Putin sabia que a estratégia de enfraquecimento do Ocidente era um dos pilares do eurasianismo preconizado pelo seu intelectual preferido. O seu Grigori Rasputin que dá pelo nome de Aleksandr Dugin. José Pinto para o Observador:
Quando
decretou a invasão da Ucrânia, Putin justificou a “ação militar
especial” com a necessidade de desnazificar o país. Uma falácia que
deixava explícito que, para o inquilino do Kremlin, os neonazis e a
extrema-direita representavam um perigo. Uma nova falácia como se
demonstrará de seguida.
Na
realidade, a forma como Putin manipula a extrema-direita, tanto a nível
interno como externo, assemelha-se à destreza de um artista que faz do
espetáculo de marionetas a sua forma de vida. Uma manipulação tão
perfeita que esconde a ação do controlador e dá aos espectadores a
sensação de que a marioneta dispõe de vida própria. Um logro tão
conseguido que até a marioneta nem sempre se apercebe dos fios
decisórios que controlam os seus movimentos.
Como
a perícia requer experiência, Putin iniciou os treinos mal chegou ao
Poder. Assim, face ao avanço da ideologia neonazi então em curso na
Rússia, começou por fazer aprovar legislação pretensamente visando
controlar essa ameaça. Porém, ao mesmo tempo que se dizia apostado na
erradicação da ameaça extremista, abria discretamente os braços para
receber elementos desses grupos. Uma estratégia insistentemente
denunciada pelos analistas que acompanham o processo com a devida
atenção. A única forma de ouvir os silêncios intencionais do Poder.
Daí
que tenha sido possível identificar alguns marcos dessa estratégia.
Como a criação de uma organização de índole ultranacionalista destinada à
juventude, “Moving Together”, a que se seguiria a “Nashi”. Por isso, o
recrutamento de membros do “bas-fond”, designadamente de hooligans
conotados com a extrema-direita para perseguirem quem colocasse em causa
o projeto putiniano. Sem contar com a colaboração do Russkii Obraz, a
cujos principais dirigentes Putin concedeu um imenso palco mediático. O
novo czar sabia que a manipulação destes e de outros grupos de neonazis
russos representava a melhor estratégia para conter os avanços dos
opositores internos que pretendiam alterar a sua política nacionalista e
conservadora.
Verdade
que, ao longo do tempo, alguns desses grupos ousaram ir além do papel
que lhes tinha sido oficialmente destinado e abusaram repetida e
ostensivamente da violência. Uma ousadia controlada por Putin através de
um aparente afastamento dos elementos mais radicais e que, na verdade,
se consubstanciou no reforço de outros grupos de extrema-direita
apadrinhados pela máquina instalada no Kremlin.
Porém,
a manipulação não coube nas fronteiras geográficas da Rússia. Putin
sabia que a estratégia de enfraquecimento do Ocidente era um dos pilares
do eurasianismo preconizado pelo seu intelectual preferido. O seu
Grigori Rasputin que dá pelo nome de Aleksandr Dugin.
Assim,
a desinformação levada a cabo pelo ecossistema de que o RT e o Sputnik
constituem apenas dois exemplos, deveria ser acompanhada pelo apoio aos
grupos neonazis que desafiam o modelo ocidental e aos partidos de
extrema-direita e direita radical que colocam em causa o processo de
integração europeia, bem como aos movimentos separatistas que ameaçam a
unidade de alguns estados europeus.
Não
admirou, por isso, o empréstimo de mais de 9 milhões de euros que um
banco russo forneceu à então Frente Nacional de Marine Le Pen para as
eleições de 2015, como recompensa pelo reconhecimento da anexação russa
da Crimeia,enquanto Macron se queixava de centenas ou mesmo milhares de
ataques informáticos às suas bases de dados e ao sítio oficial da
campanha.
Voltando
ao parágrafo inicial, talvez convenha recordar que, em 1997, Dugin
defendeu que a Rússia deveria invadir e ocupar a Ucrânia como passo
indispensável para a construção de um império eurasionista. Um quarto de
século depois, Putin está a tentar, com mais esforço do que sucesso,
materializar essa ideia. Uma dificuldade que não convém ser do domínio
público.
Afinal,
Dugin também lhe ensinou que a verdade é relativa e não passa de uma
questão de crença. Dito de outra forma: o apoio intelectual é sempre
bem-vindo se contribuir para a manipulação da marioneta. E não apenas
daquela vestida com símbolos da extrema-direita.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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