O Enem é um
projeto de poder arquitetado há décadas. Entra governo, sai governo,
continua mais vivo - e trapalhão - do que nunca. Percival Puggina: "esse
monstrengo chamado Enem não é apenas uma fonte de colossais
trapalhadas. É um instrumento de poder. Impõe a homogeneização de
currículos. Regula visão de mundo, de história e de sociedade. Controla
posições sobre pautas políticas e violenta a liberdade de opinião dos
estudantes":
A
maioria dos brasileiros não sabe como funciona o Enem, o tal Exame
Nacional do Ensino Médio. Nem imagina como um aluno possa prestar exame
no Amazonas e ser qualificado para cursar Arte Dramática no Rio Grande
do Sul. Menos ainda haverá de entender a lógica dessa perambulação
acadêmica em meio à miscelânea das cotas, das linhas de corte e
múltiplas escolhas (como se a opção por uma graduação universitária
fosse questão de nota, da cor da pele e de onde se estudou antes, e não
de vocação).
Pois eu
também não consigo penetrar nesse emaranhado. Mas sei, a esse respeito,
algo que todos deveriam saber. O Enem é um dos mais importantes
instrumentos de concentração do poder político nas mãos de quem já o
detém e nele se incrustou de modo quase irreversível. É parte de um
projeto de hegemonia que já conta quase quatro décadas de planejamento e
execução. Tudo se faz de modo solerte e gradual, para que a sociedade
não perceba estar transferindo soberania e sendo politicamente
manipulada. De fato, se não somos agentes desse projeto, se não compomos
quaisquer dos grupos ideológicos e de interesse que se articulam para
esse fim, tornamo-nos inocentes inúteis, cidadãos descartados de uma
democracia a caminho da extinção por perda de poder popular e inanição
do poder local.
É
possível que o leitor destas linhas considere que estou delirando. Ou
que não seja bem assim. Talvez diga que mudei de assunto e que o
primeiro parágrafo acima nada tem a ver com o segundo, ou seja, que Enem
nada tem a ver com poder. Pois saiba que tem, sim. Peço-lhe que observe
a realidade do município onde vive. Qual o poder do seu prefeito, ou de
sua Câmara Municipal? O que eles, efetivamente, podem realizar pela
comunidade? Da ambulância ao asfaltamento da avenida, quais os sinais de
progresso que acontecem aí sem que algo caia da mão dadivosa da União?
Quais são as leis locais que você considera importante conhecer? E no
Estado? Tanto o Legislativo quanto o Executivo constituem poderes cada
vez mais vazios, que vivem de promessas e criação de expectativas,
empurrando a letargia com a barriga e empanturrando a sociedade de
palavras.
Observe
que todas as políticas de Estado que podem fazer algum sentido na vida
das pessoas são anunciadas no plano federal (que venham a acontecer é
outra conversa). Por quê? Porque é lá que estão concentrados os
recursos. O poder político que comanda o país conta muito com seu elenco
de prerrogativas exclusivas. Mas o poder que tudo pode, como temos
testemunhado à exaustão, pode até o que não deve poder. Esse monstrengo
chamado Enem não é apenas uma fonte de colossais trapalhadas. É um
instrumento de poder. Impõe a homogeneização de currículos. Regula visão
de mundo, de história e de sociedade. Controla posições sobre pautas
políticas e violenta a liberdade de opinião dos estudantes. Age contra
as diversidades regionais ideologizando as múltiplas escolhas e
transmitindo a sensação de que a Educação, o exame e o ingresso no
ensino de terceiro grau são dádivas de um onisciente guru brasiliense
que tem o gabarito de todas as provas. Estou descrevendo a ação abusiva
de um gigante das sombras: o poder dos burocratas instalados no
Ministério da Educação.
As
cartilhas, os livros distribuídos às escolas, os muitos programas
nacionais voltados ao famigerado "politicamente correto", a imposição da
ideologia de gênero, tudo flui para o Enem e dele necessita. Ele serve
aos oráculos de um projeto de poder, do único que de fato mobiliza
energias políticas no país, de modo permanente, há quase quatro décadas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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