O sentimento de culpa não integra a estrutura de consciência do
esquerdista, e isso faz com que os males políticos por ele cometidos
sejam mais profundos e destruidores que os demais. Artigo de Flavio
Gordon, colunista da Gazeta:
Quando, inspirado no filme Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino,
Marcelo D2 sugeriu que fosse retalhada uma suástica na testa de todo
direitista do país, seguia apenas, sem o saber, uma velha tradição
revolucionária: a de lançar no adversário a pecha de “fascista” para
legitimar o uso da violência contra ele. Quando Stalin ordenou que uma
picareta fosse cravada no crânio de Trotski, era de um “fascista” que
alegava estar livrando o planeta.
É também via esse expediente que, no Brasil, liberais e conservadores
– ou quem quer que a esquerda assim o defina – têm sido vítimas de
agressão física já há alguns anos, em uma sucessão de casos que,
curiosamente, não repercutem e não sensibilizam o grosso da nossa
imprensa. Pelo contrário, há jornalistas que, inclusive, endossam
eventos que celebram a facada de que foi vítima o então candidato Jair
Bolsonaro nas eleições de 2018. Tudo, é claro, com a justificativa (quer
manifesta publicamente, quer acalentada intimamente) de que a vítima
era, afinal de contas, um “fascista”, e de que, portanto, mereceu.
Na década de 1970, em debate por cartas com o historiador socialista
E. P. Thompson (1924-1993), o filósofo polonês Leszek Kolakowski
(1927-2009) comentou sobre aquele típico modus operandi: “Um fascista
era, por definição, uma pessoa que por acaso tivesse estado na prisão em
um país comunista. Os refugiados da Tchecoslováquia de 1968 às vezes
eram recebidos na Alemanha por esquerdistas bastante progressistas e
absolutamente revolucionários, que seguravam cartazes dizendo ‘o
fascismo não passará’”.
E, antes disso, o romancista Arthur Koestler (1905-1983),
ex-comunista como Kolakowski, já explicara como a estratégia foi traçada
nos anos 1930 por Stalin e Willi Münzeberg (“o milionário vermelho”)
com o objetivo de dourar a pílula do comunismo, vendido a partir dali
como mero discurso humanista e antifascista: “A noção de que alguma vez
pregáramos a revolução e a violência deveria ser ridicularizada como um
espantalho, refutada como uma calúnia espalhada por reacionários
maliciosos. Já não nos referíamos a nós mesmos como ‘bolcheviques’, nem
mesmo como comunistas – e o uso público da palavra era agora reprovado
dentro do partido. Éramos apenas honestos, humildes e pacíficos
antifascistas e defensores da democracia”.
Como mostro no meu livro A Corrupção da Inteligência, os militantes
da esquerda revolucionária imaginam-se sempre como feras acuadas. Sua
violência política é sempre pensada como reação. E, mesmo quando exercem
o poder das maneiras as mais implacáveis, se veem sempre como vítimas
de um poder anterior que justifica suas ações. “Não foi uma criatura
humana que matei, foi um princípio!” – refletiu Raskolnikov em Crime e
Castigo, encarnando à perfeição a forma mentis revolucionária.
Com efeito, o sentimento de culpa não integra a estrutura de
consciência do esquerdista, e isso faz com que os males políticos por
ele cometidos sejam mais profundos e destruidores que os demais. Não é
obra do acaso que os comunistas tenham sido, por um lado, os principais
formuladores de um discurso de indignação moral contra os males do mundo
e, por outro, os maiores perpetradores desses males, brindando a
humanidade com um festival de horrores de dar inveja ao próprio Satanás.
Há duas coisas que o comunismo faz sempre em escala industrial:
denunciar e matar. E a tática de acusar os outros de fascistas cumpre
essa função de anestésico psicológico para a prática do mal.
O militante de extrema-esquerda vê a eliminação dos “fascistas” como
um dever sacrossanto. E “fascistas” são todos aqueles que essa própria
extrema-esquerda define como tal. Quando o professor da UFRJ Mauro Iasi,
citando um poema do stalinista Bertolt Brecht, ansiava por “uma boa
bala” e “uma boa cova” para os conservadores, não estava brincando. Tudo
o que o impede, e os militantes do seu partido, de exterminar seus
adversários políticos são as contingências históricas. Se não
concretizam os seus planos genocidas, é tão somente por lhes faltar
poder para tanto, jamais por alguma consideração de ordem moral (que,
ademais, desprezam como arcaísmo burguês e judaico-cristão).
Como admitiu certa vez o linguista comunista Marcos Bagno, após
antecipar Marcelo D2 e confessar seus “sonhos eróticos” de retalhar uma
suástica na testa de cada apoiador do impeachment de Dilma Rousseff:
“Ah, que delícia! E como é bom não ser cristão: culpa zero!”
Culpa zero! – eis a síntese da mentalidade extremo-esquerdista.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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