A melhor solução é mesmo reformar a Constituição e colocar o peso do Congresso sobre a solução do impasse. Editorial da Gazeta do Povo, no alvo:
Com a confirmação da condenação do ex-presidente Lula da Silva pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso do tríplex do Guarujá e a
perspectiva de que avance em segunda instância o processo referente ao
sítio de Atibaia, no qual Lula já conta com mais 12 anos de condenação
pela juíza Gabriela Hardt, a sombra do ex-presidente vai diminuindo
sobre a discussão da execução da pena após condenação em segunda
instância. Já não era sem tempo. O tema tem repercussões jurídicas e
sociais importantes e está desgastando o capital institucional do
Supremo Tribunal Federal (STF), preso a um impasse interno a seus
membros. Livre do peso de Lula, o assunto poderá ter um desfecho, que
deve vir por emenda constitucional.
O início do cumprimento da pena após a condenação definitiva em
segunda instância é a regra geral em quase todos os países do mundo –
ela é suficiente para garantir, de forma substantiva, a ampla defesa e o
devido processo legal, ao mesmo tempo em que possibilita a duração
razoável dos processos e a efetividade do sistema penal. No Brasil,
desde que Operação Lava Jato foi deflagrada, em 2014, e o STF retornou a
seu entendimento original em 2016, a execução em segunda instância foi
apontada como fundamental para o combate à corrupção e aos crimes de
colarinho branco. E com razão: é inegável que o Brasil tenha avançado
como nunca antes nesse campo e que a espera do esgotamento de todos os
recursos nos tribunais superiores frustraria a finalidade do sistema
jurídico em garantir a eficácia da lei.
O problema, porém, é que a atual redação da Constituição Federal faz
essa interpretação, do ponto de vista jurídico, aproximar-se
perigosamente do ativismo judicial. Diz o inciso LVII artigo 5º que
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”. Para quem é contrário à execução em segunda
instância, a prisão, pelo texto constitucional, só poderia se dar por
razões processuais – preventiva ou provisória – ou com o esgotamento de
todos os recursos. Esse embate tem dividido a classe jurídica e o
Supremo, preso a uma disputa renhida, com direito a idas e vindas e
manobras regimentais que enfraquecem a autoridade do tribunal. Enquanto
a redação do inciso LVII for esta, não há perspectiva de que a questão
seja pacificada e a segurança jurídica, garantida definitivamente.
É alvissareiro, então, que o presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenha dito em recente entrevista à Globonews que o
parlamento não pode mais se furtar a esse debate. Maia sinalizou,
inclusive, que o tema pode ser votado ainda em 2019. O ministro da
Justiça, Sergio Moro, defende que mudança seja feita por meio de lei,
uma vez que o STF já tem interpretação a favor da segunda instância. O
PL anticrime enviado por Moro ao Congresso propõe uma mudança no Código
de Processo Penal, que passaria a prever que a possibilidade de prisão,
além das hipóteses já existentes, em decorrência de decisão “exarada por
órgão colegiado”. A lei passaria ainda a dizer que, “ao proferir
acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das
penas”, exceto se houver questão legal ou constitucional relevante que
“possa plausivelmente levar à revisão da condenação”.
Embora projetos de lei possam ser aprovados com mais facilidades que
emendas constitucionais, a mudança legal não afastaria em definitivo as
dúvidas sobre a interpretação do dispositivo constitucional que tanto
causa polêmica. Por isso, a melhor solução é mesmo reformar a
Constituição e colocar o peso do Congresso sobre a solução do impasse.
Já tramitam apensadas na Câmara duas Propostas de Emenda à Constituição
(PEC), de autoria dos deputados Alex Manente (CD-SP) e Onyx Lorenzoni
(DEM-RS), hoje ministro, que propõem uma nova redação para o inciso
LVII: “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença
penal condenatória em grau de recurso”.
É claro que nem mesmo uma PEC garante que se encerre de vez o
assunto, porque existe a possibilidade de o STF ser acionado sob o
argumento de que uma mudança dessa natureza violaria um direito
fundamental cláusula pétrea da Constituição. Mas, nesse caso, a
discussão muda de patamar, uma vez que não haveria tendência alguma, sob
uma interpretação razoável, de se abolir a presunção de inocência no
país. A mudança do texto não atinge a substância da garantia
constitucional. Seja como for, a execução da pena após condenação em
segunda instância é requisito de segurança jurídica, estabilidade
institucional e efetividade da lei penal. Hoje, o melhor caminho para
isso é reformar a Constituição.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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