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A definição de animal racional para o ser humano me parece excessivamente afobada. Luiz Felipe Pondé para a FSP:
A humanidade não está adaptada ao progresso. Evoluiu na escassez e na hostilidade do meio ambiente. O progresso
é uma doença evolucionária. A crença na sua capacidade de mudar o mundo
para melhor pode ser um dos maiores enganos da história da adaptação da
espécie.
O sucesso temporário da técnica nos faz delirar acerca de nossa autonomia racional, moral e política.
Não
se trata de nostalgia do passado —o mundo nunca foi um paraíso.
Trata-se de constatar que as dificuldades às quais os humanos estavam
submetidos podem ter funcionado como controle dos seus delírios e falta
de noção de limites.
Uma
vez tendo vivido por centenas de milhares de anos num meio ambiente que
lhe era hostil, os humanos ficavam constrangidos em seu poder
imaginativo e destrutivo. Com isso não me refiro apenas a riscos
ambientais evidentes, refiro-me também à própria noção de progresso
técnico, moral e político infinito.
A
definição de animal racional para o ser humano me parece excessivamente
afobada, afinal, a frágil e recente razão não é algo facilmente
aprendido. Pelo contrário, suspeito mesmo que nos seja antinatural, por
isso, tamanho esforço para agirmos de forma racional.
Faço
aqui minhas as reflexões do filósofo basco espanhol Miguel de Unamuno
(1864–1936) na sua obra capital —traduzida no Brasil— "Del Sentimiento
Tragico de La Vida En Los Hombres y En Los Pueblos", Alianza Editorial.
Tomando
como referência filósofos importantes da tradição ocidental, Unamuno
levanta a hipótese de que mesmo eles, figuras conhecidas pela capacidade
racional de articulação de conceitos e ideias, criaram sistemas apenas
para manifestar seus humores fisiológicos e suas obsessões irracionais.
Por
exemplo, a ideia hegeliana de que o real seja racional é incrivelmente
inconsistente. Reconstruindo o real a partir de conceitos pensados, Hegel (1770-1831) cria um mundo que não existe, como se este fosse um Lego de peças abstratas.
O
real tem pouco de racional e aquilo que nele o é dura pouco tempo e
depende de exterioridades incontroláveis pela razão. Limites biológicos,
fisiológicos, políticos, sociais, históricos, psicológicos, e por que
não, cosmológicos impõem fracassos os mais variados a sustentação
racional do mundo.
Empresas pouco devem à meritocracia,
vitórias em eleições pouco devem a históricos de boa gestão, decisões
humanas pouco levam em conta qualquer forma de coerência moral de
comportamento, a vida afetiva é um caos submetido a todas as mais
diversas variáveis contingentes.
Impulsos religiosos irracionais condicionam muito mais o dia a dia do que supostas informações científicas. Aliás, falando em ciência, esta
está muito longe de se caracterizar pela pureza do método em si —como
crê o senso comum—, sendo muito mais objeto de vaidades, políticas
institucionais, oportunidades de ascensão nas carreiras dos
profissionais, assim como de financiamento em pesquisas.
A
intenção kantiana de afirmar a existência de uma razão pura organizando
o conhecimento caduca na sua crítica da razão prática —nome técnico
para sua ética— diante do fracasso da sua crença de que seres humanos
possam mesmo ser éticos a partir de imperativos racionais.
Não é à toa, diz Unamuno, que Kant (1724-1804) se
desesperou diante da fraqueza de sua crença na racionalidade da moral.
Se não for Deus a regular a ética, de nada adiantam seus imperativos
racionais.
Para
Unamuno, Hegel e Kant —os pais do discurso filosófico da modernidade,
segundo Habermas (1929)— nada mais eram do que obsessivos a sonhar com
um mundo limpinho em que a irracionalidade humana seria varrida da face
da Terra.
Segundo
o filósofo basco, o caráter visceral humano permanece sendo a causa
eficiente e definitiva do comportamento dos homens. É o "homem de carne e
osso", e sua irracionalidade profunda, conceito central na filosofia de
Unamuno, que determinam tudo mais.
A
modernidade com sua tara manifesta pela ideia de gestão racional de
tudo é um surto psicótico em que a deusa razão nada mais é do que um
fantasma nu a nos guiar para lugar nenhum.
Postado há 1 hour ago por Orlando Tambosi
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