A aversão dos intelectuais públicos brasileiros ao debate franco e sadio os prejudica tanto no pessoal quanto no profissional, como diria Faustão. Paulo Polzonoff Jr. via Gazeta do Povo:
Na
minha ingenuidade semipatológica, acordei hoje todo animado para ler a
tréplica de Luiz Felipe Pondé a minha colega Bruna Frascolla. Semana
passada, depois de Pondé declarar voto num Lula “conservador e
inteligente”, a filósofa baiana que tão bem colore as páginas da Gazeta
do Povo questionou a lógica radicalmente antibolsonarista do uspiano,
que usa sua condição de prestigiado intelectual público para validar um
desejo que se passa por ideia: a de que o PT teria lidado melhor com a
pandemia do que o genocida Jair Bolsonaro.
Ainda
descabelado e em jejum, fui correndo até a banca de jornal mais
próxima. Mas aí lembrei que somos um jornal online. Saquei o celular do
bolso e foi ali mesmo, diante das revistas de palavras-cruzadas, que li o
texto do Pondé falando de négationnisme chic. Sobre as bobagens que ele
mesmo disse na semana anterior, nem uma virgulazinha. Sobre as
incoerências apontadas pela colega filósofa, nada.
Como
bom intelectual público brasileiro, Pondé passa pelo mundo das ideias
sem olhar para os lados, ouvindo mentalmente uma música enfadonha que
diz “eu sou gênio/ ninguém é capaz de me contestar” e, como um camelô
hippie de nariz empinado, vendendo frases de epóxi e conceitos de
garrafa pet. Há quem compre.
Tanto no pessoal quanto no profissional
Estou
aqui mencionando o Pondé por causa de um caso específico, mas ele está
longe de ser o único intelectual brasileiro avesso ao debate franco de
ideias. Há toda uma escola brasileira de retórica informalmente dedicada
à promoção do silêncio arrogante e do desprezo mesquinho. Aliás, não
foram poucos os professores dessa escola que me aconselharam a jamais
pedir desculpas e a nunca se dar ao trabalho de tentar emendar um
soneto.
Justiça
seja feita, nos últimos tempos o único intelectual brasileiro que ousou
romper com esse acordo tácito do “não fala mal das minhas ideias que
não falo mal das suas” foi Olavo de Carvalho. Que, para o bem ou para o
mal, e com ou sem seus infames apelidos trocadilhescos, sempre foi
generoso no debate com os oponentes.
O
problema é que a falta de um confronto sadio de ideias, se por um lado
ajuda os aspirantes ao posto de intelectual público a se firmarem nesse
deserto é o pensamento brasileiro, por outro os limita tanto no pessoal
quanto no profissional (ô, louco, meu!). No pessoal porque a validação
automática de qualquer ideia leva inevitavelmente à prepotência – que
nada mais é do que uma reação ao medo de ser desmascarado.
No
profissional porque o discurso onanista interessa a poucos, e por pouco
tempo. Por definição, é um discurso estéril. Enquanto um debate
inteligente, uma polêmica daquelas com pê maiúsculo e trabalhado, uma
controvérsia e até uma desavença pública têm esse óbvio poder de agregar
multidõezinhas, nem que seja por morbidez intelectual, se é que isso
existe. Não à toa, é do embate entre as precárias e quase sempre mancas
tese e antítese que nasce, em todo o seu esplendor, a síntese.
Seitas de condescendência
Num
processo semelhante ao da literatura, o debate público no Brasil se
encastelou. E por dois motivos. O primeiro deles é que debater dá um
trabalho danado. E dizem as más línguas por aí que, se a pessoa gosta de
trabalhar, ela não pode ser intelectual.
Você
tem que ler a réplica e repensar o que escreveu e reconhecer que aqui e
ali suas ideias talvez não tenham ficado claras. E, se for o caso,
pensar numa justificativa ou numa forma de reconhecer o erro sem parecer
um “derrotado”. Ao longo desse processo, você corre o risco de
descobrir que não é tão genial assim e que talvez haja um argumento
melhor do que aquele que você vem repetindo há décadas e que até aqui
lhe renderam aplausos, cargos, salários, honrarias e sei lá mais o quê.
O
segundo tem a ver com generosidade E coragem. Reconhecer no outro um
adversário digno é um ato de nobreza. Afinal, em qualquer embate você
pode sair derrotado – e nem toda derrota é necessariamente humilhante.
Além disso, é preciso coragem para se mostrar vulnerável e suscetível ao
erro. Para reconhecer que, por um acaso neuronial, talvez a sua ideia
“brilhante” que no nascedouro era tão promissora acabou se desvirtuando,
se deixando levar por outras mais experientes e malandras, e agora está
aí, toda refutada e jogada na rua da amargura.
Para
o azar daqueles que, entre nós, curtem um bom duelo intelectual,
infelizmente é assim, vivendo na realidade catastrófica das ideias ruins
cercadas de silêncio e desprezo por todos os lados, que os intelectuais
públicos vão construindo suas tribos, ou melhor, seitas de validação e
condescendência.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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