Em entrevista ao
Estadão, o delegado Márcio Adriano Anselmo critica a PGR por tentar
reduzir a capacidade da polícia nas investigações e assumir o papel de
investigadora:
Responsável por
iniciar as investigações da Operação Lava Jato, em Curitiba, o delegado
Márcio Adriano Anselmo afirmou que o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, tenta “reduzir a capacidade da polícia” nas investigações
criminais para “se autoafirmar investigador”.
Especialista em
delações premiadas, Márcio Anselmo teve seus textos acadêmicos sobre o
tema citados pelo decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro
Celso de Melo, na decisão que referendou a legalidade do bombástico
acordo de colaboração dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do
Grupo J&F.
Atual corregedor da
PF no Espírito Santo, Anselmo pediu para sair da equipe da Lava Jato, em
2016, após a PGR exigir que polícia fosse excluída das negociações da
maior delação do escândalo Petrobrás: a dos 78 delatores da Odebrecht.
“Infelizmente no
Brasil o que se observa é que cada órgão quer realizar o trabalho do
outro e esquece do seu”, afirmou Anselmo, em entrevista exclusiva ao
Estadão.
“Se não existisse uma
investigação bem feita, com farto material probatório, não existiriam
‘delatores’. Por outro lado, se (o acordo de delação) passar a ser
utilizado de maneira indiscriminada, pode ser também motivo de
fracasso.” Leia a entrevista:
Estadão: Deve existir um limite para o número de delatores em uma investigação? Como definir isso?
Delegado Márcio Adriano Anselmo:
É difícil estabelecer um limite. A colaboração premiada é um
procedimento excepcional e como tal deve ser tratado, mas não deve ser
submetido a um limite, a depender da complexidade dos fatos
investigados. Veja por exemplo o caso da Operação Lava Jato
Estadão: O
Ministério Público Federal afirma que, por ter o monopólio da acusação
na Justiça, só ele pode fechar delação? Por que a Polícia Federal também
pode fazer acordos? E como garantir ao investigado benefícios no
processo?
Márcio Anselmo:
O MP não tem o monopólio da acusação, tanto que existe a ação penal
privada. A colaboração é um meio de obtenção de prova e não um
instrumento exclusivo da acusação. Essa postura do MP é diametralmente
oposta a adotada pelo mesmo órgão na época das discussões da PEC 37 em
que o MPF alegava que ‘quanto mais gente investigar melhor’. Chegaram a
afirmar que até cachorro investigava!
A previsão da
titularidade da PF nos acordos é expressa em lei, basta ler o texto da
lei 12.850 que trata da colaboração premiada. Nada mais óbvio, uma vez
que a colaboração é um meio de obtenção de prova.
Os benefícios são
garantidos pelo juiz no momento da sentença, quando deve ser avaliada a
efetividade da colaboração. Nessa perspectiva o acordo com o MPF também
não garante nada e nem pode garantir.
Estadão: Delações sem elementos de corroboração podem minar uma investigação?
Márcio Anselmo:
Quando são tornadas públicas antes das diligências necessárias,
certamente. Uma colaboração mal feita tem resultado extremamente danoso à
investigação, pior do que se não ela existisse.
Estadão: Quem ganha com a falta de entendimento entre MPF e Polícia sobre o uso das delações?
Márcio Anselmo:
Não é falta de entendimento, mas falta de cumprir a lei (de quem
deveria zelar pelo seu cumprimento). Infelizmente o atual PGR passou a
adotar uma postura de tentar reduzir a capacidade da polícia (que detem o
poder de investigação assegurado pela constituição) para se auto
afirmar como ‘investigador’. Se cada um cumprisse sua função
constitucional a situação seria bem melhor para o sistema de justiça
criminal.
Infelizmente no Brasil o que se observa é que cada órgão quer realizar o trabalho do outro e esquece do seu.
Não é possível que
uma colaboração seja firmada pelo Ministério Público sem sequer tomar
conhecimento dos elementos que a polícia judiciária já tem numa
investigação. Pode estar oferecendo benefícios por ‘provas’ que já estão
de posse da polícia. Quem perde com essa postura certamente é a
sociedade.
Se de um lado tem bambu e flecha, do outro só se exige o respeito a lei.
Estadão: O instituto da delação, que garantiu em grande parte o sucesso da Lava Jato, está sob risco, com os ataques ?
Márcio Anselmo:
O instituto da colaboração foi apenas um dos elementos de sucesso da
operação. Somente isso. É bom destacar que se não existisse uma
investigação bem feita, com farto material probatório, não existiriam
‘delatores’. Por outro lado, se passar a ser utilizado de maneira
indiscriminada, pode ser também motivo de fracasso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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