Pelicanos invadem parque de Stuttgart. |
Para variar, é gente inimiga do capitalismo - que lhes propicia uma vida
de luxo que poucos no mundo têm - a clamar pela paralisia total. Artigo
de Stefano Magni, traduzido para a Gazeta do Povo:
O lockdown está terminando na Itália e em outros países. No dia 11, a
França reabriu as escolas e a maioria das atividades que estiveram
paralisadas. Mas há quem queira o contrário. Não apenas por uma
prudência compreensível (por medo de que a retomada da vida social possa
reiniciar o contágio), mas sobretudo porque, ideologicamente, um modelo
de vida ideal está sendo experimentado com o lockdown.
Essa é a intenção de um "manifesto contra o retorno ao normal",
lançado pela atriz Juliette Binoche e pelo astrofísico Aurelién Barrau,
publicada pelo Le Monde e assinado por 200 VIPs, incluindo artistas
internacionais (como a cantora Madonna, o ator Robert De Niro, o diretor
Paolo Sorrentino, a modelo e atriz Monica Bellucci) e também muitos
cientistas.
Por que não devemos voltar nunca à nossa vida social normal, como a
que vivíamos antes de fevereiro de 2020? “Para o bem da Terra”, dizem os
signatários VIPs. Porque agora, como escreveu Gunter Pauli (consultor
do governo de Giuseppe Conte), na ausência de atividades humanas, o
planeta está respirando novamente. E, como o padre jesuíta Benedict
Mayaki reiterou, o coronavírus é “o aliado involuntário da Terra”. A
lógica do manifesto do Le Monde não é diferente: “Parece inimaginável
voltar ao normal”, a pandemia é uma “tragédia”, mas “a crise tem a
vantagem de nos convidar a enfrentar questões essenciais”.
Os peticionários acreditam que “o problema é sistêmico”, ou seja: “A
catástrofe ecológica em andamento faz parte de uma metacrise [...] o
consumismo nos levou a negar a própria vida: a das plantas, dos animais e
a de um grande número de seres humanos [...] A poluição, o aquecimento
[global] e a destruição de espaços naturais levam o mundo a um ponto de
ruptura”. O manifesto pede aos governos que “saiam da lógica
insustentável que ainda prevalece, para trabalhar em uma profunda
reconstrução de objetivos, valores e economias”.
O leitor provavelmente se perguntará o que tem a ver a Covid-19, que é
a mais recente de uma série muito longa de pandemias que caracterizaram
toda a história da humanidade, com os problemas contemporâneos listados
pelos signatários VIPs. A resposta é a mais simples de todas: nada. O
vírus, em sua gênese e disseminação, não difere daqueles que se
espalharam pelo mundo na era pré-industrial, quando o aquecimento global
antropogênico nem sequer era teoricamente concebível.
O alarme lançado no Le Monde poderia ter sido escrito em 2019, no
auge da campanha “Sexta-feira para o futuro” de Greta Thunberg. O
coronavírus é apenas uma maneira de atrair a atenção de um povo
assustado e dizer “a propósito, lembre-se do aquecimento global”? Não
somente. É uma tentativa explícita de recuperar uma antiga batalha que o
vírus relegou ao segundo plano.
A ecologia estava no centro da pauta europeia do presidente francês
Emmanuel Macron e caracterizou a agenda política de Ursula von der
Leyen, a nova presidente da Comissão Europeia. Agora, avançando nessa
direção, está sobretudo a Aliança Europeia para uma Recuperação Verde,
composta por 180 VIPs europeus (entre eles: 79 deputados de 17 países,
37 diretores gerais de multinacionais, 28 associações empresariais e 7
ONGs, além de grupos de especialistas). Seu objetivo é relançar o Green
New Deal anunciado por Ursula von der Leyen, mas temporariamente
arquivado devido à pandemia, que estabeleceu outras prioridades.
A intenção é promover “uma saída verde” para a crise econômica: os
enormes investimentos necessários para a reconstrução terão de priorizar
critérios ecológicos, ou seja, as atividades alinhadas à luta contra o
aquecimento global. Um projeto que de econômico tem muito pouco: basta
pensar na bolha de energias renováveis que dependem de subsídios
estatais porque não produzem energia ou lucro suficientes.
A “Força-Tarefa de Recuperação da Covid-19 dos Prefeitos Globais” do
network C40, que reúne os prefeitos das metrópoles do mundo, está
avançando na mesma direção. Este ano, é presidida pelo prefeito de
Milão, Giuseppe Sala. Sua intenção é abertamente ecológica:
“Estabelecida com o objetivo de alcançar uma recuperação que, ao mesmo
tempo, melhore a saúde pública, reduza a desigualdade e faça frente à
crise climática, através do compartilhamento de conhecimentos,
habilidades e experiências”. O relançamento ecossustentável de Milão foi
divulgado por Greta Thunberg, que em um tuíte do final de abril definiu
a cidade do norte da Itália como um “laboratório”.
De que tipo? Nada mais de carros, apenas transporte público (quando
os passageiros deveriam necessariamente ser reduzidos à metade por causa
do distanciamento social) e incentivos para scooters e bicicletas. No
verão pode até funcionar, a menos que chova.
Sob todo esse verde, basta cavar um pouco para encontrar de novo o
vermelho do comunismo. Além de promover uma visão em defesa da ecologia,
o manifesto do Le Monde visa um novo igualitarismo social. As
desigualdades sociais e o aquecimento global são fundidos em um único
problema, por essas estranhas alquimias ideológicas.
Na esperança de uma nova virada comunista, após a derrota histórica
de 1989, alguns filósofos ainda são ouvidos, como o esloveno Slavoj
Zizek: “O coronavírus nos forçará a reinventar um comunismo baseado na
confiança nas pessoas e na ciência”. Não será centrado em uma nova União
Soviética, mas em “algum tipo de organização global que pode controlar e
regular a economia, além de limitar a soberania dos Estados nacionais”.
Como ato prático, em uma variação mais moderada desse novo comunismo,
quinhentos acadêmicos e políticos da esquerda escreveram uma carta
aberta publicada no jornal britânico The Independent, na qual pedem um
salário mínimo universal. Até Beppe Grillo, co-fundador do Movimento 5
Estrelas, retoma esse apelo e relança uma de suas idéias que o tornaram
famoso: “A emergência que estamos enfrentando poderia favorecer uma
virada épica e revolucionária, que para muitos, de modo superficial,
sempre foi considerada insana, e isso pode mudar nosso futuro para
melhor.”
Benoit Hamon, líder da extrema-esquerda francesa, escreve sobre o
salário universal: “o salário universal para a existência é uma
ferramenta incomparável de emancipação. […] Ao libertar todos de uma
dependência exclusiva do salário ganho no trabalho, os salários
universais dão a cada indivíduo a capacidade de negociar e escolher.
[...] A emancipação social passa por essa prática individual de
liberdade. [...] A crise dará à luz um mundo novo”. Segundo uma pesquisa
publicada pelo próprio The Independent, o salário mínimo universal
conta atualmente com o apoio de 71% dos cidadãos europeus. Seria o fim
do trabalho produtivo como o conhecemos até agora.
Stefano Magni, jornalista e
ensaísta, é bacharel em Ciências Políticas, autor de “Contro gli
statosauri, per il federalismo” e professor associado no curso de
Geografia Econômica da faculdade de Jurisprudência da Università degli
Studi di Milano.
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BLOG ORLANDO TAMBOSI
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