Intelectuais ignoram que há mais sabedoria na população em geral do que num indivíduo qualquer, por mais inteligente que ele seja. Rodrigo Constantino para a Oeste:
Em
minha humilde opinião, Thomas Sowell é um dos principais pensadores
vivos. Sua capacidade de sintetizar seus argumentos e derrubar falácias é
ímpar, e isso torna a leitura de seus livros extremamente prazerosa e
enriquecedora para nossas reflexões. Entre as melhores obras está, sem
dúvida, Intelectuais e Sociedade, que pretendo resumir a seguir.
Algumas
expressões usadas em debates políticos já se tornaram indissociáveis de
Sowell, e uma das que mais gosto é “a visão dos ungidos”. Sowell lida
com o “conflito de visões” entre aqueles que adotam uma premissa mais
utópica da natureza humana e aqueles mais realistas, que entendem que
somos seres limitados, não com elasticidade infinita numa tábula rasa.
O
primeiro grupo costuma cair na “tirania da visão”, em que suas crenças
valem mais do que os fatos. Isso leva ao “monopólio das virtudes”, uma
tática desleal de debate, pois considera o oponente com base em suas
supostas intenções malignas, não seus argumentos. É muito comum, nas
elites intelectuais, essa visão arrogante, e é disso que o livro trata.
Ele
alega que provavelmente nunca na história houve uma época em que
intelectuais exerceram um papel maior na sociedade. Antes é preciso
definir o que Sowell entende por intelectuais. Intelectual, aqui, é
aquele que vive das ideias. Intelectual não é o mesmo que sábio, já que
sabedoria é aquela rara qualidade de combinar intelecto, conhecimento,
experiência e julgamento para produzir uma compreensão coerente do
mundo. Sabedoria requer autodisciplina e a apreensão da realidade,
incluindo os limites da experiência pessoal e da própria razão.
Intelectuais, como uma categoria ocupacional, são os indivíduos que
lidam com ideias, como escritores, acadêmicos, ativistas políticos e
jornalistas, e eles não necessariamente demonstram tal habilidade.
O grande problema, na verdade, é justamente o abismo entre a intelligentsia e a sabedoria, uma vez que esses intelectuais adotam critérios internos de “validação” para suas ideias, que passam a não depender do feedback do mundo real externo, o que permite uma forma circular que retroalimenta certas crenças mesmo quando absurdas. Se um engenheiro projetar uma ponte de forma equivocada, ela não fica de pé. Se um intelectual defender uma ideologia nefasta, ele sempre pode encontrar bodes expiatórios para transferir a responsabilidade pelos fracassos do experimento. “Deturparam Marx”, dizem os crentes insistentes a cada nova desgraça marxista.
Não
só os intelectuais ficam blindados contra as consequências materiais de
suas ideias, muitas vezes eles desfrutam de imunidade total sem nenhuma
perda de reputação mesmo quando estão claramente equivocados. Sartre
defendeu barbaridades e isso nunca o impediu de ser reverenciado como
grande pensador, o ambientalista Paul Ehrlich previu imensas crises de
inanição justo quando a revolução verde começava no mundo, e por aí vai.
O intelectual não costuma ser cobrado por seus pares e restrições que
se aplicam à maioria dos campos normalmente estão ausentes nessa área.
Outro
aspecto interessante que Sowell mostra é como intelectuais ganham
notoriedade por visões políticas e ideológicas, mesmo quando a fonte de
sua expertise é bem diferente. Bertrand Russell tinha tratados
interessantes sobre a matemática, mas isso não tinha nada a ver com a
reverência que ele recebia como intelectual público, dando palpites
sobre desarmamento global ou cristianismo. George Bernard Shaw era
poeta, mas sua fama de intelectual veio de sua defesa do socialismo, e o
fato de ele defender ditaduras de forma explícita nunca arranhou sua
imagem perante seu público. Noam Chomsky se destacou como linguista, mas
a bajulação a ele vinha de seu papel como intelectual “anarquista”,
demonizando o sistema capitalista norte-americano.
Eis,
então, o erro fatal dos intelectuais: assumir que sua habilidade
superior dentro de uma área particular pode ser generalizada como uma
sabedoria superior ou uma moralidade superior. Eles ignoram a falta de
elo entre as duas coisas, assim como o fato de que há mais sabedoria na
população em geral do que num indivíduo qualquer, por mais inteligente
que ele seja. O conhecimento total, portanto, supera aquele das elites
intelectuais, mesmo que cada indivíduo escolhido aleatoriamente entre
grandes grupos tenha apenas fragmentos inexpressivos desse conhecimento.
Os
intelectuais, de forma arrogante, partem da premissa implícita de que o
conhecimento já está concentrado em pessoas como eles, e que por isso
mesmo o processo decisório também deveria estar concentrado nessa elite
“iluminada” que saberá tomar as melhores decisões pelo povo. O movimento
“progressista” norte-americano sempre teve como pilar essa visão
elitista e arrogante, que leva facilmente para o desprezo da democracia e
da economia de mercado, e enxerga no “rei-filósofo” um caminho melhor
para administrar a coisa pública.
Esses
“experts” assumem também uma visão utópica de que serão sempre
“desapaixonados”, ou seja, agirão somente com base no bem geral e não no
interesse egoísta, que são incorruptíveis e sem nenhum viés. Eis uma
crença que não resiste a qualquer escrutínio empírico, mas que sobrevive
em círculos intelectuais como premissa verdadeira, ou seja, sem nenhum
escrutínio sincero. Afinal, sem tal premissa, toda a defesa dessa
“engenharia social” com poder concentrado nos “iluminados” vai para o
espaço.
Os
intelectuais gostam muito de falar em nome da razão, mas o uso adequado
da razão leva à conclusão acerca de seus próprios limites. As leis, por
exemplo, são muitas vezes fruto da experiência passada, não da lógica.
Mas esses intelectuais se recusam a admitir isso, preferem flertar com
abstrações racionalistas e desprezar as tradições e os tabus. Sowell
entra em várias áreas para ilustrar as incríveis falácias repetidas por
intelectuais, como na economia, no direito, na sociologia, na imprensa e
na geopolítica. Cada capítulo é riquíssimo em casos bizarros de erros
grosseiros causados por essa típica arrogância intelectual.
Mas
é muito difícil persuadir tais intelectuais de seus graves equívocos,
pois uma das violações mais comuns dos padrões intelectuais é a prática
de atribuir às emoções as divergências de opinião. Assim, alguém pensa
diferente porque é racista, machista, homofóbico ou xenófobo, e o
intelectual não precisa mais rebater os argumentos contrários. E, como
essa visão é predominante na mídia também, a visão dos intelectuais
acaba sendo a dominante e influenciando bastante o mundo.
Nem
quando os reis tinham direitos divinos havia essa presunção de que uma
elite tem o direito de guiar todos os demais, basicamente por meio da
expansão de poder estatal. E essa visão dos “ungidos” não é apenas uma
visão da sociedade; é também uma visão autocongratulatória dos próprios
“ungidos”, que dificilmente vão abrir mão dela já que, com isso, podem
se sentir totalmente especiais.
Talvez
o que mais falte a esses intelectuais é humildade, é a capacidade de se
enxergar como alguém inteligente, de destaque em certa área do saber,
mas não como um guia moral para as massas, não como alguém cuja missão é
“empurrar a história” na direção “certa”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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