Merval Pereira e os novos ricos da falecida União Soviética:
Uma das faces mais
visíveis da Rússia da era Putin é a ostentação de seus novos ricos.
Principalmente em Moscou, onde o Brasil joga amanhã no último
compromisso da fase de grupos da Copa do Mundo, uma das cidades do
planeta com maior número de bilionários. A única vez em que estive em
Moscou foi em julho de 1989, a União Soviética ainda existia, mas já
havia sinais de deterioração.
Em 1985 Mikail
Gorbachev, secretário geral do comitê central do Partido Comunista da
União Soviética, reconhecendo que a economia estava estagnada, começou
uma série de reformas que tinham apoio especialmente na Liga dos Jovens
Comunistas, e incomodavam os conservadores do Partido Comunista.
Os termos glasnost,
significando abertura, transparência, e perestroika, reconstrução,
ganharam o mundo. Não duraria mais que dois anos. No fim daquele ano, em
novembro, cairia o Muro de Berlim, sinalizando que estava prestes a
ruir o império que Winston Churchill classificou para a História como
“cortina de ferro”.
Nas ruas, dava para
notar os olhares de desprezo, ou raiva, do povo quando passavam os
carros pretos com autoridades. A primeira limusine soviética, a Zil-111,
tinha interior luxuoso, e até vidros elétricos. Havia os conversíveis, e
os Chaika, versão mais modesta que podia ser alugada para festas,
principalmente casamentos.
Usadas para
transportar membros do Politburo, órgão máximo do governo soviético, as
limusines eram objeto de desejo e repulsa da população. Hoje, as ruas
estão cheias de carros importados, 45% de todos os veículos no país.
O primeiro modelo a
ser montado na URSS foi o VAZ-2101, uma versão soviética do Fiat 124.
Popular, provocou um aumento na produção de automóveis no país. Com os
anos, o modelo foi sendo aperfeiçoado dentro dos padrões soviéticos, e
chegou a ser exportado. No Brasil foi muito popular nos anos Collor,
rebatizado como Lada Laika, em homenagem â cachorrinha, primeiro ser
vivo colocado em órbita, símbolo do avanço soviético na exploração
espacial, um dos primeiros carros chegados ao país depois de liberada a
importação, antes proibida sob o argumento de proteger a indústria
nacional. No caso dos automóveis, “umas carroças” como definiu o
presidente então eleito.
Hoje, trata-se de uma
antiguidade, mal se vê um Lada rodando em Moscou ou São Petersburgo, a
não ser um modelo usado para táxis. Nas cidades do interior, como a
Rostov onde o Brasil jogou sua primeira partida na Copa do Mundo, ainda é
possível vê-los em ação, mas em geral, os russos preferem as marcas
estrangeiras.
Atualmente, a Rússia
possui linhas de montagem da Toyota, Nissan, Ford, Renault, Mazda,
Hyundai e outras empresas globais. Os modelos estrangeiros mais
populares são o Hyundai Solaris, Ford Focus e Kia Rio, segundo
informações oficiais. Mas é normal ver-se nas largas avenidas de Moscou e
São Petersburgo, à noite, quando o trânsito permite, a exibição de
motores possantes dos Ferrari ou Porsche dos novos ricos. Mas agora os
olhares são de admiração, não de desprezo.
O mercado russo, que
conta com 250 carros a cada mil habitantes - contra os 750 carros a cada
mil habitantes nos EUA – ainda tem muito a crescer, em que pese a queda
do poder aquisitivo nos últimos anos. Durante o período soviético, a
espera por um carro podia demorar anos, a produção nacional não atendia a
demanda total do país, e as importações eram proibidas. Hoje Moscou
registra os piores engarrafamentos do mundo.
Uma exemplar
demonstração do que foi a transformação da Rússia desde o czarismo até o
capitalismo de Putin é o shopping center GUM, construção do final do
século XIX que mantém as iniciais russas do tempo dos czares e depois da
era comunista, mas com sentido inverso.
O que era estatal
virou o magazine universal principal. Mandado construir com requintes
arquitetônicos, como o teto envidraçado assemelhado aos de estações de
trens inglesas, foi estatizado após a Revolução de 1917 e transformou-se
em um grande armazém popular.
Com o fim da era
soviética, o deteriorado prédio em frente à Praça Vermelha foi
privatizado. Hoje pertencente à família Bosco, distribuidor russo de
produtos de luxo e dono de butiques, que assumiu o controle em 2005, o
GUM é exemplar da ostentação dos novos ricos russos, concentração de
marcas globais luxuosas que resume a Rússia moderna. Eleito para um novo
mandato que o fará completar 25 anos de poder, Putin tem o apoio maciço
da população, especialmente entre os jovens que, de 18 e 24 anos, com
seus iPhones de última geração ou a sensação de segurança e
estabilidade, sem maiores angústias existenciais, lhe dão 87% de
aprovação. (O Globo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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