O albatroz é um pássaro conhecido pelo seu decolar desajeitado, mas que
bate recordes de voo sustentado. Resta esperar que a continuidade das
reformas facilite a decolagem do “albatroz” brasileiro. Artigo de Carlos
Primo Braga, via Gazeta do Povo:
O crescimento do PIB em 2019, de 1,1%, voltou a decepcionar. É bem
verdade que esses são números preliminares e, como nos anos anteriores, é
possível que sejam revistos nos próximos meses. Após amargar a recessão
mais dramática de sua história moderna, a economia brasileira continua a
apresentar um desempenho medíocre e o futuro da recuperação é incerto. A
política econômica da administração Bolsonaro gerou expectativas
positivas, mas a pergunta que ora se coloca é se a recuperação pós-crise
será na realidade o proverbial voo de galinha sem sustentação de longo
prazo.
No início de 2019, a expectativa de crescimento havia melhorado em
comparação ao desempenho em 2018, quando o crescimento foi de 1,3%. As
previsões iniciais de organismos internacionais e de analistas
econômicos apostavam em um crescimento de 2% a 2,5% para 2019. Ao longo
do ano, no entanto, tais estimativas foram gradualmente reduzidas.
Choques exógenos como o desastre de Brumadinho, com o seu impacto no
setor de mineração, e a desaceleração do comércio internacional em meio
ao conflito comercial entre a China e os EUA não ajudaram. Mas a
realidade é que a “lua de mel” do governo Bolsonaro foi curta.
A recessão de 2015-16 gerou uma perda significativa do grau de
confiança na economia brasileira, tanto por parte de atores externos
como pelos domésticos. A expectativa de uma recuperação da confiança e
de uma retomada de investimentos estava associada à capacidade do
governo de implementar uma série de reformas estruturais, incluindo a
reforma da Previdência, liberalização comercial, desburocratização,
privatização e uma reforma tributária com o intuito de diminuir o custo
de se fazer negócios no país.
O governo conseguiu resultados importantes em termos de controle
fiscal com base na reforma da Previdência e com a redução da taxa de
juros. Os déficitsdo Regime Geral de Previdência Social (o sistema
administrado pelo INSS) e do Regime Próprio de Previdência Social (o
sistema que ampara os servidores públicos) equivalem a cerca de 2,5% e
2% do PIB, respectivamente, sendo responsáveis por mais de 50% do
déficitnominal do Estado brasileiro. A reforma trará uma poupança de
cerca de R$ 800 bilhões nos próximos dez anos, uma contribuição
importante para evitar um crescente desequilíbrio fiscal. A política
monetária também vem contribuindo ao promover uma queda substantiva da
Selic, sinalizando uma queda na taxa de juros de mercado no médio prazo.
Essa trajetória tem o potencial de revitalizar o mercado de capitais no
país e alavancar investimentos, como já se observa com relação ao
mercado imobiliário.
Infelizmente esse progresso vem ocorrendo em paralelo a um crescente
ruído político entre os três poderes. Políticas heterodoxas com relação
ao meio ambiente, relações internacionais, educação e agenda de costumes
vêm contribuindo para a polarização da sociedade brasileira. Como
consequência, crescem as dificuldades de avanços significativos em temas
importantes como as reformas tributária e administrativa em 2020, um
ano eleitoral. Ao mesmo tempo, a percepção do Brasil no exterior vem
sendo afetada negativamente, criando desafios adicionais para a
recuperação da credibilidade econômica do país.
As previsões econômicas para 2020 começam também a ser afetadas pelo
impacto da pandemia associada ao Covid-19. Até o momento esse impacto
foi limitado. Cabe mencionar que o Purchasing Manager’s Index (PMI) para
o setor de manufaturas no Brasil foi de 52,3 em fevereiro, indicando um
setor em expansão. Já no caso da China, o PMI teve uma leitura de 35,7,
ilustrando o impacto dramático do Covid-19 na economia chinesa, na
medida em que números abaixo de 50 indicam contração econômica. O Brasil
não ficará imune à pandemia. A desvalorização do real, refletindo uma
aversão crescente a riscos, e o impacto negativo sobre preços de
commodities são os primeiros sinais do que está por vir. A desaceleração
da economia brasileira é inevitável e o mercado já aponta para um
crescimento abaixo de 2% em 2020.
A questão fundamental é até que ponto a administração Bolsonaro será
capaz de administrar esses choques e revitalizar a agenda de reformas
estruturais com base em um diálogo produtivo com o Congresso e o
Judiciário. A realidade é que a melhor metáfora para a economia
brasileira não é a de um “voo de galinha”, mas a possibilidade de um voo
de albatroz. O albatroz é um pássaro conhecido pelo seu decolar
desajeitado, mas que bate recordes de voo sustentado. Resta esperar que a
continuidade das reformas facilite a decolagem do “albatroz”
brasileiro.
Carlos A. Primo Braga é professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário