Pedro do Coutto
O título deste artigo está inspirado no famoso filme “Roma cidade aberta”, de Roberto Rossellini., que praticamente abriu a época do neorrealismo italiano e que inclui passagens das últimas tentativas de resistência de tropas nazistas à invasão da Itália pelas forças americanas e brasileiras. A montagem, é curioso observar, foi feita por Federico Fellini que integrava a equipe do autor.
O Rio, digo eu, é uma cidade aberta ao tráfico de drogas, à milícia que sufoca os habitantes, à violência que se projeta nos confrontos entre bandos rivais e às polícias militar e civil. A morte e a desolação são consequências de um conflito que se eterniza e que nasce da omissão dos poderes públicos. A qualquer hora a morte faz sua passagem e deixa marcas desesperadoras.
FILMAGENS – Nos noticiários da TV Globo, e divulgados também pela GloboNews, a operação policial ocorrida na região do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, é uma obra de um realismo total que foi acrescentada por filmagens pelos celulares de moradores da enorme favela.
Nessas tomadas, surpreende até a qualidade dos ângulos e dos movimentos registrados e revelados pelas telas manuais. As filmagens da Globo são também impressionantes, feitas com lentes que atravessaram as ruelas da favela e do alto de helicóptero registraram a imagem de um problema social impactante que vem se acumulando pela falta de poder de compra das classes sociais de renda mais baixa.
O panorama desolador ressalta também os efeitos que decorrem do cenário de carência e de miséria. O ser humano é capaz de promover grandes mudanças na tecnologia pois há mais de 50 anos conseguiu chegar à Lua, mas por aqui não consegue sequer reduzir a miséria ou implantar um saneamento para uma vida digna de milhares de brasileiros.
DOMÍNIO DO CRIME – A fome continua e o tráfico, a milícia e o crime encontraram um campo positivo para dominar não só as comunidades pobres, mas no caso do Rio de Janeiro, toda a população carioca e fluminense.
Os combates entre criminosos e policiais deixam um rastro macabro de desfechos. A morte viaja inclusive pelas balas perdidas que não escolhem somente as vítimas dos confrontos, mas inocentes encurralados pela guerra urbana. Crianças são vítimas do absurdo e não conseguem chegar à adolescência.
Adolescentes também são mortos e suas famílias tornam-se prisioneiras de uma situação insuportável. Governos passaram pelo Rio, e a melhor prova da omissão e da culpa está nas fotografias das prisões de diversos ex-governadores e também de prefeitos que igualmente se dedicaram à corrupção e para os quais as vidas alheias não tem importância, não valem nada.
LUXO E OSTENTAÇÃO – Mas suas vidas, pelo menos até a Lava Jato, eram de luxo, despesas monumentais, roubos gigantescos que subtraíram recursos financeiros. Governadores e prefeitos enriqueceram, adquiriram propriedades de custo altíssimo, viajaram de lanchas pelas águas da omissão, depósitos de grande porte desceram sobre as suas contas bancárias, anéis, brilhantes e crimes estão nas páginas que vão relatar eternamente períodos da vida da cidade, consequência da aliança entre ladrões de casaca e as forças do tráfico e da milícia que estrangulam qualquer reação das comunidades.
As favelas espalham-se cada vez mais no Rio. Hoje, são dois milhões de pessoas, uma tela em que a imagem é simplesmente tão dramática quanto trágica. A corrupção não respeita limites e com ela, por falta de assistência médica de urgência, morrem a cada dia centenas de seres humanos.
DESAFIO – O grande desafio e motivo de angústia para todos nós é a incapacidade de sairmos deste quadro fatídico que oprime todas as escalas sociais. Ninguém está livre do quadro legado pelos corruptos e corruptores. Na Folha de São Paulo a reportagem é de Júlia Barbon e Thaís Nogueira. No O Globo, a matéria foi produto de sua equipe de reportagem.
O episódio de quinta-feira foi tão marcante que alcançou destacados materiais, inclusive com fotos no New York Times, no Washington Post e no inglês The Guardian. Outros jornais franceses e italianos, espanhóis, enfim, de dezenas de países destacaram o acontecimento que ficará na história nacional e internacional como prova de guerra urbana reproduzindo no século XXI a atmosfera de Chicago nos anos de 1929 a 1931 quando então Alcapone foi encarcerado.
A OBSESSÃO DE BOLSONARO – Reportagem de Ricardo Della Coletta e Ricardo Machado, Folha de São Paulo, acentua de forma nítida a obsessão de Jair Bolsonaro pela cloroquina, um remédio que já ficou comprovado cientificamente não ter qualquer influência no tratamento da Covid-19, insistindo em apresentá-lo como uma solução médica para um ciclo mundial que só no Brasil já alcançou mais de 400 mil casos fatais e cuja contaminação diária vem alcançando números alarmantes sem que o ministro Marcelo Queiroga consiga deter.
Pelo contrário, em seu depoimento na CPI do Senado tentou esquivar-se sobre o falso remédio que o presidente da República insiste em defender. Jair Bolsonaro atacou também a CPI e disse constituir uma xaropada. Para ele, vidas humanas não importam, o que importa é a sua permanência cada vez mais difícil no poder e no governo do país.
BANCO DO BRASIL – A repórter Larissa Garcia, Folha de São Paulo, revela que no primeiro trimestre de 2021 o Banco do Brasil apresentou um lucro líquido de R$ 4,9 bilhões. Uniu-se assim a uma faixa de resultados milionários encabeçada pelo Itaú e pelo Bradesco, conforme observamos em artigos anteriores.
O fato de o Banco do Brasil ter alcançado de janeiro a março um lucro de R$ 4,9 bilhões reporta ao filme da reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando o ministro Paulo Guedes disse em tom veemente a Bolsonaro: “venda logo esse banco”, usando uma palavra de baixo calão que deixou perplexos todos aqueles que assistiram ao vídeo marcado pela irresponsabilidade e agressão ao bom senso que não prevalece no país a partir da posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República.
Como vender o principal estabelecimento de crédito , inclusive de atuação essencial nos municípios, se ele apresenta um lucro financeiro dessa dimensão ? Um negócio a mais para a movimentação de participações financeiras.
LULA E SARNEY – Na edição de ontem da Folha de São Paulo, Daniel Carvalho focaliza o encontro entre Lula da Silva e Sarney voltado para a articulação e construção de uma aliança política visando as eleições de 2022 que se aproximam velozmente no calendário político.
Velozmente porque a população brasileira encontra-se ansiosa por uma mudança no comando político do país. A matéria assinala e destaca que José Sarney esquivou-se por seu turno de uma conversação com o presidente Bolsonaro , na tentativa de reeleição nas urnas do próximo ano.
Bolsonaro até agora não apresentou projeto algum, a não ser o congelamento salarial, obra prima do ministro Paulo Guedes. O governo diariamente se transformou em alvo de ataques dos jornais e de emissoras de televisão, que não estão inventando nada, encontram-se apenas reproduzindo o desastre e a oposição que o próprio Jair Bolsonaro faz a si mesmo no plano alto do Planalto e da planície das desilusões cada vez mais acentuadas de correntes que nele votaram contra a corrupção e a favor da mudança.
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