Otto Maria Carpeaux. |
Do ponto de vista
recente, isto é, idealista, ser humanista é acreditar que se possa mudar
o homem, algo típico da "esquerda progressista". A história fornece
exemplos trágicos dessa tentativa. Texto de Luiz Felipe Pondé, publicado na FSP:
O humanismo moderno é
idealismo, o antigo é realidade. Define assim Otto Maria Carpeaux
(1900-1978), em seu monumental "História da Literatura Ocidental"
(ed.LeYa/Livraria Cultura), a diferença entre o que seria o humanismo
antigo e o moderno. E qual a importância disso, para além do "mero"
repertório clássico?
Antes de tudo, o fato
de que, em vez de a crítica literária ficar discutindo a relação entre
literatura, banheiros e gênero, ou aquela entre literatura, classe e
raça, ela deveria estudar mais gente como Otto Maria Carpeaux.
Sem nunca atuar de
fato na academia e mantendo-se "fiel" à mídia impressa, ele já
demonstrava que, muitas vezes, é o mundo "comum" que acolhe melhor o
pensamento mais relevante.
A diferença que
Carpeaux estabelece pode nos ajudar a entender o lugar que ocupam uma
verdadeira empatia intelectual para com o sofrimento humano e suas
produções culturais (entendido, grosso modo, como humanismo). O que é
ser um humanista?
Do ponto de vista
recente, parecem-me existir dois tipos básicos de humanismo. Por
"recente", quero dizer o "moderno" ao qual se refere Carpeaux. Seguindo a
intuição do grande crítico, eu arriscaria dizer que há um primeiro,
mais associado à vocação realizadora burguesa, e um segundo, mais ligado
ao que costumamos classificar de "esquerda".
Ambos idealistas, ainda que aparentemente opostos - só aparentemente, em parte.
A semelhança dos dois
está exatamente na natureza idealista de ambos. "Idealista" aqui
significa, em primeiro lugar, crer numa ideia de humano que não existe;
em segundo lugar, imaginar que esse humano tem as rédeas do destino em
suas mãos, seja pela gestão técnica dos processos que caracterizam a
vida (engenharia, ciência), como no humanismo burguês, seja pela crença
na capacidade política e social de criar "um novo humano", como no
humanismo típico da "esquerda progressista".
O idealismo de ambos é traído pela vocação mútua à crença na perfectibilidade do homem.
O humanismo moderno,
assim, revela-se antes mais como um "projeto de homem" do que
propriamente como um olhar sobre o modo de a realidade humana se
produzir.
O humanismo moderno é idealista, o antigo é realista. Eis a diferença contemplada por Carpeaux.
E onde Carpeaux
encontra esse humanismo antigo, vocacionado a contemplar a realidade do
humano? Entre outros lugares, na tragédia ática, conhecida como tragédia
grega ateniense, que floresceu entre os séculos 6 a.C. e 5 a.C.. Entre
os dramaturgos, Ésquilo (525 a.C. - 456 a.C.), Sófocles (496 a.C. - 406
a.C.) e Eurípedes (480 a.C. - 406 a.C.).
No "diálogo" entre
esses três fundadores do teatro ocidental, Carpeaux encontra a rota
desse humanismo, de certa forma, superior ao moderno, na medida em que
olha para a realidade a partir do ser humano tal como ele é, e não tal
como achamos que ele deveria ser um dia.
A Atenas dessa época é
uma Atenas "democrática", em transformação. Uma Atenas em agonia,
imersa numa mudança de costumes, grosso modo, num conflito entre um
mundo da tradição, dos deuses, e o mundo da pólis, ou da lei humana
-agonia essa tão bem representada pela personagem Antígona de Sófocles.
Ésquilo coloca em ato
o combate entre o destino esmagador traçado pelo deuses e o desejo
humano de libertação desse destino ("Prometeu Acorrentado").
Sófocles desenha a
beleza moral de homens e mulheres que são esmagados por esse destino,
mas que tombam com dignidade ("Édipo Rei" e "Antígona").
Por fim, Eurípedes,
"tragikotatos" ("o maior de todos os poetas") segundo Aristóteles (384
a.C. - 322 a.C.), encontra diante de si o indivíduo sozinho, que
enfrenta deuses, polis, família, emoções e obrigações sociais e perece
no combate contra todos eles ("Medeia").
A luta contra o
destino, mediante o avanço da técnica, e o desastre implícito nesse
avanço, a derrota diante do que é sempre maior do que nós (a cidade, a
religião, a lei, as obrigações e mentiras sociais), a infinita fúria
presente na vida dos afetos, impermeáveis à razão.
Enfim, o que existe exatamente de novo embaixo do sol?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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