MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 19 de março de 2020

O dia em que Raul Seixas previu o caos provocado pelo novo coronavírus

JORNAL OPÇÃO
Canção gravada pelo compositor baiano em 1977 é trilha sonora ideal para os atuais dias de pânico diante da pandemia de Covid-10

Na última semana, o Brasil finalmente sentiu na pele os efeitos do novo coronavírus (SARS-CoV-2). A Bolsa de Valores derreteu (ainda que tenha mostrado alguma reação na sexta-feira, 13), o dólar namorou a casa dos R$ 5, o número de novos casos começou a crescer vertiginosamente no país e Goiás teve suas três primeiras confirmações. Enfim, o cenário de thriller americano estava desenhando em terras tupiniquins.
Tudo isso já era esperado desde que os primeiros casos surgiram na China, entre o fim de 2019 e início de 2020. As autoridades de saúde alertam que, de agora em diante, a tendência é de crescimento exponencial de registros. Ou seja: logo, logo o número de infectados pelo vírus que causa a Covid-19 estará na casa dos milhares.
Elogie-se, aqui, o comportamento do ministro Luiz Henrique Mandetta – que deveria ser seguido por outros colegas de ministério, especialmente os ministros da Educação, Abraham Weintraub, e do Meio Ambiente, Ricardo Sales. Mandetta tem sido impecável desde o início da epidemia. Agiu com presteza no resgate aos brasileiros de Wuhan e está sendo transparente na condução da reação à doença no Brasil até o momento.
Em Goiás, o governo tem demonstrado segurança, o que é importantíssimo para que o medo não se transforme em pânico generalizado. A equipe do secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino, tem gente extremamente capacitada, como a superintendente de Vigilância em Saúde, a epidemiologista Flúvia Amorim. O Hospital de Doenças Tropicais (HDT), centro de referência para situações similares, conta com profissionais experientes como o infectologista Boaventura Braz de Queiroz.
Diante dos fatos, propõe-se aqui fazer um pequeno balanço dos fatos sobre o novo coronavírus, de forma um pouco, digamos, mais leve. Recorre-se à música “O dia em que a Terra parou”, de Raul Seixas. Em 1977, o compositor baiano – um profeta dos boêmios de botecos – compôs, inspirado no filme The Day the Earth Stood Still (1951), a trilha sonora dos dias em que vivemos. Observe como os versos se encaixam bem:
Foi assim
No dia em que todas as pessoas
Do planeta inteiro
Resolveram que ninguém ia sair de casa
Como que se fosse combinado em todo
O planeta
Naquele dia, ninguém saiu de casa
As pessoas não combinaram ficar dentro de casa – foram obrigadas. Na China, onde os primeiros casos foram descobertos e epicentro da pandemia, o governo determinou o corte de linhas de ônibus e metrôs, restringiu a circulações de automóveis, fechamento de escola, cancelou voos.
As ruas das principais cidades, como Xangai, ficaram desertas e os supermercados, com prateleiras vazias. Outra medida foi o rastreamento intensivo de possíveis pacientes e a quarentena daqueles que testaram positivo ou tiveram contato com quem testou.
Aparentemente, a epidemia começa a ser contida no país. Com mais de 80,8 mil infectados e 3,1 mil mortes, o número de novos casos declina velozmente. Pela primeira vez, as notificações ficaram abaixo de um dígito em um dia.
O modelo chinês foi parcialmente replicado na Itália, país ocidental que, até o momento, é o que mais tem sofrido com a pandemia. O governo determinou o fechamento de estabelecimentos comerciais que vendem comida, bares e restaurantes deveriam respeitar a distância mínima de um metro entre os clientes.
O resultado foram ruas e pontos turísticos, como a Fontana de Trevi, desertos. Alguns supermercados também ficaram com prateleiras vazias. Até o último balanço, havia 12,4 mil doentes e 827 mortes no país.
O empregado não saiu pro seu trabalho
Pois sabia que o patrão também não tava lá
Dona de casa não saiu pra comprar pão
Pois sabia que o padeiro também não tava lá

Grandes empresas interromperam a produção e mandaram os funcionários para casa. É o caso, por exemplo, da Hyundai, gigante do setor automotivo, na Coreia do Sul. Na China, grandes multinacionais pararam, como a Tesla, Ford, Peugeot, Nissan e Honda. A Google fechou seu escritório em Hong Kong.
No Brasil, algumas empresas adotaram o trabalho home office, videoconferências e outras, como a subsidiária da Nestlé, suspendeu as viagens internacionais. O mesmo fez o grupo L´Oreal, uma das maiores empresas do ramo no planeta.
O temor é que a pandemia prejudique a produção em médio e longo prazo. Esse é um dos fatores que têm abalado as bolsas de valores por todo o mundo. Juntas, as 285 empresas que negociam na Ibovespa perderam R$ 1 trilhão em valor em duas semanas.
A persistir a supervalorização do dólar, logo o consumidor sentirá doer o próprio bolso. O pãozinho de cada dia é, especialmente, vulnerável: como a principal matéria-prima, o trigo, é importada, a alta da moeda americana impacta no preço final.
 E o guarda não saiu para prender
Pois sabia que o ladrão, também não tava lá
E o ladrão não saiu para roubar
Pois sabia que não ia ter onde gastar
Epidemias como a da Covid-19 impactam em todos os setores da sociedade. No Irã, país mais afetado no Oriente Médio, cerca de 120 mil presos foram soltos. O chefe do Judiciário persa, Ebrahim Raisi, disse que a medida prosseguirá até que a proliferação da doença seja controlada. No Irã, eram mais de 7 mil doentes e 250 mortos até sexta-feira, 13.
No Brasil, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, emitiu uma nota em que fez uma série de recomendações aos Estados. Entre elas, a restrição de visitas, o isolamento de presos com suspeita da doença e medidas mais rígidas de higiene. O Depen recomenda, ainda, que os presos sejam vacinados contra a gripe comum.
Em Goiás, o Ministério Público Estadual solicitou ao governo a suspensão de visitas aos presos. Medida semelhante chegou a causar rebeliões na Itália.
E nas Igrejas nem um sino a badalar
Pois sabiam que os fiéis também não tavam lá
E os fiéis não saíram pra rezar
Pois sabiam que o padre também não tava lá
Em Roma, o Vaticano interrompeu a tradicional oração do Angelus, com participação do Papa Francisco. A Praça São Pedro, onde o cardeal costuma aparecer diante de milhares de fieis, está vazia. O pontífice, inclusive, tem realizado audiências por videoconferência. No total, Roma fechou mais de 900 igrejas à visitação pública.
No Brasil, o coronavírus tem mudado os rituais das igrejas. Na católica, por exemplo, a recomendação é de que contatos, como o Abraço da Paz, sejam evitados. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) orientou que a comunhão da eucaristia seja dada nas mãos e não na boca, como é o costume. No Rio Grande do Sul, um templo evangélico tentou promover o “culto da imunização”. O evento foi proibido e os responsáveis estão sendo investigados por charlatanismo.
E o aluno não saiu para estudar
Pois sabia o professor também não tava lá
E o professor não saiu pra lecionar
Pois sabia que não tinha mais nada pra ensinar
Muitas instituições de ensino pelo mundo suspenderam as aulas por alguns dias. No Distrito Federal, o governo interrompeu as atividades escolares até o dia 16 de março. A justificativa é que a medida visa controlar e conter os riscos.
Em Goiás, a Universidade Federal de Goiás (UFG) decidiu manter as aulas. Mas as duas Faculdades de Filosofia e de Ciências Sociais não tiveram aula na sexta-feira. Os prédios passaram por desinfecção porque um técnico administrativo está com suspeita de contaminação – caso ainda não confirmado.
No Setor Jaó, alunos de uma escola de ensino fundamental também não tiveram aula na sexta-feira, 13. Uma das pacientes com diagnóstico para Covid-19 em Goiânia trabalha na instituição e, segundo a direção, a medida foi tomada para que a escola passasse por um processo de desinfecção.
O comandante não saiu para o quartel
Pois sabia que o soldado também não tava lá
E o soldado não saiu pra ir pra guerra
Pois sabia que o inimigo também não tava lá

Na Suíça, onde a primeira morte por Covid-19 foi confirmada na quinta-feira, 12, o Exército foi mobilizado para atuar na contenção da doença. Os militares não vão, porém, para a guerra – a não ser em sentido de metáfora. Eles vão apoiar os hospitais civis no combate à epidemia.
No Brasil, as páginas do Exército, Marinha e Aeronáutica na internet trazem informações às tropas. As Forças Armadas declaram que vão seguir os protocolos determinados pelo Ministério da Saúde.
E o paciente não saiu pra se tratar
Pois sabia que o doutor também não tava lá
E o doutor não saiu pra medicar
Pois sabia que não tinha mais doença pra curar
Os especialistas estimam que, no Brasil, o ápice da epidemia deve ocorrer entre o fim de março e o início de abril. A tendência é que o número de casos cresça vertiginosamente nas próximas semanas.
Apesar do plano de contingência, coordenado pelo Ministério da Saúde, o receio é de que o número de internações sobrecarregue o Sistema Único de Saúde (SUS). Por enquanto, o sistema reservou 2 mil leitos de UTIs para pacientes com Covid-19.
A esperança é de que os últimos versos da letra-profecia se confirmem e que, o mais rápido possível, uma vacina surja e que os médicos não tenham mais Covid-10 para curar.

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