Há algum tempo, quando me preparava pra
dormir, ouvi o telefone tocar. A voz do outro lado da linha era bem
parecida com a de minha filha. Ela dizia, em tom desesperado: _ Pai, Pai, fala pra ele me soltar. Gelei
instantaneamente, uma sensação terrível me deixou sem chão por alguns
segundos, mas no momento seguinte me lembrei que minha filha estava em
casa, já deitada em sua cama. Quando informei ao marginal que minha
filha já estava em casa ele desandou a me xingar e de quebra disse que
sabia onde eu morava e que ia matar toda a minha família. Desliguei o
telefone, a sensação era um mistura de alívio com medo. Afinal, não é
nada agradável travar qualquer tipo de contacto com uma pessoa desse
tipo, que usa de sentimentos tão sagrados como o amor de pais para com
filhos, para tentar arrancar-nos um “resgate” em dinheiro, a ser
depositado em alguma conta corrente.
Foi o segundo telefonema desse tipo que
recebemos em apenas um ano. Fico a pensar quantas pessoas são vitimadas
por bandidos em golpes similares todos os dias. O governo não tem de
fato cumprido seu papel na segurança pública, mesmo os marginais presos
continuam cometendo crimes.
Veja o artigo abaixo sobre segurança pública, muito relevante.
Estado brasileiro especializa “reeducandos” em criminalidade à distância
Além de passar anos monitorando o
crime nas cadeias ao invés de exigir que ele seja prevenido à força, o
Ministério Público chega a defender que criminosos como Beira-Mar não
podem ser vigiados quando recebem visitas.
Em 2012, foram assassinadas no Brasil
56.337 pessoas. Trata-se de um verdadeiro genocídio da população
brasileira, que começou na década de 80 e se acelerou na década de 90,
quando as taxas de homicídios tiveram um crescimento vertiginoso nas
grandes cidades. Os dados são do Mapa da Violência 2014, um estudo anual
dos homicídios no Brasil, realizado desde 1998 pela equipe do sociólogo
Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com o apoio do
governo federal, que encampa oficialmente suas conclusões. O Mapa da
Violência 2014, com os dados consolidados de 2012, será publicado em
breve, mas os dados prévios mostram que o número de homicídios no País
cresceu 13,4% em relação aos 49.695 assassinatos cometidos em 2011.
Esses números seriam ainda mais
estarrecedores se o Estado de São Paulo não tivesse conseguido reduzir
drasticamente o seu número de homicídios, que caiu de 15.745 em 2001
para 5.629 em 2011, uma queda de 64,2%. Foi a mais expressiva redução de
casos de homicídios do País, quase três vezes maior do que a do Rio de
Janeiro, que só ficou em segundo lugar nesse quesito, com 37,9% de
redução, porque suas estatísticas são vergonhosas e centenas de
homicídios acabam sendo oficialmente computados como desaparecimentos,
como mostrou um estudo do economista Daniel Cerqueira, do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Se os tucanos tivessem um
pouco mais de competência política, poderiam fazer da segurança pública a
grande bandeira de Aécio Neves nas eleições presidenciais. Não porque
São Paulo esteja muito bem nessa área, mas porque o resto do Brasil está
ainda pior.
Na Bahia, governada desde 2007 pelo
Partido dos Trabalhadores, o número de homicídios cresceu 245,2%,
saltando de 1.579 assassinatos em 2001 para 5.451 em 2011. Os outros
campeões de criminalidade no período são: Paraíba, com um aumento de
230,4%; Rio Grande do Norte, com 229,7%; Pará, com 222,3%; Maranhão, com
193,5%; Alagoas, com 171,3%; e Amazonas, com 166,9%. Goiás não chega a
figurar entre os primeiros, mas também apresenta um vertiginoso aumento
de 113,7% no número de homicídios entre 2001 e 2011. Isso faz com que o
Brasil seja o sétimo país mais violento do mundo, com uma taxa de 27,4
homicídios por 100 mil habitantes, muito acima, por exemplo, da taxa de
homicídios dos Estados Unidos, um país violento, guerreiro e armado, mas
cuja taxa de criminalidade era de apenas 5,3 homicídios por 100 mil
habitantes em 2010.
Mas o número de homicídios voltou a
crescer em São Paulo em 2012, quando ocorreram 6.314 assassinatos, 12,2%
a mais que no ano anterior. E, em boa parte dos demais Estados, esse
crescimento continuou ocorrendo de forma explosiva. É o caso de Goiás,
em que a série histórica, de 2002 a 2012, apresenta um crescimento de
113,7% no total de homicídios. O Mapa da Violência 2014 mostra que, no
confronto entre os dois últimos anos analisados, 2012 em relação a 2011,
os Estados em que o número de homicídios mais cresceu foram: Roraima
(74,7%), Ceará (37,7%), Acre (24,4%), Amapá (20,7%), Goiás (23,1%),
Sergipe (19,5%), Piauí (18%), Rondônia (17%) e Rio Grande do Sul
(14,9%). E a criminalidade, obviamente, não se resume aos homicídios.
Para se ter uma ideia de sua magnitude, no primeiro trimestre de 2014,
foram registrados apenas no Estado de São Paulo 536.583 delitos, dos
quais 110.197 foram crimes violentos (homicídio doloso, roubo,
latrocínio, estupro e extorsão mediante sequestro). Isso dá uma média de
5.962 delitos por dia, dos quais 1.224 são violentos.
Prisões são o “Esquenta” das periferias.
A despeito desses dados, os candidatos a
presidente da República passam ao largo da grave questão da segurança
pública, limitando-se, os de oposição, a criticar o governo federal por
não cuidar devidamente das fronteiras do País, praticamente abertas ao
tráfico de drogas e armas. Todavia, esse é apenas um dos fatores que
contribuem para o aumento da criminalidade no Brasil e nem chega a ser o
mais importante. Mais grave do que a fragilidade das fronteiras é a
permissividade das prisões, que se tornaram verdadeiros
quartéis-generais do crime, facultando aos bandidos presos a prática da
criminalidade a distância – uma nova espécie de crime, comandado de
dentro das próprias penitenciárias, geralmente por meio de aparelhos
celulares, com verdadeiras centrais telefônicas instaladas dentro e fora
dos presídios.
O fenômeno das quadrilhas que praticavam
crimes de dentro do Presídio Central de Porto Alegre e do Complexo
Prisional de Aparecida de Goiânia está longe de ser uma novidade. Pelo
contrário, trata-se de uma prática recorrente em todos os presídios
brasileiros e que não teve início agora, mas remonta, no mínimo, à
década de 90, como se pode ver nos arquivos da imprensa nacional. O
falso sequestro, por exemplo, que desespera famílias e rende um bom
dinheiro para a manutenção das quadrilhas, é prática antiga e
recorrente, executada de dentro dos presídios, através de telefones
celulares contrabandeados para os presos por suas mulheres, mães,
amantes, prostitutas e comparsas durante as abusivas visitas semanais,
sobretudo as visitas íntimas, responsáveis por transformar os presídios
numa espécie de “Esquenta” das periferias, que para lá acorrem aos
sábados e domingos, religiosamente, levando, inclusive, suas crianças.
Em praticamente todos os Estados
brasileiros há quadrilhas praticando crimes a partir dos presídios, de
onde comandam roubos, sequestros, assassinatos, impondo suas próprias
leis nas periferias das cidades, à revelia da Constituição do País. Em
20 de outubro do ano passado, por exemplo, uma reportagem do
“Fantástico” mostrou a quadrilha que controla os presídios de São Paulo
(leia-se PCC) dando ordens para que seus membros cometam atentados,
assassinem policiais e matem até crianças. Disse a reportagem: “O
Ministério Público investigou, nos últimos três anos, os chefes da
quadrilha que estão presos nesta penitenciária em Presidente Venceslau,
no interior de São Paulo. De lá de dentro saem as ordens para os
comparsas que estão nas ruas”.
Reparem no absurdo: o Ministério Público
passou três anos investigando bandidos que já estão presos, monitorando
seus celulares contrabandeados para dentro das cadeias pelas visitas
semanais, sobretudo mulheres, mães, amantes e prostitutas, que entram
com aparelhos e chips escondidos na vagina. Durante esses três longos
anos, quantos crimes não foram cometidos pelos bandidos presos, sob o
olhar das autoridades que davam plantão na escuta eletrônica dos
presídios, por sinal, autorizada pela Justiça? Aliás, as autoridades e a
imprensa fazem questão de sempre informar esse detalhe, pois, no
Brasil, detento tem direito inviolável à privacidade e só a Justiça pode
mandar grampear seus celulares.
Presídios fazem papel de Executivo e Judiciário.
As quadrilhas mandam e desmandam nos
presídios e em suas ramificações nas cidades e os desbaratamentos de
algumas delas representam apenas uma vitória pontual da polícia. O
arsenal dos presos se renova a cada visita semanal, quando os presídios
se tornam uma verdadeira feira livre, com centenas e até milhares de
visitantes, que se encarregam de estabelecer o contato entre os
criminosos presos e suas comunidades de origem. Hoje, nas médias e
grandes cidades brasileiras, vários bairros periféricos têm nos
presídios seu Executivo e seu Judiciário – é das penitenciárias que
emanam as leis que regem o cotidiano dessas comunidades. Muitas vezes,
os chefes do crime organizado interferem até na vida das famílias,
fazendo o papel de juízes em brigas de marido e mulher.
Nesse ambiente de permanente contato com o
mundo externo, dispondo, na maioria dos presídios, até de telefones
públicos (que em breve serão legalmente oficializados), os presos acabam
tendo enorme facilidade para recompor suas quadrilhas e retomar a
prática de crimes mesmo trancafiados. Basta observar os recentes casos
dos presídios de Aparecida de Goiânia e Porto Alegre. Segundo a
reportagem do “Fantástico”, sete promotores de Justiça de Goiás passaram
mais de um ano investigando a quadrilha, o que culminou com seu
desbaratamento agora. O problema é que, em julho do ano passado, uma
investigação anterior já desbaratara uma das maiores quadrilhas de roubo
de carro do país também dentro do complexo prisional de Aparecida de
Goiânia, resultado de uma investigação anterior das autoridades. E em
junho de 2012, foi desbaratada uma quadrilha de roubo de joias no mesmo
presídio. Ora, isso significa que, ao mesmo tempo em que o Ministério
Público vai investigando os presos, eles vão formando novas quadrilhas e
cometendo novos crimes.
O mesmo ocorreu no Rio Grande do Sul.
Também lá a formação, monitoramento e desbaratamento de quadrilhas que
atuam dentro dos presídios é um fenômeno anual. Em agosto de 2012, a
polícia gaúcha desbaratou a quadrilha do detento Nataniel da Silva, do
Presídio Central de Porto Alegre, que acumulava um patrimônio de mais de
R$ 1 milhão, constituído de 40 veículos, mais de 25 contas bancárias,
joias e cinco residências. Para movimentar a quadrilha, o bandido preso
utilizava a mãe e três irmãos, um dos quais estava no regime semiaberto,
além de primos e tias. E falava, via celular, com o próprio Superior
Tribunal de Justiça (STJ), para saber informações sobre o seu pedido de
habeas corpus. O desbaratamento dessa quadrilha se deu mediante escutas
telefônicas autorizadas pela Justiça. Ou seja, é a Justiça brasileira,
como sempre, tratando o presídio como residência inviolável do bandido,
onde ele pode receber toda a parentela, amantes, amigos e até um irmão
bandido que cumpre pena no regime semiaberto. Isso é prisão ou casa da
Mãe Joana?
Num ambiente de tamanha promiscuidade, em
que as autoridades ficam monitorando o bandido enquanto ele pratica
crimes, é natural que as quadrilhas prisionais – uma contribuição bem
brasileira à criminologia – tornem-se recorrentes. Em maio de 2013,
menos de um ano depois de estourar a quadrilha do detento Nataniel da
Silva, uma operação envolvendo 160 policiais e 40 viaturas desbaratou
outra quadrilha do Presídio Central de Porto Alegre, que traficava
drogas na cidade gaúcha de Guaíba, sob o comando do detento Robson
Duarte, conhecido como Jamanta, que estava há três anos preso. A
quadrilha foi responsável por 14 homicídios ocorridos em Guaíba e, fora
da cadeia, era gerenciada pela mulher e pela cunhada do detento, de quem
recebiam as ordens durante as visitas ao presídio. A delegada que
comandou as prisões dos envolvidos declarou à imprensa à época: “É uma
resposta ao clamor da sociedade e aos criminosos”. Que resposta? Ficar
seis meses vendo um presidiário mandar matar 14 pessoas, por meio das
mulheres que o visitam na cadeia, sem tomar nenhuma providência para
impedir essas visitas? Isso não é resposta à sociedade coisa nenhuma – é
cumplicidade com o crime.
A falácia das prisões de segurança máxima.
Episódios como esses ocorrem o tempo todo
nos Estados. Em setembro de 2013, a Polícia Civil do Mato Grosso do Sul
prendeu 20 bandidos, entre eles quatro adolescentes, que integravam uma
quadrilha que praticava assaltos no interior do Estado e traficava
drogas, sob o comando do detento Carlos Ronaldo Borges, que se
encontrava preso na cadeia de Dois Irmãos do Buriti. Já na Paraíba, uma
das maiores quadrilhas de tráfico de drogas do Estado, desbaratada em
agosto de 2013 e responsável por diversos homicídios e roubos, era
comandada de dentro dos presídios federais de “segurança máxima” de
Catanduva, em São Paulo, e Mossoró, no Rio Grande do Norte. A quadrilha
paraibana estava sendo investigada desde 2011; ou seja, as autoridades
ficaram dois anos monitorando as atividades criminosas de bandidos já
presos ao mesmo tempo em que continuou fornecendo aos detentos seu
principal instrumento para a prática de crimes – o entra e sai semanal
de visitantes nos presídios. O Presídio Central de Porto Alegre, por
exemplo, recebe 12 mil visitantes por mês. Isso significa que,
semanalmente, seus 4,5 mil detentos se misturam com 3 mil visitantes.
Ora, uma escola com 300 crianças já é difícil de controlar, imagine uma
cadeia com 7,5 mil presos e visitantes misturados.
Nem o Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD) – que muitos operadores do direito e intelectuais universitários
classificam como masmorra medieval – impede presos de alta
periculosidade de receberem visitas semanais. Durante duas horas, a cada
fim de semana, eles têm o direito de receber a visita de duas pessoas
adultas, sem contar as crianças. E o que é mais grave: até o Ministério
Público considera essa regalia um direito humano inalienável do preso –
que, obviamente, só está no RDD porque, mesmo preso, oferece sérios
riscos à sociedade e fez por merecer uma disciplina mais rigorosa. Seria
natural, portanto, que, ao menos nesse período, suas visitas semanais
fossem cortadas. Mas não é o que ocorre. Por medo de rebeliões – o
espectro que ronda o sistema prisional desde Carandiru –, as autoridades
judiciárias preferem manter essas visitas, mesmo sabendo que elas não
passam de um ponto de contato entre o preso e sua quadrilha no mundo
exterior.
E o que é mais grave: até o Ministério
Público, que deveria ser o principal crítico dessas regalias, lutando
pela sua extinção, muitas vezes costuma ser o primeiro a defendê-las.
Inclusive para detentos como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho
Beira-Mar. No início de 2009, o diretor da Penitenciária Federal de
Campo Grande pediu autorização à Justiça para realizar escutas
ambientais durante as visitas de uma advogada a Beira-Mar. Essa
advogada, que já visitara o preso oficialmente na condição de sua
defensora, solicitou autorização à direção do presídio para realizar uma
visita como pessoa comum. Como Beira-Mar, em conluio com o traficante
colombiano Juan Abadia, era suspeito de querer sequestrar autoridades
brasileiras, inclusive o filho do então presidente Lula, o diretor do
presídio estranhou o desejo da advogada de querer ser recebida como
pessoa comum pelo traficante e solicitou à Justiça autorização para
monitorá-la. Mas o Ministério Público Federal posicionou-se contra o
monitoramento solicitado.
Diretor de presídio é rainha da Inglaterra.
Numa prova de que diretor de presídio não
passa de “rainha da Inglaterra” e já não pode nem vigiar o preso que
está sob sua guarda, o procurador da República Ricardo Luiz Loreto, em
parecer datado de 5 de março de 2009, negou o pedido do diretor da
Penitenciária Federal de Campo Grande e disse que o monitoramento
ambiental de Beira-Mar em sua cela viola “o direito à intimidade,
constitucionalmente assegurado pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição
de 88”. Esse dispositivo constitucional, convém lembrar, estabelece que
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”. Ora, é óbvio que o dispositivo não está
falando de bandido preso, que, ao se tornar criminoso, abriu mão de sua
vida privada, mas do cidadão cumpridor da lei. Caso contrário, todo e
qualquer processo criminal, mesmo envolvendo assaltos, sequestros e
latrocínios, deveriam correr em absoluto segredo de justiça, com a
imprensa sendo proibida de veicular o nome dos réus, sob pena de violar
sua honra e imagem.
Outro argumento brandido pelo procurador
da República para ir contra o monitoramento de Beira-Mar foi o de que o
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil garante ao advogado o direito
de se comunicar com seu cliente preso, mesmo sem procuração, isto é, na
condição de pessoa comum. É o próprio Ministério Público fazendo o papel
de lacaio da OAB e colocando o Estatuto dessa entidade acima da própria
Constituição. Um advogado só pode gozar das imunidades inerentes à
profissão quando está exercendo o papel constitucional de defensor do
seu constituinte. Uma vez que a advogada de Fernandinho Beira-Mar
decidira fazer uma visita comum ao preso, o monitoramento de sua
conversa com o bandido não fere, de forma alguma, a Constituição. E o
Ministério Público – que deveria estar no polo oposto da advocacia
privada – tem o dever constitucional de dizer isso em alto e bom som. Se
o promotor público concorda com o advogado do bandido, quem irá acusar o
réu para que o juiz tenha o necessário contraditório para que possa
exercer o seu papel de magistrado?
Todavia, para o procurador Ricardo Luiz
Loreto, o monitoramento ambiental da cela de um preso, mesmo que esse
preso seja Beira-Mar, fere seus direitos de “visita e intimidade”. O
procurador chega a afirmar: “Talvez exceção ocorresse no caso de haver
investigação criminal contra o visitante ou o visitado”. Para ele, não
havia nada contra Beira-Mar e aquela advogada que se comportava como sua
amiga: “Pelo contrário, o único fato narrado no pleito é o referente ao
sequestro de autoridades, que já foi descortinado no ano de 2008”,
escreveu o procurador. Notem como ele trata o complô para o “sequestro
de autoridades” como um fato sem importância e ocorrido num tempo
longínquo, quando, na verdade, seu parecer é de 5 de março de 2009, ou
seja, apenas sete meses depois do complô, descoberto em agosto de 2008.
Nessa sua ferrenha defesa de supostos
direitos dos presos, que praticamente dispensa Beira-Mar de constituir
advogado, o procurador da República enfatiza: “Relevante ponderar que
não é a periculosidade do detento que irá ensejar o cabimento da medida
pleiteada, pois, se assim fosse, como todos os presos que estão
cumprindo pena na Penitenciária Federal de Campo Grande são considerados
de alta periculosidade, seria necessário o monitoramento ambiental de
todos eles no momento de receberem suas visitas”. Ora, se o conceito de
“segurança máxima” fosse, de fato, levado a sério no Brasil é claro que
todos os presos do porte de um Luiz Fernando da Costa, o Beira-Mar, e um
Marcos William Herbas Camacho, o Marcola, teriam que ter suas visitas
sensivelmente reduzidas e rigorosamente monitoradas. Ao contrário do que
diz o procurador da República, o que fere a Constituição não é um preso
perigoso ser monitorado em sua cela e, sim, o cidadão de bem não ter o
direito de ir e vir, sob pena de ser morto num latrocínio comandado de
dentro dos presídios. Como já escrevi, cadeia não pode ser transformada
em Big Brother de promotor e juiz – não porque o preso tenha direito à
privacidade, mas porque o crime tem de ser prevenido à força, se
necessário, e não monitorado virtualmente, enquanto o “reeducando” se
especializa na prática do crime a distância.
Publicado no Jornal Opção. José Maria e Silva é sociólogo e jornalista. Publicado em Mídia sem Máscara.
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