Na última semana, o Brasil finalmente sentiu na pele os efeitos do novo coronavírus (SARS-CoV-2). A Bolsa de Valores derreteu (ainda que tenha mostrado alguma reação na sexta-feira, 13), o dólar namorou a casa dos R$ 5, o número de novos casos começou a crescer vertiginosamente no país e Goiás teve suas três primeiras confirmações. Enfim, o cenário de thriller americano estava desenhando em terras tupiniquins.
Tudo isso já era esperado desde que os primeiros casos surgiram na China, entre o fim de 2019 e início de 2020. As autoridades de saúde alertam que, de agora em diante, a tendência é de crescimento exponencial de registros. Ou seja: logo, logo o número de infectados pelo vírus que causa a Covid-19 estará na casa dos milhares.
Elogie-se, aqui, o comportamento do ministro Luiz Henrique Mandetta – que deveria ser seguido por outros colegas de ministério, especialmente os ministros da Educação, Abraham Weintraub, e do Meio Ambiente, Ricardo Sales. Mandetta tem sido impecável desde o início da epidemia. Agiu com presteza no resgate aos brasileiros de Wuhan e está sendo transparente na condução da reação à doença no Brasil até o momento.
Em Goiás, o governo tem demonstrado segurança, o que é importantíssimo para que o medo não se transforme em pânico generalizado. A equipe do secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino, tem gente extremamente capacitada, como a superintendente de Vigilância em Saúde, a epidemiologista Flúvia Amorim. O Hospital de Doenças Tropicais (HDT), centro de referência para situações similares, conta com profissionais experientes como o infectologista Boaventura Braz de Queiroz.
Diante dos fatos, propõe-se aqui fazer um pequeno balanço dos fatos sobre o novo coronavírus, de forma um pouco, digamos, mais leve. Recorre-se à música “O dia em que a Terra parou”, de Raul Seixas. Em 1977, o compositor baiano – um profeta dos boêmios de botecos – compôs, inspirado no filme The Day the Earth Stood Still (1951), a trilha sonora dos dias em que vivemos. Observe como os versos se encaixam bem:
Foi assimAs pessoas não combinaram ficar dentro de casa – foram obrigadas. Na China, onde os primeiros casos foram descobertos e epicentro da pandemia, o governo determinou o corte de linhas de ônibus e metrôs, restringiu a circulações de automóveis, fechamento de escola, cancelou voos.
No dia em que todas as pessoas
Do planeta inteiro
Resolveram que ninguém ia sair de casa
Como que se fosse combinado em todo
O planeta
Naquele dia, ninguém saiu de casa
As ruas das principais cidades, como Xangai, ficaram desertas e os supermercados, com prateleiras vazias. Outra medida foi o rastreamento intensivo de possíveis pacientes e a quarentena daqueles que testaram positivo ou tiveram contato com quem testou.
Aparentemente, a epidemia começa a ser contida no país. Com mais de 80,8 mil infectados e 3,1 mil mortes, o número de novos casos declina velozmente. Pela primeira vez, as notificações ficaram abaixo de um dígito em um dia.
O modelo chinês foi parcialmente replicado na Itália, país ocidental que, até o momento, é o que mais tem sofrido com a pandemia. O governo determinou o fechamento de estabelecimentos comerciais que vendem comida, bares e restaurantes deveriam respeitar a distância mínima de um metro entre os clientes.
O resultado foram ruas e pontos turísticos, como a Fontana de Trevi, desertos. Alguns supermercados também ficaram com prateleiras vazias. Até o último balanço, havia 12,4 mil doentes e 827 mortes no país.
O empregado não saiu pro seu trabalhoGrandes empresas interromperam a produção e mandaram os funcionários para casa. É o caso, por exemplo, da Hyundai, gigante do setor automotivo, na Coreia do Sul. Na China, grandes multinacionais pararam, como a Tesla, Ford, Peugeot, Nissan e Honda. A Google fechou seu escritório em Hong Kong.
Pois sabia que o patrão também não tava lá
Dona de casa não saiu pra comprar pão
Pois sabia que o padeiro também não tava lá
No Brasil, algumas empresas adotaram o trabalho home office, videoconferências e outras, como a subsidiária da Nestlé, suspendeu as viagens internacionais. O mesmo fez o grupo L´Oreal, uma das maiores empresas do ramo no planeta.
O temor é que a pandemia prejudique a produção em médio e longo prazo. Esse é um dos fatores que têm abalado as bolsas de valores por todo o mundo. Juntas, as 285 empresas que negociam na Ibovespa perderam R$ 1 trilhão em valor em duas semanas.
A persistir a supervalorização do dólar, logo o consumidor sentirá doer o próprio bolso. O pãozinho de cada dia é, especialmente, vulnerável: como a principal matéria-prima, o trigo, é importada, a alta da moeda americana impacta no preço final.
E o guarda não saiu para prenderEpidemias como a da Covid-19 impactam em todos os setores da sociedade. No Irã, país mais afetado no Oriente Médio, cerca de 120 mil presos foram soltos. O chefe do Judiciário persa, Ebrahim Raisi, disse que a medida prosseguirá até que a proliferação da doença seja controlada. No Irã, eram mais de 7 mil doentes e 250 mortos até sexta-feira, 13.
Pois sabia que o ladrão, também não tava lá
E o ladrão não saiu para roubar
Pois sabia que não ia ter onde gastar
No Brasil, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, emitiu uma nota em que fez uma série de recomendações aos Estados. Entre elas, a restrição de visitas, o isolamento de presos com suspeita da doença e medidas mais rígidas de higiene. O Depen recomenda, ainda, que os presos sejam vacinados contra a gripe comum.
Em Goiás, o Ministério Público Estadual solicitou ao governo a suspensão de visitas aos presos. Medida semelhante chegou a causar rebeliões na Itália.
E nas Igrejas nem um sino a badalarEm Roma, o Vaticano interrompeu a tradicional oração do Angelus, com participação do Papa Francisco. A Praça São Pedro, onde o cardeal costuma aparecer diante de milhares de fieis, está vazia. O pontífice, inclusive, tem realizado audiências por videoconferência. No total, Roma fechou mais de 900 igrejas à visitação pública.
Pois sabiam que os fiéis também não tavam lá
E os fiéis não saíram pra rezar
Pois sabiam que o padre também não tava lá
No Brasil, o coronavírus tem mudado os rituais das igrejas. Na católica, por exemplo, a recomendação é de que contatos, como o Abraço da Paz, sejam evitados. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) orientou que a comunhão da eucaristia seja dada nas mãos e não na boca, como é o costume. No Rio Grande do Sul, um templo evangélico tentou promover o “culto da imunização”. O evento foi proibido e os responsáveis estão sendo investigados por charlatanismo.
E o aluno não saiu para estudarMuitas instituições de ensino pelo mundo suspenderam as aulas por alguns dias. No Distrito Federal, o governo interrompeu as atividades escolares até o dia 16 de março. A justificativa é que a medida visa controlar e conter os riscos.
Pois sabia o professor também não tava lá
E o professor não saiu pra lecionar
Pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar
Em Goiás, a Universidade Federal de Goiás (UFG) decidiu manter as aulas. Mas as duas Faculdades de Filosofia e de Ciências Sociais não tiveram aula na sexta-feira. Os prédios passaram por desinfecção porque um técnico administrativo está com suspeita de contaminação – caso ainda não confirmado.
No Setor Jaó, alunos de uma escola de ensino fundamental também não tiveram aula na sexta-feira, 13. Uma das pacientes com diagnóstico para Covid-19 em Goiânia trabalha na instituição e, segundo a direção, a medida foi tomada para que a escola passasse por um processo de desinfecção.
O comandante não saiu para o quartelNa Suíça, onde a primeira morte por Covid-19 foi confirmada na quinta-feira, 12, o Exército foi mobilizado para atuar na contenção da doença. Os militares não vão, porém, para a guerra – a não ser em sentido de metáfora. Eles vão apoiar os hospitais civis no combate à epidemia.
Pois sabia que o soldado também não tava lá
E o soldado não saiu pra ir pra guerra
Pois sabia que o inimigo também não tava lá
No Brasil, as páginas do Exército, Marinha e Aeronáutica na internet trazem informações às tropas. As Forças Armadas declaram que vão seguir os protocolos determinados pelo Ministério da Saúde.
E o paciente não saiu pra se tratarOs especialistas estimam que, no Brasil, o ápice da epidemia deve ocorrer entre o fim de março e o início de abril. A tendência é que o número de casos cresça vertiginosamente nas próximas semanas.
Pois sabia que o doutor também não tava lá
E o doutor não saiu pra medicar
Pois sabia que não tinha mais doença pra curar
Apesar do plano de contingência, coordenado pelo Ministério da Saúde, o receio é de que o número de internações sobrecarregue o Sistema Único de Saúde (SUS). Por enquanto, o sistema reservou 2 mil leitos de UTIs para pacientes com Covid-19.
A esperança é de que os últimos versos da letra-profecia se confirmem e que, o mais rápido possível, uma vacina surja e que os médicos não tenham mais Covid-10 para curar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário