O sentimento anti-elites é um fato e é global. A ignição? Cada novo caso
de corrupção, cada novo caso de nepotismo e cada novo caso de marxismo.
Do Groucho, não do Karl. Pedro Gomes Sanches para o Observador:
O Big Brother faz 20 anos e a TVI resolveu celebrar a data com uma
nova edição do programa. Dizem os especialistas que o Big Brother
revolucionou a televisão. Revolucionou é a palavra. Das revoluções não
se pode esperar nada de bom. Seguro é que nestes 20 anos o Big Brother
fez escola. O país, esse, perdeu o escol.
Vamos nós primeiro ao que fez escola e depois ao escol, já que muito escol preferiu ir pouco à escola.
O Big Brother inaugurou um género televisivo onde as massas ganharam
protagonismo. Os modos de falar, as mundividências – e já agora a
ausência de mundo e de vidências também –, as egomanias e as
artificialidades e sobretudo as emoções dos homens e das mulheres comuns
ganharam palco. E os que estavam em casa, entre os que se reviram e os
que se reviraram, identificaram-se por simpatia ou por rejeição.
Neste caminho, o que a televisão – então o alfa e o omega da
comunicação social, depois que o video killed the radiostar – encontrou
na sobreexposição da humanidade com as suas virtudes e os seus defeitos,
que sempre tinha calado ou exibido com pudor, foi um filão torrencial
de receitas. As massas nunca prescindiram do circo e os donos do circo
nunca prescindiram da “massa”.
Entretanto, 20 anos volvidos, as redes sociais deram a cada um de nós
a ilusão da produção, da realização e da interpretação do nosso próprio
reality show. Dos spots da moda, da comida, dos gins, dos sentimentos à
flor da pele à pele dos pés descalços na praia, cada cidadão é agora
personagem principal da sua história. E do topo do seu perfil, qual
banco no speaker’s corner, grita a sua inconsequente indignação e
espalha a sua “verdade”.
Mas do escol, esta elite decadente que nos tem governado, o pior ainda estava para vir.
De pequenos canastrões, aldrabões de tasca, que plagiam textos e
inventam habilitações, zelosos no tratamento deferente de “doutor”, para
se alcandorarem numa qualquer ponta do poder a grandes artistas,
ladrões de palácios, que fazem exames aos Domingos e compram títulos de
“engenharia”, empenhados numa estratégia global de poder, todos
partilharam a mesma gamela. A isto o país dos brandos costumes assistiu
num misto de dormência e indulgência; e vá, nalguns redutos, com alguma
fúria e escândalo.
A verdade é que desde o ex-primeiro-ministro do
partido-dono-disto-tudo, passando pelos melhores gestores
disto-tudo-e-arredores e pelos juízes acima-disto-tudo, ao enfático
dono-disto-tudo, todos se arrastam hoje – arrastando com eles a decência
e a esperança do país – pelos intermináveis e labirínticos corredores
dos tribunais.
Não surpreende, portanto, o discurso anti-sistema que vai ganhando
terreno um pouco por todo o lado. O sentimento anti-elites é um facto e é
global. E tem no palco das emoções e na ligeireza das “verdades”
proclamadas em 140 caracteres do Twitter o combustível para crescer e
provocar danos irreparáveis à democracia liberal. A ignição? Cada novo
caso de corrupção, cada novo caso de nepotismo e cada novo caso de
marxismo. Do Groucho, não do Karl: em que as regras e os princípios se
mudam em favor dos interesses de circunstância, num atropelo às mais
elementares regras do Estado de direito. A fogueira? Como alguém dizia –
não me lembro agora quem – “nós não somos de esquerda nem de direita,
vimos de baixo e vamos tomar os vossos lugares aí em cima.” No fim, um
Napoleão.
Tenho insistido aqui no Observador, em várias passagens de alguns
artigos, nos riscos de transformar o debate político numa caixa de
ressonância das emoções. Os populistas são pródigos nisso. Gustave Le
Bon, tão atentamente lido no início do sec. XX, bem percebeu que se
dominam mais facilmente os povos excitando as suas paixões do que
cuidando dos seus interesses. Em 1994 um ilustre presidiário disse: “Me
dêem uma chance de ser presidente que eu faço em quatro anos o que a
elite não fez em 40.” O presidiário? Luís Inácio Lula da Silva. Resta
saber quem será o próximo.
Das “órgias” de estupidez dos concorrentes do Big Brother às orgias
de poder das elites, venha o Diabo e escolha. Nós, enquanto país, vamos
com o Diabo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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