Nem as mais sangrentas ditaduras conseguiram fazer o que o pânico com
essa doença fez. Ninguém sai de casa. J. R. Guzzo, em sua coluna no Metrópóles:
A China é distante e não emociona. A Itália é próxima e fala ao fundo do coração brasileiro. Por isso é chocante ouvir os relatos e ver as imagens da desolação sem precedentes que o coronavírus
criou entre os italianos. Todas as cidades e lugares que o brasileiro, e
gente do resto do mundo, carrega na alma e no coração, ao longo da vida
inteira, como símbolos supremos da beleza que o ser humano é capaz de
criar, foram transformadas num cenário de “Blade Runnner” – ou algum
desses filmes que retratam o mundo depois do fim do mundo.
Não há destruição. Há apenas um deserto tão angustiante como o que
resultaria de uma bomba de nêutron – aquela que, supostamente, deixava
os prédios intactos e as pessoas mortas.
A Praça São Marcos, em Veneza, só tem os pombos e os garçons dos seus
cafés onde é sempre impossível achar uma mesa – conversando uns com os
outros, em pé, no meio das cadeiras vazias. A Praça São Pedro, em Roma,
onde o Papa aparece todos os domingos, não tem viva alma à vista, e as Escadarias da Praça de Espanha estão vazias.
Não há ninguém nas Galerias Vittorio, em Milão – ou em Florença,
Napoli, Bologna. As cidades, em suma, estão mortas – elas, que até outro
dia não sabiam mais o que fazer com os milhões de turistas que ocupavam
suas ruas, cafés, restaurantes, lojas , museus, hotéis.
Nenhum bar ou restaurante abre depois das 6 horas da tarde. As
pessoas estão confinadas em suas casas, como num toque de recolher. Se
você quiser tomar um trem de Roma
a Florença, por exemplo, terá de redigir de próprio punho uma
declaração dizendo o propósito da sua viagem – e terá de ser um
propósito aceito pelas autoridades. Se você sai à rua para comprar um
maço de cigarro, pode ser detido por um policial e indagado sobre onde
vai; receberá a ordem de fazer sua compra e voltar imediatamente para
casa.
Ninguém pode chegar a menos de 1 metro de outra pessoa. Nos
supermercados e lojas, as pessoas têm de fazer filas nas ruas e só
entrar em pequenos grupos, para evitar qualquer aglomeração. Eventos
públicos estão obviamente proibidos. O campeonato italiano de futebol
parou. Não se aprovou nenhuma lei, nem houve nenhuma decisão judicial,
para permitir nada disso. O governo mandou. Os italianos obedecem.
As cenas da Itália trazem à mente pensamentos perturbadores. Nem a
mais delirante ditadura jamais faz coisas assim. Stalin não fez. A
Coréia do Norte não faz. Nem quando a Itália foi ocupada pela Alemanha,
durante a guerra, houve nada parecido. Mas tudo isso está sendo feito
numa democracia impecável. É o que acontece quando as “autoridades”
assumem o poder por conta de alguma calamidade. É um poder de 100%, que
se coloca acima de tudo, Legislativo, Judiciário e o que mais houver – e
todo mundo obedece automaticamente, sem a abrir a boca para dizer “a”,
pois a população cede ao pânico do governo e aceita qualquer coisa que
um burocrata lhe diz, dentro da ideia de que tudo o que se decide,
absolutamente tudo, é “para o seu próprio bem”. É um mundo assustador.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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