAMBOSI
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