Determinar o que pode funcionar e o que as pessoas podem fazer é
planejamento centralizado nos moldes do coletivismo. Edmund Shieh para o
Instituto Mises Brasil:
Nos últimos meses, ao redor do mundo, governos mantiveram seus próprios cidadãos como reféns em nome de "proteger o povo".
O que eles não conseguiram entender — ou ao menos fingem não entender
— é que todas as restrições que colocam têm custos. Ao forçarem a
quarentena sobre seus cidadãos, os governos retiraram a capacidade de
cada indivíduo avaliar por conta própria esses custos. Não aboliram
apenas a liberdade individual. Aboliram, acima de tudo, a
responsabilidade individual.
As feridas que o coronavírus infligiu à sociedade serão simplesmente
aprofundadas por essas inimagináveis intervenções governamentais, que se
sucedem em profusão. Os governos conseguiram apenas dar ao povo mais um
inimigo a ser vencido nessa guerra contra o coronavírus. Aqueles que
argumentam que as medidas tomadas são necessárias para evitar mortes
desnecessárias se recusam a ver que essas mesmas medidas, sem dúvida,
custarão muitas outras vidas e meios de subsistência no futuro.
Muitas vezes parece que apenas um lado da equação é levado em
consideração durante esta crise. A própria ONU divulgou recentemente um relatório afirmando que, devido à crise econômica causada pelo desligamento compulsório da economia feito pelos governos,
centenas de milhares de crianças poderão morrer apenas este ano. Mais
especificamente, a Unicef afirma que o lockdown matará muito mais que a
Covid, sendo 1,2 milhão de mortes apenas de crianças.
Para piorar, estimam que de 42 a 66 milhões de crianças podem cair em
extrema pobreza nos próximos anos. E isso sem contar os inevitáveis casos de suicídio e depressão gerados pelo desemprego artificialmente imposto.
Esses números, embora estimativas, levantam uma questão para as autoridades: qual o valor aceitável? Quanto é o bastante?
Nenhum governo possui um bom histórico de resposta a esta pergunta.
Mesmo ao tentarem responder, já estão propensos a fracassar. E isso é
uma questão de história. Já está mais do que comprovado que o
planejamento centralizado não funciona. A história nunca se cansa de
demonstrar isso. Impor limites como "apenas trinta pessoas para um
funeral" ou "máximo de dez pessoas em casamentos" são exemplos de
restrições arbitrárias que surgem quando um pequeno número de burocratas
tentam planejar centralizadamente uma solução ideal. Um governo que
tenta organizar a sociedade dessa maneira em nada se difere da economia
controlada da União Soviética, cujos burocratas não sabiam nem quantas
batatas deveriam ser produzidas no ano.
Ambos os cenários têm consequências ruinosas, e as ramificações de
uma reação errada a esse vírus podem nos assombrar pelas próximas
gerações. A solução mais racional seria permitir que indivíduos
decidissem livremente suas próprias ações com base em suas próprias
preferências de risco. E arcassem com as consequências. Isso é
liberdade. Isso é responsabilidade.
Embora a Covid-19 seja classificada como pandemia, ela não é
diferente de qualquer outro cenário em que um indivíduo tem de agir. O
indivíduo, em qualquer situação, deve decidir tendo por base seu próprio
cálculo de custo versus benefício. Apenas o indivíduo é capaz de saber
por si próprio qual decisão é ideal de acordo com sua própria
preferência de risco e sua situação pessoal, e não burocratas e
políticos.
Isso é realmente algo bem básico e lógico, mas, nestes tempos
estranhos, enfatizar o básico e o lógico tornou-se sinônimo de
"radical".
No início, os burocratas mandaram todo mundo ficar em casa para
"nosso próprio bem". Depois, passaram a falar que a quarentena era para
"dar tempo" para que o sistema de saúde se preparasse para receber uma
sobrecarga de pacientes. Em seguida, disseram que o objetivo era
"achatar a curva". Agora, já estão dizendo que é para ficarmos
confinados até "acharem uma vacina".
Já está bastante óbvio que esses políticos e burocratas não têm a
mais mínima ideia do que estão fazendo. Nunca nem sequer tiveram um
objetivo claro.
Sim, a decisão ótima para a sociedade pode muito bem ser a de limitar
o risco ao ponto de a curva ser achatada. No entanto, recorrer a isso
como uma razão para impor restrições é injustificado. Analisando o
retrospecto histórico, o manejo governamental destas "externalidades"
sempre foi, na melhor das hipóteses, desastroso — qual foi a última vez
que um governo sequer soube coordenar bem uma equipe em uma enchente ou
em um terremoto?.
A explicação dessa incompetência é que esses burocratas em quem
confiamos para fazer esses cálculos de "otimizar" os benefícios sociais
são, na verdade, apenas seres humanos como nós. Eles estão sujeitos a
ideologias, a influências, a politicagens, a serem tendenciosos e, acima
de tudo, a erros humanos. Inevitável.
Pouco importa o fato de que, em situações como essas, os interesses
dos governos raramente estão alinhados com os do povo. Nossos interesses
são muito mais longevos do que os mandatos de políticos e burocratas.
Quando chegar o momento de arcar com todos os ônus do desligamento compulsório da economia,
os burocratas que nos mantiveram trancados em nossas casas já estarão
fora da política e não serão responsabilizados. Os interesses deles
dependem de que eles sejam capazes de enganar você e fazê-lo pensar que
eles estão mantendo você seguro. Isso envolve o uso maciço de uma
linguagem orwelliana em um arranjo social já emocionalmente carregado. O
lema da política sempre foi "nunca permita que uma boa crise seja desperdiçada".
Eles irão insistir em dados que mostrem quantas vidas "foram salvas no curto prazo" [João Dória já está fazendo isso abertamente],
sem considerar quaisquer danos a longo prazo causados pela quarentena.
Você não verá nem ouvirá nenhum líder na televisão falando sobre o custo
econômico da quarentena, pois não é politicamente aceitável "colocar um
preço na vida".
No entanto, os indivíduos fazem isso todos os dias, em todos os
aspectos de suas vidas. Um indivíduo sabe do risco em que incorre ao
dirigir em uma estrada, mas ainda assim insiste em dirigir porque a
recompensa trazida por esse risco mais do que compensa o próprio risco
incorrido. É essa liberdade de escolha que deve ser protegida sempre, e
ainda mais especialmente em épocas como essa.
A Covid-19, sem dúvidas, terá efeitos negativos sobre o bem-estar das
pessoas, de modo que abolir essa liberdade de escolha irá paralisar
ainda mais uma sociedade já mutilada.
Em um recente artigo
publicado no periódico medicinal The Lancet, o clínico sueco de doenças
infecciosas Johan Gieseck escreve que as "quarentenas não reduzem o
total de mortes", e afirma que, quando tudo acabar, as jurisdições que
não fizeram quarentena provavelmente terão taxas de mortalidade
semelhantes às das áreas que praticaram a quarentena. Ele acredita ser
inevitável que toda a população venha a ser exposta ao novo coronavírus
em algum momento no futuro, e, por isso, acredita que a quarentena irá
apenas adiar os casos graves por um tempo.
Se isso é verdade saberemos depois, mas mostra que sacrificar
cegamente as liberdades individuais em nome da segurança é ingênuo
(normalmente, fica-se sem as duas).
Mas se é verdade que os governos apenas adiaram o inevitável em troca
de criarem um tsunami de estragos econômicos, a pergunta que fica é:
eles assumirão a responsabilidade? Improvável. O novo coronavírus,
embora seja a causa inicial da dor, será usado como bode expiatório para
todas as doenças causadas pelos governos. Estratégias forçadas como
"achatar a curva" ou "confinamento até encontrarem a vacina" são
justificadas com base em conselhos de especialistas em saúde, que são
eles próprios inconsistentes. No final, a verdadeira estratégia ótima
será confirmada pelas ações de indivíduos livres, como sempre.
À luz de tudo isso, parece imprudente entregarmos nosso destino aos
governos e confiarmos em políticos e burocratas para calcular quantas
pessoas podem utilizar um parque ou quantas podem frequentar um
restaurante. Ou mesmo para nos dizerem por quais motivos vale a pena
sairmos de casa para arriscar uma exposição.
Com as novas informações divulgadas pela própria ONU sobre as
calamidades futuras em decorrência das políticas de confinamento, ficou
ainda mais óbvio que os governos de todo o mundo são incapazes de
avaliar o que é melhor para o interesse de uma sociedade. Por mais
tentador que seja acreditar que os governos estão nos protegendo com a
quarentena, o fato é que eles estão muito mais prejudicando a sociedade do que ajudando, assim como fazem com todas as suas outras regulamentações e todos os seus decretos.
Em uma época em que uma única medida errada do governo pode se
revelar mais custosa do que em épocas normais, manter nossas liberdades
individuais nunca foi tão crucial.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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