Os acordos de leniência,
argumentam Carlos Fernando dos Santos Lima e Roberson Pozzobon,
procuradores da República no Paraná, "devem defender o interesse público
primário do Estado brasileiro; jamais o interesse secundário de
efêmeros governantes":
Desde o seu início, a
Lava-Jato enfrenta a guerra suja de narrativas que a tentam vincular a
interesses político-partidários. Luta também contra investidas
legislativas que buscam cercear seus instrumentos de investigação.
Contudo, apoiados pelo povo, os trabalhos prosseguiram e hoje revelam o
motivo de tantos ataques: o sistema político brasileiro está apodrecido
pela corrupção, carcomido pelo crime.
E uma das principais
batalhas travadas é a da celebração de acordos de leniência pelo MPF. De
um lado, o governo, apostando em um grande acordão perante a antiga CGU
onde todos seriam salvos: empresas, executivos, agentes públicos e
políticos. De outro, a força-tarefa empenhava-se em celebrar acordos de
leniência para o aprofundamento das investigações.
Agora Emílio
Odebrecht coloca luz sobre os podres porões onde essas batalhas foram
travadas, e revela que o governo anterior editou, a mando e ordem dele, a
nefasta MP 703. Essa medida provisória, assinada no final de 2015,
mudava a Lei Anticorrupção para pior, permitindo acordos do governo com
todas as empresas envolvidas, o pagamento de multas ínfimas e a
desobrigação de revelar fatos novos a respeito da organização criminosa.
Os políticos à época,
endossados por funcionários públicos marionetes e comentaristas
ingênuos — só que não tão ingênuos assim — diziam que o objetivo era
salvar empregos. Mentira! Era impedir que o MPF celebrasse acordos que
revelassem o profundo comprometimento de uma casta corrupta há muito
tempo incrustada no poder.
Felizmente não
conseguiram aprová-la, graças à reação da população em resposta aos
apelos da Lava-Jato. Com isso, o MPF teve tempo para, com técnica e
cuidado, celebrar os importantíssimos acordos de leniência e
colaboração, que hoje revelam o alto grau de putrefação no trato da
coisa pública em nosso país. Citando apenas o mais recente, os acordos
de colaboração e leniência de executivos e empresas do Grupo Odebrecht
envolveram um terço dos ministros e senadores e praticamente a metade
dos governadores atuais.
Frente a isso, já que
não foi possível impedir que a verdade viesse à tona, agora que os
acordos de leniência do MPF são fato consumado, o que se vê é o desejo
de prejudicar as empresas que colaboraram. Pretendem que as empresas que
abriram suas caixas de pandora sejam punidas para que se tornem
exemplos a não serem seguidos.
Para que as
verdadeiras causas da corrupção possam ser enfrentadas, é fundamental
que os agentes públicos repensem suas premissas. Manifestações como a da
ministra da AGU, Grace Mendonça, de que os acordos com o MPF não
destravam o crédito junto ao BNDES, ou do presidente da Petrobras, Pedro
Parente, de que esses mesmos acordos não são suficientes para retirar
as colaboradoras da lista de empresas impedidas de contratar, podem ser
apenas equívocos, mas também estar alinhados com o desejo de estancar
danos aos políticos e ao governo.
Os acordos de
leniência devem defender o interesse público primário do Estado
brasileiro; jamais o interesse secundário de efêmeros governantes. E é
justamente por isso, por serem celebrados por um órgão de Estado, e não
de governo; por uma instituição independente e não vinculada a
interesses partidários, que acordos celebrados pelo MPF devem prevalecer
aos demais. Não é razoável que outras instituições tomem medidas
punitivas, como multas e declaração de inidoneidade, sobre aqueles que
celebraram o acordo com o MPF.
De outra forma seria
admitir que o Estado brasileiro é esquizofrênico, com múltiplas
personalidades, umas tentando alcançar o interesse público, e outras
torpedeá-lo. (O Globo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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