A grande ameaça para a
produção de cacau na América Latina nunca esteve tão perto das
plantações brasileiras. Desde que um foco da praga chamada de monilíase
foi confirmado no município de Filadélfia, na Bolívia, em janeiro deste
ano, os pesquisadores afirmam que é apenas uma questão de tempo até
invadir plantações brasileiras.
A doença ameaça causar
um dos piores desastres fitossanitários e econômicos da agricultura. A
plantação afetada fica a poucos quilômetros de Brasiléia, no Acre.
Segundo especialistas em defesa agropecuária, o fungo causador da doença
se propaga com o vento e pode chegar a qualquer momento no Brasil.
“Se o risco antes já
era alto, agora ele está batendo na nossa porta. Apesar de ainda não
estarmos em Estado de Alerta oficial, já estamos em uma situação de
atenção fitossanitária. É como se a gente ligasse a luz amarela. E, a
qualquer momento, pode ser decretado o Alerta Fitossanitário na Bahia e
em outros estados do Brasil. O Acre já decretou”, afirma Catarina Cotrim
Mattos, coordenadora do Programa de Prevenção à Monilíase do Cacaueiro
da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).
O foco está numa região
de grande fluxo de pessoas, o que aumenta os riscos de disseminação.
“Este foco mais recente está em uma área de risco altíssimo. Existe uma
rodovia do lado boliviano com malha viária intensa, onde as pessoas
costumam circular para fazer compras. Por isso, a qualquer momento ele
pode chegar pelo trânsito de pessoas, já que o fungo pode estar na roupa
ou sapato de quem teve contato com fruto infectado”, alerta Catarina.
Infografia: Morgana Miranda/CORREIO |
Golpe fatal
As plantações com maior risco estão no Norte, principalmente no Acre e no Pará, maior produtor de cacau do Brasil atualmente. Mas, as amêndoas colhidas nestes estados são trazidas para beneficiamento nas três indústrias moageiras de Ilhéus, na Bahia, responsáveis pelo beneficiamento de 96% do cacau produzido no Brasil.
As plantações com maior risco estão no Norte, principalmente no Acre e no Pará, maior produtor de cacau do Brasil atualmente. Mas, as amêndoas colhidas nestes estados são trazidas para beneficiamento nas três indústrias moageiras de Ilhéus, na Bahia, responsáveis pelo beneficiamento de 96% do cacau produzido no Brasil.
O fungo pode vir no
fruto ou através de pessoas que tenham tido contato com o cacau afetado
no campo. Produtores rurais baianos também consideram a chegada da
doença inevitável e preocupante.
“Temos consciência de
que não vamos conseguir evitar a entrada da monilíase. Esse fungo vai
comprometer por completo a retomada da região. Chegando, vai ser o golpe
fatal na cacauicultura do estado da Bahia. Se chegar do jeito que o
setor está, a cacauicultura fecha as portas”, alerta o vice-presidente
de Desenvolvimento Agropecuário da Federação de Agricultura e Pecuária
da Bahia (Faeb), Guilherme Moura.
Defesa agropecuária
O reforço na defesa agropecuária é apontado como crucial para tentar amenizar os danos econômicos, sociais e ambientais que vão ser provocados pela praga.
O reforço na defesa agropecuária é apontado como crucial para tentar amenizar os danos econômicos, sociais e ambientais que vão ser provocados pela praga.
“Onde a monilíase
chegou, ela dizimou toda a produção. Se houver um controle, você tem
perdas em torno de 30% dos frutos; se não houver, perde 100%. Vamos ter
de intensificar a nossa vigilância”, acrescenta Catarina Mattos.
As autoridades
bolivianas garantem que estão fiscalizando o trânsito de pessoas na
fronteira. As pessoas estão sendo orientadas a não transportar frutas,
mudas e sementes e a isolar roupas, sapatos e botas caso tenham
circulado por áreas agrícolas. Equipamentos eletrônicos, como máquinas
fotográficas, precisam sem higienizados.
Na Bahia a principal
área de monitoramento atinge os 170 mil hectares de cacau, do Recôncavo
ao Extremo Sul. A Adab afirma que vem intensificando a fiscalização
desde 2007, quando implantou um Projeto de Prevenção à Monilíase. O
programa prevê incentivo as pesquisas, assistência técnica, capacitação,
extensão rural e educação fitossanitária à população. Segundo a
coordenação do órgão, 350 propriedades rurais estão sendo monitoradas em
parceria com a Ceplac.
A ameaça é tão
concreta, que a monilíase foi a primeira praga a ter um Plano de
Contingência traçado pelo Ministério da Agricultura, pecuária e
Abastecimento (Mapa), entre as mais de 600 pragas listadas pelo órgão.
Ao todo, 112 fiscais de defesa agropecuária estão prontos para atuar em
caso de invasão da praga nos estados da Bahia, Pará, Rondônia, Acre e
Amazônia.
Os produtores rurais
foram alertados. Em caso de suspeita, é preciso isolar a área, não
permitir a entrada de curiosos e avisar imediatamente os órgãos de
defesa agropecuária.
Infografia: Morgana Miranda/CORREIO |
Fortalecimento
Os cacauicultores baianos ainda estão entre os maiores produtores do mundo. Mas o setor cacaueiro nunca se recuperou completamente da crise gerada pela vassoura-de-bruxa. Apesar de sinais de recuperação, a produção caiu vertiginosamente nos últimos anos.
Os cacauicultores baianos ainda estão entre os maiores produtores do mundo. Mas o setor cacaueiro nunca se recuperou completamente da crise gerada pela vassoura-de-bruxa. Apesar de sinais de recuperação, a produção caiu vertiginosamente nos últimos anos.
Os produtores rurais
alegam que os planos de recuperação desenvolvidos nos anos 1990 não
surtiram efeito, por vários motivos, entre eles, a falta de tecnologia
adequada e a ausência de uma política pública eficiente.
Ano passado, por causa
das condições climáticas desfavoráveis, o setor registrou uma das
maiores quedas de produção na Bahia. Produziu menos de 100 mil
toneladas, abaixo do registrado no auge da vassoura-de-bruxa. A chegada
de uma nova praga faz renascer velhos fantasmas e cria novos desafios.
“É preciso fortalecer a
cacauicultura, para que ela volte a ser uma atividade próspera, para
que esteja fortalecida quando a monilíase chegar. O que a gente precisa é
voltar a produzir cacau, com alta produtividade. Isso passa pelas
questões clássicas da agropecuária, como a volta do crédito”, defende
Moura, que também é cacauicultor e Presidente da Câmara Setorial do
Cacau do Mapa.
O endividamento total
do setor chega a R$ 2 bilhões, segundo dados da Federação de Agricultura
do Estado da Bahia (Faeb). Semana passada, a Confederação Nacional da
Agricultura apresentou uma nova proposta de renegociação da dívida.
Já o Ministério da
Integração Nacional anunciou esta semana o lançamento da “Rota do Cacau”
– que promete fortalecer as cadeias produtivas. O acesso ao crédito e
consequente aumento da produção também são apontados como forma de ajuda
a combater a entrada de pragas.
Alerta desde os anos 80
Desde os anos 1980, o pesquisador indiano Asha Ram, especialista em doenças epidemiológicas, integrante da Comissão da Lavoura Cacaueira do Ministério da Agricultura (Ceplac), já alertava para o risco do fungo monília chegar ao Brasil.
Desde os anos 1980, o pesquisador indiano Asha Ram, especialista em doenças epidemiológicas, integrante da Comissão da Lavoura Cacaueira do Ministério da Agricultura (Ceplac), já alertava para o risco do fungo monília chegar ao Brasil.
Com base nas pesquisas
dele, o brasileiro Roberto Sgrillo, em 2008, conseguiu traçar o
comportamento da monilíase e provar, matematicamente, que o fungo avança
cerca de 106 quilômetros por ano. Sgrillo também teria previsto que a
monilíase chegaria pelo Acre. Acertou.
São estes estudos
iniciais que servem de base para as pesquisas atuais. As iniciativas
envolvem dezenas de órgãos científicos, além de representantes da defesa
agropecuária do Brasil, e de países como Peru, Equador, Costa Rica,
França e Austrália.
Na Ceplac, há pelo
menos dez grandes pesquisas em andamento. Segundo a Coordenadora do
Programa Preventivo da Monilíase, Karina Gramacho, “as pesquisas estão
ocorrendo em conjunto. O que sabemos até agora é que não existe no mundo
um fungicida que controle a doença. A solução envolve o manejo
integrado de pragas, com a adoção de práticas conjuntas para diminuir o
impacto da doença pós-invasão, redução das rotas de risco, expansão da
prevenção e melhoramento genético das plantas”, diz.
A vedete do programa é a
pesquisa com plantas resistentes a monilíase. Elas foram encontradas na
Costa Rica. Através de um programa de cooperação com o Catie, centro
costa-riquenho de pesquisa, algumas mudas foram trazidas para o Brasil
em 2014. Há dois anos, depois de uma quarentena em uma unidade da
Embrapa em Brasília, os clones chegaram ao Sul da Bahia. Em Ilhéus, elas
foram cruzadas com plantas resistentes a vassoura-de-bruxa. Segundo o
coordenador da pesquisa, Uilson Lopes, 200 mudas já plantadas estão
sendo testadas em fazendas da Bahia. Mas ainda não há previsão para a
conclusão do estudo.
As pesquisas em
andamento estão sendo financiadas por instituições como a Capes, CNPQ e a
Fapesb. Mas pesquisadores afirmam que 90% das verbas federais foram
reduzidas nos últimos três anos. Falta verba para levantamento de dados
em campo e viagens de reconhecimento, consideradas essenciais para o
avanço das pesquisas.
Monilíase pode destruir até 100% dos frutos do cacau (Foto: Asha Ram/Ceplac/Divulgação) |
Safras destruídas
Por onde passou, a monilíase assolou a produção e provocou a ruína de muitos cacauicultores. No Equador, a produção caiu de 70 mil toneladas para 10 mil e o país perdeu a condição de produtor mundial de cacau. Na Colômbia, a incidência chegou a 90% das plantações.
Por onde passou, a monilíase assolou a produção e provocou a ruína de muitos cacauicultores. No Equador, a produção caiu de 70 mil toneladas para 10 mil e o país perdeu a condição de produtor mundial de cacau. Na Colômbia, a incidência chegou a 90% das plantações.
Na Costa Rica, a
produtividade despencou de 700 quilos por hectare para apenas cinco
quilos por hectare, enquanto 35% dos produtores costarriquenhos
abandonaram as lavouras. Já no Peru, as perdas foram de até 100% das
lavouras.
Em todos estes países, o
processo de retorno do cultivo foi lento e nenhum deles conseguiu
retomar a pujança anterior de produção. Uma das ações de combate à
doença prevê o recolhimento diário de todos os frutos que apresentam
sintomas e isso envolve altos custos com mão de obra.
De acordo com as
autoridades brasileiras, os riscos do “broto inchado” chegar ao Brasil
são remotos. Esta outra praga estaria obrigando os cacauicultores da
Costa do Marfim, maior produtor de cacau do mundo, a destruírem 100 mil
hectares de cacau para evitar o avanço da doença.
Mas, segundo a análise
de risco do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa),
apesar do Brasil importar cacau do país africano, a praga não tem como
chegar aqui.
De acordo com os
técnicos, a doença é provocada por um vírus que precisa de um hospedeiro
vivo e que não tem capacidade de sobreviver no processo de transporte
através do Atlântico. Ademais, o vetor seria a cochonilla, um bichinho
que ataca as plantas e que não sobrevive no processo de beneficiamento
do cacau.
Cerca de 96% do cacau produzido no Brasil é beneficiado em Ilhéus, na Bahia (Foto: Georgina Maynart/CORREIO) |
Cadeia essencial
A cadeia do Cacau é uma das maiores do setor produtivo brasileiro, com forte participação no PIB. Ano passado, injetou mais de R$ 23 bilhões na economia, oscilando entre o 3º e o 6º maior Valor Bruto de Produção. Só as três maiores indústrias moageiras do Brasil, em Ilhéus, exportaram mais de R$ 1 bilhão em derivados em 2017.
A cadeia do Cacau é uma das maiores do setor produtivo brasileiro, com forte participação no PIB. Ano passado, injetou mais de R$ 23 bilhões na economia, oscilando entre o 3º e o 6º maior Valor Bruto de Produção. Só as três maiores indústrias moageiras do Brasil, em Ilhéus, exportaram mais de R$ 1 bilhão em derivados em 2017.
Com o mercado interno
de consumo de chocolate crescente, o setor reúne 30 mil produtores
rurais – 80% são cacauicultores de pequeno porte, que possuem fazendas
com menos de 50 hectares.
Mas, a produção é
desigual entre as regiões. Entre os municípios de Gandu, Ipiaú, Camacã,
Ubaitaba, Ilhéus e Itabuna, o predomínio é do sistema Cabruca, em sombra
e sem irrigação. Com pouca tecnologia, a produtividade é baixa, cerca
de 15 arrobas por hectare, menos da metade dos produtores do Pará.
Já no Extremo Sul da
Bahia, as plantações são a pleno sol, possuem maior uso de tecnologia, o
plantio é irrigado e a produtividade é alta. Há também produção de
cacau irrigado no oeste da Bahia, em menor escala.
Nas agroindústrias, a
amêndoa de cacau é separada em 50% gordura e 50% sólido. A gordura vira
manteiga e a parte sólida é transformada em pó de cacau. O derivado
principal é o líquor, o chocolate puro em forma líquida homogênea. A
manteiga tem amplo uso, inclusive para fazer cosméticos, como batons.
Outra tendência é a
segmentação do setor. Estima-se que existam atualmente na Bahia cerca de
70 marcas de chocolate de fabricação própria, os chamados chocolates
gourmet. Cada vez mais procurados pelos consumidores, apontam para um
mercado em expansão. Entre os 18 e 22 de julho, este potencial será
mostrado no Festival Internacional do Chocolate e Cacau, em Ilhéus.
Correio
Nenhum comentário:
Postar um comentário