Lee Kuan Yew, líder fundador da cidade-estado, garantiu crescimento recorde ao local
Cingapura, mesmo com
suas peculiaridades, seguiu uma trajetória que fornece alguns
ensinamentos a outros países. Sob a tutela de Lee Kuan Yew, morto no mês
passado aos 91 anos, saiu do terceiro para o "Primeiro Mundo", e
conquistou um PIB de 7% ao ano, em média, por quatro décadas. Apesar do
modelo restritivo aos civis, do ponto de vista econômico, a total
abertura comercial favoreceu o crescimento, apontam economistas.
"A
esta altura do ano da graça de 2015 e em meio as nossas dúvidas sobre o
horizonte dos rumos nacionais, é grande o número de opiniões a
circular, em geral calcadas, como nos é tradicional, em exemplos
estrangeiros. Indicam-nos os mais diversos modelos e alertam-nos para a
inconveniência de outros tantos. Aconselham-nos a seguir ou a evitar
tais ou quais passos que estão em voga. Mas em geral a fonte das ideias
gira em torno da Europa, dos Estados Unidos ou de vizinhos da América
Latina", diz J. Martins Oliveira na abertura de seu artigo Um exemplo
melhor para o Brasil, no qual ele discorre sobre a trajetória do líder
fundador e ex-primeiro ministro de Cingapura, Lee Kuan Yew, que deixou
suas memórias no livro
The Singapore story.
Martins
Oliveira, então, aponta os méritos de Lee, que "conseguiu em três
décadas catapultar Singapura 'do terceiro para o Primeiro Mundo", sob
condições adversas, "sem espaço territorial além de uma ilha
superpopulosa, sem recursos naturais e povoada por uma massa de
imigrantes poliglotas com poucos traços em comum". Aponta em seguida o
grande sucesso econômico, com o PIB a 7% de crescimento ao ano, em
média, por quatro décadas. Chama a atenção do articulista também a
prática da cidade-estado com seus ministros, os mais bem pagos do mundo
para atrair talentos do setor privado e coibir a corrupção.
"Tudo
aqui (no Brasil) é completamente diferente de Singapura, mas o que diz
Lee Kuan Yew em sua história tem muita coisa a ser considerada", conclui
Martins Oliveira.
Adriano Gianturco, professor dos cursos de
Economia e Relações Internacionais do Ibmec, destaca que, basicamente, o
que aconteceu em Cingapura é que a cidade-estado adotou um dos modelos
mais abertos de mercado, com liberdade econômica para importações e
exportações. "Cingapura tem 400% de importação em cima do PIB, algo
incrível. O Brasil, que tem políticas muito protecionistas, tem 12,6% de
importações e exportações, somadas, em cima do PIB. Cingapura tem 200%
só de importações. Então, importa muito, e exatamente por isso é um país
muito rico."
Gianturco chama atenção para o fato de ser um "fator
indispensável" a países pequenos se abrir ao mercado, pela pouca
vantagem comparativa a outros países. "Eles precisam necessariamente se
abrir, fortalece os negócios, isso em termos de abertura econômica.
Cingapura está entre os mais abertos. No que se refere às liberdades
civis e individuais, na área mais política, é um modelo muito
autoritário, muito restritivo, podemos falar, conservador. Tem
penalidades fortíssimas para crimes. Por outro lado, do ponto de vista
econômico, tem uma abertura quase total."
Os países mais fechados,
continuou o professor, são geralmente os maiores, como Brasil e Rússia.
"Em Cingapura, eles tentaram um modelo diferente e não deu certo, e aí
entenderam que a única alternativa era se abrir. E isso foi feito de
forma burocrática, política, de cima para baixo. Lá, foi um planejamento
muito pró-mercado."
Para o professor, no Brasil, existe esse mito
de que importar é muito ruim. O protecionismo, então, gera uma exclusão
comercial, com produtos caros e de baixa qualidade, com tendência a
oligopólios e monopólios. "O Brasil é uma economia de monopólios, de
preços altíssimos e qualidade péssima em qualquer produto. O Brasil,
sendo tão grande, pode se dar o luxo de se fechar e postergar essa
necessidade de se abrir, que é uma necessidade, em todo o caso."
Martins
Oliveira, em seu artigo, destaca que poucos governantes personificaram e
dominaram seus países como Lee, "talvez Fidel Castro", diz, "que não
rivaliza com os feitos de Lee". Para Gianturco, Cuba e Cingapura
representam dois modelos absolutamente diferentes. Cingapura não é um
modelo exatamente liberal, devido ao autoritarismo entre os civis, mas o
é do ponto de vista econômico. "A minha esperança é que, depois da
ditadura Castro, Cuba possa se abrir e representar uma Cingapura dos
Caribes", destaca Gianturco.
Geraldo Biasoto Jr., professor
licenciado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas, salienta que um dos aspectos em relação a Cingapura é que
trata-se do desenvolvimento de uma Cidade-Estado, muito diferente do que
é desenvolver um país em âmbito continental. Além disso, há uma certa
situação ditatorial em Cingapura, que é aberta comercialmente, mas com
"uma mão de ferro do governo", então "não é um Estado efetivamente
democrático".
Cingapura, contudo, aponta Biasoto, de fato,
apresenta lições para o Brasil. Primeiro, o fato de que eles se
preocuparam desde sempre com a indústria. A participação da indústria de
Cingapura dentro do PIB é de 26%, mais que o dobro da brasileira, "não
deveria ser assim, afinal de contas, não há nem espaço para ter
indústria". Outro aspecto é em relação à educação, para o professor, dá
para ver em toda a trajetória do líder Lee que sempre houve uma
preocupação com mérito e com educação.
"Cingapura tem um parque
de logística de transportes, que é absurdo, dos mais movimentados do
mundo. Uma coisa que foi muito importante para eles foi a questão
financeira, como eles abriram para ser um centro de finanças, e houve
uma espécie de revoada de controles financeiros de outros países para se
instalarem em Cingapura, eles ganharam densidade nisso, e uma coisa
atraiu a outra", destaca Biasoto.