BLOG ORLANDO TAMBOSI
"Reconstrução do país e política monetária", artigo do ex-ministro Pedro Malan no Estadão, observa justamente que "não deveria haver ideologia nessa discussão, assim como não deveria ideologia no debate sobre o nível das taxas de juro":
Vale
relembrar o que disse Lula no primeiro discurso após sua vitória, na
noite de 30 de outubro de 2022: “Esta não é uma vitória minha, nem do
PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um
imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos
políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a
democracia saísse vencedora. (...) A partir de 1.º de janeiro de 2023
vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles
que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somos um único país, um
único povo, uma grande nação. (...) A ninguém interessa viver num país
dividido, em permanente estado de guerra. (...) Esse povo está cansado
de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído”.
Lula
enfatiza a necessidade de reconstruir o País e sua alma. Recorro, a
respeito desse propósito tão louvável, a Fernando Pessoa: “O primeiro
passo para uma regeneração, econômica ou outra (do País), é criarmos uma
atitude mental, um estado de espírito de confiança nessa regeneração”.
Porém o que importa, de fato, no mundo real tem que ver com resultados
efetivos. Estes, segundo o mesmo Pessoa, dependem de três coisas: “saber
trabalhar”, “descobrir oportunidades” e “criar relações tanto na vida
material quanto na vida mental”. O resto é sorte, diz Pessoa (“como
herdar do tio brasileiro ou não estar onde caiu a granada”).
O
momento recomenda que eu faça um comentário sobre as críticas à
política monetária tal como conduzida pelo Banco Central; e sobre o
voluntarismo de certas sugestões para “resolver” o problema.
Desde
junho de 1999 o Brasil decidiu que seu regime monetário seria o regime
de metas de inflação, que desde então vem servindo bem ao País. O Brasil
decidiu tentar, desde 2000, ter um regime de responsabilidade fiscal,
com a aprovação da lei que levou este nome. Temos um regime de taxas de
câmbio flutuantes desde janeiro de 1999, quase um quarto de século. Os
três foram avanços institucionais importantes.
Aquilo
que seremos ou não como sociedade depende, é claro, de inúmeras outras
questões econômicas, político-institucionais e sociais, que transcendem
em muito as questões macroeconômicas. Mas um mínimo de previsibilidade,
estabilidade, credibilidade e responsabilidade na área macroeconômica é
condição inafastável para que os avanços nas outras áreas, que a tantos
parecerão muito mais importantes, possam ser alcançados e consolidados.
Tenho
insistido, há muito, na importância de distinguir entre (1) a decisão,
que é política, sobre os regimes (monetário, cambial e fiscal) a adotar;
(2) a operacionalização da política (monetária, cambial e fiscal), uma
vez dados os regimes nas três áreas, e (3) sobre os níveis e variações
específicos que assumem, a cada momento, as variáveis fundamentais de
cada regime: a taxa de juros, a taxa de câmbio e, no caso do regime
fiscal, os déficits (fluxo) e dívidas (estoques).
É
importante a reafirmação da decisão política de que o regime de metas
de inflação é o mais apropriado para o País. Dado nosso longo histórico
nesta área, não teria qualquer credibilidade um governo que se limitasse
a afirmar que “envidaria o melhor de seus esforços para manter a
inflação sob controle – mas que não abriria mão de outros, mais
importantes, objetivos econômicos e sociais”.
Há
uma certa convergência, no caso do regime monetário, em favor do regime
de metas de inflação. Mas há também uma crescente intenção de discutir a
forma pela qual o Banco Central operacionaliza o regime, em particular a
definição da meta de inflação para alguns anos à frente, bem como o
nível e a trajetória dos juros básicos da economia.
É
importante preservar a lei que assegura autonomia ao Banco Central para
operacionalizar a política monetária por meio de decisões sobre a taxa
de juros e seu curso futuro. Decisões adotadas dadas as metas
estabelecidas, não pelo Banco Central, mas pelo governo – por intermédio
do Conselho Monetário Nacional, no qual hoje estão presentes, além do
BC, os ministros da Fazenda e do Planejamento.
É
importante que haja debate honesto sobre o tema. Um debate baseado em
discussões sobre nossa própria experiência, bem como sobre a experiência
internacional. Um debate que deixe de lado o recurso a voluntarismos
variados que não levam em conta o efeito e as consequências de decisões
tomadas sobre o processo de formação de expectativas sobre o curso
futuro da inflação, do câmbio e da dívida.
Há,
sobre esses temas de fundamental importância, controvérsias legítimas
entre pessoas de boa-fé. Não deveria haver ideologia nessa discussão,
assim como não deveria haver ideologia no debate sobre o nível das taxas
de juros corrente. Se os atuais 13,75% são vistos como “excessivos” e
“insustentáveis”, é possível discutir as razões para tanto – e procurar
as convergências possíveis entre soluções plausíveis. Dentre as quais se
incluem talvez ligeiras elevações das metas antes definidas para 2024 e
2025. Sem perder de vista, nunca, que essas discussões não têm como
excluir as questões fundamentais relacionadas às perspectivas de
evolução dos resultados fiscais e dos efeitos sobre a trajetória da
dívida no médio e longo prazos.
Postado há 4 hours ago por Orlando Tambosi
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