MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Apelo à juíza que negou o desbloqueio que pagaria os salários dos servidores


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Salário é um direito considerado de “natureza alimentar”
Jorge Béja
Perdão, doutora Cleyde Muniz da Silva Carvalho, meritíssima Juíza Federal Titular da 6a. Vara Federal de São João de Meriti. Mas aos 70 de idade e 45 de militância ininterrupta da advocacia no Rio, sou obrigado a lamentar a decisão que a senhora proferiu neste 27 de Dezembro, na Ação Civil Pública em que seis defensores públicos do Estado do Rio de Janeiro pediam a concessão de liminar para o desbloqueio do dinheiro do salário do funcionalismo público do Estado. Após reconhecer “a plausibilidade da tese deduzida quanto à inviolabilidade constitucional de autossatisfação do crédito garantido por vinculação orçamentária…”, ou seja, após reconhecer o bom direito defendido pelos seis defensores públicos, a senhora assim decidiu, a respeito da concessão da liminar:
“Na esteira de tal raciocínio, deixo de apreciar, por ora, o pedido de liminar e determino a intimação das partes (União e Estado do Rio de Janeiro) para que no prazo de 15 (quinze) dias corridos, a contar a partir da intimação da presente decisão, realizem, em âmbito administrativo, tratativas voltadas a um possível entendimento, para solução do problema pela via conciliatória, mediante realização de reuniões ou outros contatos que contem com a efetiva participação de pessoas com poderes para negociar e celebrar acordo, informando ao juízo, no mesmo prazo, o resultado das tratativas”.
EM VEZ DE LIMINAR, CONSELHO – Não, doutora Cleyde, a petição dos defensores não pediu conselho, mas a intervenção do Judiciário. É verdade que a via conciliatória é sempre a mais recomendada e que deve ser seguida. Não para quem trabalhou, não recebeu salário e ficou sem dinheiro para se alimentar e pagar suas dívidas.
Que reação teriam mãe e filho que passam fome, vão à Justiça com ação de alimentos contra o marido da mulher e pai da criança, pedem liminar para obrigá-lo à supri-los com necessário à sobrevivência, e a Justiça, ao invés de imediatamente obrigar o devedor a cumprir com suas obrigações de marido e pai, manda que os três (pai, mãe e filho) se reúnam e, em 15 dias, decidam conciliar e se entenderem e depois informem ao juiz o que ficou resolvido?
QUESTÃO RELEVANTE E URGENTE – Quando mãe e filho decidiram ir à Justiça é porque não houve entendimento, doutora Juíza. É porque o varão e pai já não cumpre com suas obrigações naturais para com a esposa e filho. Ele é desobediente. Não tem piedade. É um monstro, por ver mulher e filho à míngua e cruza os braços. E, acionada, a Justiça ainda manda que todos se reúnam em 15 dias para resolverem amigavelmente a questão!
Não, doutora Juíza, o seu nobre ofício judicante não está imune e a salvo da crítica construtiva. A questão levada à senhora pelos defensores públicos do Estado do Rio de Janeiro é da maior relevância. É urgente. Diz respeito à sobrevivência humana. Leva às doenças, desgraças e desespero. Causa a morte. A vida, doutora Juíza, é o bem número um e o mais precioso. E vida com saúde. Vida sem saúde é vida moribunda. O vivo sem saúde é um vivo prestes a morrer. Um vivo-morto. E é o dinheiro a mola-mestra que dá condições de sobrevivência à pessoa humana.
Daí demandar a intervenção, rápida e enérgica da Justiça, para amparar o funcionalismo do Estado que não recebe salário.
Salário é alimento, doutora juíza. Pensão, também. Está na Constituição Federal (artigo 100, § 1º – A). E tem esta redação:
Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações…”. E salário e pensões são impenhoráveis. Não podem sofrer a mínima constrição, judicial ou não. É uma garantia que sempre esteve no Código de Processo Civil. Neste novo CPC de 2015, a proibição de penhorar (ou arrestar, bloquear, indisponibilizar, seja lá o nome que se queira usar) está no artigo 883, IV, com esta redação:
São impenhoráveis… IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões...”.
PERVERSIDADE OFICIAL – O que o Estado Brasileiro está fazendo com seus súditos, com o funcionalismo do ERJ e de outros Estados é de uma brutalidade social e jurídica gritante. O fato do dinheiro se achar na conta do Estado-patrão não o desnatura. Sua destinação é para pagamento do salário do funcionalismo, destinação primeira, a mais importante e a mais essencial. O funcionalismo público do RJ não está pedindo favor. Menos ainda piedade. O que pedem é o recebimento do salário referente aos meses trabalhados. Nada mais que isso. É o mínimo a que eles têm direito.
E o dinheiro está na conta do Estado, que dele é mero depositário e repassador para as contas do funcionalismo. Interromper, com penhora, arresto ou bloqueio, essa cadeia, esse itinerário, até que o dinheiro chegue à conta dos funcionários, é rigorosamente ilegal e indiscutivelmente desumano. É perversidade oficial.
Pior ainda porque a privação parte da União, que nada mais é do que um grande pater-familiae que não pode permitir que parte de seus filhos e súditos se vejam privados da mínima condição de sobrevivência e outros não. A distribuição do dinheiro público é para todos, filhos que economizam e filhos pródigos. Um pai não pode permitir que alguns de seus filhos recebem o necessário para a sobrevivência e outros não.
DÍVIDA DO ESTADO, NÃO DO SERVIDOR – O dinheiro, meritíssima Juíza, não é municipal, não é estadual nem federal. O dinheiro é nacional. Logo, aos nacionais brasileiros pertence. Se o Estado do Rio de Janeiro é devedor da União, não é justo, não é humano, não é legal, não é constitucional que o dinheiro do Estado-membro seja apreendido para quitar a dívida, sem dele descartar, antes, o montante destinado a pagamento de salário do funcionalismo, que é impenhorável.
Na prática, o funcionalismo do RJ está pagando, caro e com o risco de vida, por uma dívida que o funcionário não contraiu. E mesmo se tivesse contraído, seu salário jamais poderia ser penhorado, ou arrestado, para pagamento do débito.
Ao longo dos anos li e advoguei muito. Foi a profissão que desempenhei dignamente, sem uma mácula em meus  registros na OAB. Li e aprendi que arrestos, sequestros, penhoras, bloqueios (e/ou indisponibilidade) de bens e outras providências congêneres, são medidas cautelares judiciais. Somente a Justiça, a Magistratura, tem o poder de determiná-las, desde que provocadas à prestação jurisdicional.
Vejo que a Ação Civil Pública que os defensores públicos do ERJ entregaram à Justiça é dirigida contra a União e o Estado do Rio de Janeiro. Então, estamos diante de um bloqueio ordenado pela União, vitimando o funcionalismo do Estado e o próprio Estado do RJ. E o Executivo não tem este poder de penhorar, arrestar e bloquear e que somente à magistratura, ao Poder Judiciário é conferido. Mesmo na eventualidade de lei que assim permita, tal lei é inconstitucional, por outorgar ao Executivo nacional um poder e uma prerrogativa que somente o Judiciário detém.
QUE A LIMINAR SEJA CONCEDIDA – Não, meritíssima Juíza. Ao ler ontem no O Globo que a Defensoria Pública do Estado tinha recorrido à Justiça Federal em defesa do funcionalismo público, fiquei aliviado. Mas ao ler hoje a decisão de Vossa Excelência, que deixa de conceder a liminar para que as partes (Estado e União) se entendam primeiro, confesso que tomou conta de mim aquele sentimento que Corneille escreveu no Le Cid  “resto imóvel, com minha alma abatida”.
E como cidadão brasileiro, advogado e solidário com o sofrimento do funcionalismo público do Estado do Rio de Janeiro, rogo a Vossa Excelência que,  de ofício, reconsidere a decisão que aconselhou Estado e União a se sentarem na mesa de conversação para resolverem a questão — aconselhamento, aliás, sem qualquer consequência se não for atendido –, para o fim de deferir a liminar determinando o desbloqueio e a liberação do dinheiro para o pagamento do salário do funcionalismo público estadual, seja nos limites do pedido formulado pela Defensoria Pública e até mesmo fora deles, uma vez que a questão é de ordem pública e reclama urgência e criatividade do julgador.
Por fim, fica registrado que  a concessão da liminar só trará benefício à saúde e à vida do funcionário. E na eventualidade de a liminar vir a ser reformada mais tarde pelo Tribunal, tanto não representará o menor risco ou prejuízo para funcionalismo, que não estará obrigado a devolver o dinheiro-salário, uma vez que vige entre nós o princípio segundo o qual o que se recebeu a título de alimentos não se repete. Ou seja, não se devolve.
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