Ampliar o acesso às vacinas para base da enorme pirâmide demográfica americana tem impacto fora. Atrasa a chegada de vacinas em locais como a Índia e o Brasil. E isto não tem nada a ver com egoísmo. É política mesmo. É política ruim. Leonrdo Coutinho via Gazeta do Povo:
Nesta
semana, o Food and Drug Administration (FDA) – o equivalente americano
da brasileira Anvisa – liberou a aplicação da vacina produzida pela
Pfizer-BioNTech em adolescentes de doze a quinze anos, reduzindo a faixa
etária para aplicação do imunizante que até então era de dezesseis
anos. A liberação se deu na segunda-feira e na quarta-feira já estava lá
a garotada tomando a primeira dose da vacina. Uma extravagância em um
país que, até o momento, aplicou mais de 265 milhões de doses – e já tem
36% de sua população completamente imunizada e outros 10% que já
tomaram pelo menos a primeira dose. Para os pais que veem seus filhos
adolescentes imunizados com a melhor vacina disponível no mercado, em
tempo recorde e sem filas é a mais completa tradução de tranquilidade.
Tal
qual naquela máxima entre políticos brasileiros que saneamento não
garante voto, nos Estados Unidos quase ninguém dá a mínima para saber,
entender ou reconhecer como chegamos tão rapidamente às vacinas e porque
a população americana está sendo imunizada de forma tão acelerada. A
Operação Warp Speed, que injetou bilhões de dólares em pesquisa
científica e permitiu às farmacêuticas um ganho de tempo brutal na
produção de imunizantes beneficiando não só os americanos, mas todo
mundo, virou o cano de esgoto debaixo da terra que deságua em uma
estação de tratamento que ninguém presta atenção.
As
reações das vacinas vão pouco além das dores no corpo – que para quem
já teve dengue fica fácil de entender – e febre. A popularidade do
presidente Joe Biden está igual a um foguete. E aqui mora o perigo do
populismo vacinal.
Não
vejo problema algum em um país que patrocinou o desenvolvimento das
vacinas e pagou por elas priorizar sua população. Como dizia Donald
Trump. America First! Mas olhando apenas para dentro, Washington dá
sinais de que ainda não entendeu que não existe mais liderança natural.
Liderança
e influência estão em disputa. E as respostas em relação à pandemia não
são diferentes. Em um mundo convulsionado, o que deveria ser inspiração
muito facilmente pode se tornar motivo de indignação. Enquanto os
Estados Unidos vacinam crianças, idosos morrem em países aliados como
Índia e Brasil. A culpa dessas mortes é dos americanos? Claro que não. É
dever dos americanos vacinarem essas pessoas? Claro que não. Mas seria
minimamente inteligente não focar tanto na política doméstica e olhar
para além das urnas e das próprias fronteiras.
Todos
os dias, os inimigos dos Estado Unidos reforçam a tese de que os
americanos são os egoístas que estão drenando de forma iníqua as
vacinas. Yan Wanming, o embaixador brigão que a China plantou no Brasil,
não perde a oportunidade para lançar pílulas com a teoria de que os
americanos são os egoístas. E realmente está fácil para China emplacar a
propaganda de seu altruísmo.
Na
Índia não tem sido diferente. As engrenagens de propaganda de Pequim
estão azeitadas para convencer os indianos de que os Estados Unidos não
são amigos fiéis. É a tal da “diplomacia da vacina”, que também pode ser
chamada de “diplomacia da chantagem”. Em que a China tem preferido
vender doses de vacinas para consolidar seus interesses estratégicos,
forçar decisões em seu favor e avançar casas em um tabuleiro que os seus
rivais, os Estados Unidos, perdem a cada movimento uma peça.
Enquanto
celebra o sucesso da vacinação, os americanos da Costa Leste estiveram
prestes a ter dias venezuelanos por causa da possibilidade real de um
colapso do sistema de fornecimento de combustível. Hackers sequestraram
os sistemas da empresa que controla os dutos de distribuição de
gasolina. Embora um exército de caminhões tanque tenha sido acionado
para suprir parte do problema, não existe frota capaz atender à demanda
da região mais populosa dos Estados Unidos. A correria aos postos de
combustíveis formou filas enormes. O pânico frente ao risco de
desabastecimento é muito comum entre os americanos. Mas, no caso dos
combustíveis, a ameaça era absolutamente real.
As
autoridades americanas conseguiram identificar a origem do ataque. Veio
da Rússia. Como por lá Estado e máfias formam um ente híbrido, não se
sabe exatamente se o ataque é uma ação de bandidos, do governo ou de
ambos. Algo que seria curioso saber, mas que a utilidade é nula. A
Rússia moveu uma campanha maciça de desinformação no referendo do Brexit
e no da Cataluña. Putin sabotou as campanhas de 2016 e de 2020 nos
Estados Unidos. Mas e daí?
O
governo russo também foi flagrado fazendo estripulias contra vacinas
ocidentais na Europa, para minar a certificação e comprometer a
confiabilidade em favor de seu produto nacional, a Sputnik-V. Mas e daí?
Nada.
China
e Rússia sabem que podem fazer o que fazem e sair impunes. Alguém
realmente acredita que os Estados Unidos, Reino Unido, por exemplo,
reagiriam belicamente aos crimes de Pequim e Moscou. Evidentemente que
não.
Influência
e liderança não são mais naturais. Estão em disputa, como já foi dito
aqui. Seja ela disputada por chantagem, comércio, armadilha de dívida e
mentiras. A reação passa por estratégias nada convencionais que já
deixaram a velha tática das sanções enferrujadas no tempo.
A
Federação Internacional dos Jornalistas (IFJ, conforme a sigla em
inglês) divulgou um relatório mostrando como a China está literalmente
comprando a imprensa em algumas partes do mundo. Uma pena que a IFJ não
olhou para o Brasil.
O
alistamento de meios de comunicação, acadêmicos, parlamentares e
influenciadores pavimenta o caminho das malversações de Estados que não
se veem impedidos de se comportar como máfias.
A
América se encanta com a sua imagem diante do espelho e parece ter se
esquecido de cuidar dela sobre a perspectiva de quem a vê. China e
Rússia estão trabalhando muito bem para fazer dos Estados Unidos um
conjunto de coisas feias.
Biden
está corretíssimo em correr para que os Estados Unidos voltem aos
eixos. Mas pode estar errando a mão pelos encantos da popularidade.
George W. Bush e Barack Obama viraram as costas para a América Latina
abrindo as portas para a China. Donald Trump passou quatro anos
fissurado na Venezuela. Biden chegou e parece repetir os erros.
Peço
perdão aos leitores que chegaram até aqui. Mas é preciso destacar. Esta
coluna não reforça a lorota chinesa de que os Estados Unidos são
egoístas, enquanto o Partido Comunista são os abnegados amigos do mundo.
Mas a administração Biden está cometendo um erro (e sinceramente não
apostaria que Trump faria diferente). Vacinar crianças não fará a
economia americana decolar mais rapidamente que limitando doses apenas
para pessoas acima de dezesseis anos.
Ampliar
o acesso às vacinas para base da enorme pirâmide demográfica americana
tem impacto fora. Atrasa a chegada de vacinas em locais como a Índia e o
Brasil. E isto não tem nada a ver com egoísmo. É política mesmo. É
política ruim.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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