*João Carlos Loebens
Os
R$ 50 bilhões de corte de gastos públicos, em vez de serem cortados das
despesas primárias que afetam milhões de pessoas de renda menor,
poderiam ser cortados do R$ 1,7 trilhão apropriado anualmente pela
parcela da sociedade de renda elevada, o próprio mercado.
O
mercado está pressionando o governo por corte de gastos. Afinal, quais
gastos devem ser cortados? Podemos agrupar os gastos públicos em três
grandes grupos: gastos primários, gastos tributários e gastos com juros.
Quais desses gastos devem ser cortados?
Os
gastos primários referem-se à Saúde (SUS), Educação (universidades,
escolas), Previdência, Benefícios Sociais (Seguro-desemprego),
construção e manutenção de estradas, dentre outros,representando os
serviços públicos mais usados e necessários para a população de menor
renda.
Os
gastos tributários referem-se aos recursos públicos, na forma de
impostos, que o governo autoriza a ficarem com os empresários. Na
prática, os empresários cobram os impostos dos consumidores e repassam
ao governo.
Nos
gastos tributários, também denominados Renúncias, Incentivos ou
Benefícios Fiscais, o governo autoriza os empresários a se apropriarem
de parte ou do total de impostos pagos pelos consumidores. Dessa forma,
esses gastos públicos também poderiam ser denominados Bolsa Empresário, e
representam um serviço público mais usado por parcela da população com
renda elevada.
Os
gastos com juros são os valores pagos pelo governo a título de juros da
Dívida Pública, valores que o governo toma emprestado do mercado, das
pessoas que tem dinheiro sobrando para emprestar ou aplicar em títulos
da Dívida. Os pagamentos de juros concentram-se em parcela da população
com renda muito elevada. Essa parcela de pessoas com rendas elevadas são, na prática, o tal mercado.
Qual desses gastos deve ser cortado? Ou a pressão do mercado é por corte nos três tipos gastos?
Embora
tenhamos o novo arcabouço fiscal, a pressão pelo corte de gastos se
origina na Emenda Constitucional 95/2016, denominada de Teto de Gastos,
que na verdade resulta em Corte de Gastos. Por que a EC não foi
denominada “Corte de Gastos”? Teto é um nome mais “aceitável” que Corte,
mas o nome Teto acabou por esconder o Corte naquele momento. Nesse
sentido, em vez de denominar a EC pelo nome de Teto de Gastos, o mais
indicado seria denominá-la de Corte de Gastos, como está ocorrendo
agora.
Na
EC do Teto de Gastos, que na verdade é Corte de Gastos, quais dos três
grupos de gastos citados acima (gastos primários, gastos tributários e
gastos de juros) foram incluídos no Teto/Corte?
O
normal é ninguém se fazer essa pergunta, porque parece ser uma pergunta
absurda, descabida. É óbvio que (todos) os gastos estão no Teto/Corte!
Deveria ser óbvio, mas não é. Somente os gastos primários foram
incluídos no Teto/Corte, justamente os gastos públicos mais utilizados e
necessários para população de baixa renda.
Os
detentores de rendas elevadas mantiveram os gastos tributários (Bolsa
Empresário) e gastos com juros intocados. E quanto representam esses
gastos públicos por ano com essa parcela da população com renda elevada?
Valor
dos Gastos Tributários: em função da pressão do mercado pelo corte de
gastos (gastos primários, óbvio), em sentido contrário ao programa de
governo apresentado antes das eleições, o Ministério da Fazenda
divulgou, pela primeira vez, o valor do Bolsa Empresárioprevisto para
2024: R$ 546 bilhões (gastos tributários, Renúncias, Incentivos ou
Benefícios Fiscais).
Escolho
o termo Bolsa Empresário em conformidade ao termo Bolsa Família. Outra
alternativa seria alterar o nome do Bolsa Família para Benefício
Família, em conformidade ao termo Benefício Fiscal.
Já
os gastos com juros em 2023 foram de R$ 614 bilhões, valor superior aos
gastos em Saúde, Educação e Assistência Social somados.
Dessa
forma, somando os gastos do governo com o Bolsa Empresário (R$ 546 bi)
mais os gastos com juros (R$ 614 bi), chegamos a R$ 1,1 trilhão por ano.
A expectativa do mercado é de um corte de gastos em torno de R$ 50 bilhões. Se
o corte de gastos exigido pelo mercado não fosse aplicado às despesas
primárias e fosse aplicado ao Bolsa Empresário e aos gastos com juros,
parece que seria mais fácil atingir o objetivo.
Além
do Bolsa Empresário e do pagamento de juros, caberia levar em
consideração o valor do desvio privado de recursos públicos (sonegação).
Considerando que o consumidor paga o imposto no ato da compra, no caixa
da empresa há recursos públicos (impostos). Se esse imposto existente
no caixa da empresa não é recolhido ao Estado, constitui um desvio de
recursos públicos, denominado de sonegação (maiores detalhes no artigo “Corrupção pública versus corrupção privada”).
O
sonegômetro estima o valor do desvio privado de impostos em
aproximadamente R$ 600 bilhões por ano, desvios que também se concentram
em parcela da sociedade com renda elevada,em benefício próprio
obviamente.
Resumindo: Bolsa Empresário (Renúncia fiscal) no valor de R$ 546 bilhões;
juros da dívida no valor de R$ 614 bilhões e sonegação (desvio privado
de recursos públicos) no valor de R$ 600 bilhões, totalizando
aproximadamente R$ 1 trilhão e 700 bilhões por ano de recursos públicos.
Esse enorme valor éapropriado por uma pequena parcela de pessoas com
renda elevada, normalmente denominada elite econômica, e que na prática é
o tal mercado. Como dinheiro é poder, também podem ser denominados pelo
termo oligarcas.
Com esse nível de concentração de renda, fica difícil, para não dizer impossível, o Brasil crescer.
A
ciranda é essa: no Bolsa Empresário se apropriam de R$ 546 bi, e no
desvio privado de recursos públicos (sonegação) se apropriam de outros
R$ 600 bi. Emprestam parte ao governo (que renunciou a essa receita), e
se apropriam de mais R$ 614 bi na forma de juros pagos pelo ente
público, com impostos pagos pelos demais. Ciranda fácil e prejudicial ao
país.
Os
R$ 50 bilhões de corte de gastos públicos, em vez de serem cortados das
despesas primárias que afetam milhões de pessoas de renda menor,
poderiam ser cortados dos R$ 1.700 bilhões de reais (R$ 1,7 trilhão) que
são apropriados anualmente pela parcela da sociedade de renda elevada, o
próprio mercado.
(*) Professor, auditor fiscal do RS e integrante do Instituto Justiça Fiscal
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