As crenças, a cultura e a mentalidade do povo e, como consequência, a
qualidade das instituições são fatores decisivos na determinação do
progresso ou do atraso de uma nação. Editorial da Gazeta:
Uma das questões mais intrigantes na história das nações é a
constatação de que países aquinhoados com terra fértil e recursos
naturais abundantes não conseguiram se desenvolver, não superaram a
pobreza e não se tornaram ricos (o Brasil é um desses casos), enquanto
outros sem recursos naturais e com solo hostil (como o Japão e Israel)
progrediram, atingiram a riqueza material e superaram a pobreza. As
razões por que algumas nações se desenvolvem enquanto outras se mantêm
no atraso e com baixo nível de bem-estar social estão entre as questões
mais estudadas pelos teóricos da economia, sociólogos e cientistas
políticos, mas também estão entre as menos compreendidas.
O Brasil oferece ao mundo um bom estudo de caso. Tendo tudo para
enriquecer e ingressar no clube das nações adiantadas, o país permanece
no atraso, na pobreza e na miséria de grande parte de sua população, com
elevado grau de desigualdade social, violência urbana, baixa renda por
habitante e um sistema de Justiça disforme e disfuncional, mesmo
dispondo de extenso território e recursos naturais ricos e abundantes. O
economista Douglass North (1920-2015), ganhador do Prêmio Nobel de
Economia de 1993, foi um dos grandes estudiosos que tentaram entender
esse problema. Ele ganhou notoriedade por suas pesquisas a respeito da
qualidade das instituições como fator decisivo para o crescimento
econômico e saída do estado de pobreza.
O elemento central para levar uma nação ao progresso econômico e ao
desenvolvimento social é a confiança da sociedade nas instituições, no
cumprimento dos contratos, nas regras sociais, na palavra empenhada e no
comportamento ético
North escreveu que as crenças, a cultura e a mentalidade do povo e,
como consequência, a qualidade das instituições são fatores decisivos na
determinação do progresso ou do atraso de uma nação. Como qualidade das
instituições ele cita, entre outros aspectos, a garantia do direito de
propriedade, a proteção dos contratos juridicamente válidos, a
estabilidade da moeda, o funcionamento regular do parlamento, a eficácia
da Justiça e a estabilidade das leis. Segundo North, essas
características nacionais fazem parte das fontes de estímulo do espírito
de iniciativa, do bom funcionamento do mercado e do crescimento do
Produto Interno Bruto, condições estas necessárias para o crescimento e a
superação do atraso.
Outro estudioso que oferece pistas importantes para o entendimento do
problema do atraso é o sociólogo e cientista político Alain Peyrefitte
(1925-1999), especialmente em sua obra A Sociedade de Confiança, que
resultou de pesquisas e observações feitas durante mais de quatro
décadas nas viagens de estudos que ele empreendeu por cinco continentes e
pelas experiências como político e como ministro na França por várias
vezes. A tese de Peyrefitte é de que o elemento central para levar uma
nação ao progresso econômico e ao desenvolvimento social é a confiança
da sociedade nas instituições, no cumprimento dos contratos, nas regras
sociais, na palavra empenhada e no comportamento ético capaz de
minimizar a incerteza e criar um ambiente no qual se sabe o que esperar
dos outros e das instituições.
Alain Peyrefitte afirma: “Foi o conhecimento do Terceiro Mundo que me
convenceu de que o capital e o trabalho – considerados pelos teóricos
do liberalismo e os do socialismo como os fatores do desenvolvimento
econômico – eram na realidade fatores secundários; o fator principal do
desenvolvimento é um terceiro, o qual chamei de terceiro fator
imaterial, ou seja, o fator cultural”. Segundo ele, a sociedade de
confiança é uma sociedade em expansão, na qual se pratica o jogo do
ganha-ganha, o indivíduo confia na autoridade, a população confia no
governo, as pessoas acreditam na Justiça, a lei protege os contratos, os
cidadãos cumprem as regras – muitas vezes sem precisar de fiscalização
ou de punição –, a corrupção é pequena, o governo é razoavelmente
eficiente e a população se sente representada pelos políticos que elege.
Contrariamente, em uma “sociedade de desconfiança”, o povo não
acredita nas autoridades, não espera que a Justiça funcione, não confia
no governo, não confia nos políticos, não acredita no Estado e, de fato,
os serviços governamentais funcionam cheios de corrupção e
ineficiência. O Brasil vive um momento em que o descrédito nas
instituições – sobretudo o descrédito no governo (em todos os governos),
no parlamento e na Justiça, e a descrença na punição de criminosos –
foi agravado e se consolidou como crença nacional, criando um ambiente
de frustração, prejudicial aos negócios e ao crescimento econômico. A
desconfiança, no Brasil, se estende mesmo aos atores não institucionais,
como descobriu em 2018 pesquisa do Latinobarômetro: apenas 4% dos
brasileiros confiam em outras pessoas, e para 84,2% dos entrevistados
apenas os parentes e amigos são confiáveis. É um cenário desolador que
entidades como o Instituto Sivis estão tentando mudar por meio de
iniciativas como o Cidade Modelo.
Em 2018, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) divulgou estudo sobre a economia brasileira no qual afirma que o
crescimento econômico somente seria possível se o país fosse capaz de
executar melhorias, especialmente quanto à ampliação da liberdade
econômica, reestruturação do mercado de crédito, priorização do setor
privado como motor do crescimento, aumento da eficiência do governo e
combate à corrupção endêmica que há tempos vem destruindo a ética
pública. Pelos estudos e pesquisas de autores isolados ou pelos
relatórios de organismos internacionais chega-se à conclusão de que um
dos elementos essenciais para explicar a pobreza e o atraso do Brasil é a
má qualidade das instituições e a baixa taxa de confiança da sociedade
brasileira em si mesma e em suas instituições. Esse é o desafio mais
difícil de vencer, pois trata da cultura nacional, da mentalidade geral
da população e das crenças em relação ao funcionamento da sociedade e do
governo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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