“Em
Açougueira, a narradora conta seu testemunho de vida e o oferece
perante um júri. Essa mulher quieta e observadora, espia a vida por uma
fresta e vive a vida por uma fresta. Ir contra Deus, desse jeito, é
demais, é ir contra a natureza do homem. Mulher não age assim. Dizem a
ela, e contra deus e tudo, ela segue, abrindo passagens. Neste romance,
Marina Monteiro trabalha linguagem e forma de um modo admirável e faz
emergir uma história inquietante e polifônica.”
Natalia Borges Polesso na quarta capa do livro “Açougueira”
Em uma das cenas mais emblemáticas de “Açougueira” (editora Claraboia, 148 pág.)
a personagem principal é incitada a abater e descarnar um boi. O duelo
homem-animal presente no imaginário como uma batalha entre a força
masculina versus a natureza ganha outras camadas e evidencia a
singularidade do romance de estreia da escritora e dramaturga gaúcha Marina Monteiro,
que também é atriz, arte-educadora, produtora e gestora cultural. Na
trama, quem está em frente ao boi é uma mulher. Ao deslocar as posições
sociais e de poder, a escritora apresenta um romance provocativo que
evoca discussões sobre violência de gênero e opressão.
A
obra permeia temas como tradições sociais, relações familiares, paixão,
desejo, violência doméstica e justiça. Este último, segundo a autora, é
motivo de inquietação constante: “Reflito sobre o papel da justiça, o
ideal de imparcialidade, a realidade muitas vezes parcial em uma
sociedade tão desigual quanto a nossa”. Uma das inspirações para o livro
veio justamente de sua busca por casos de violência contra a mulher na
internet, em notícias e reportagens, e a percepção dos resultados de
julgamentos desfavoráveis às vítimas. “Comecei a observar como a Justiça
prontamente já coloca essa mulher no centro do palco de acusação. Tirar
a vida de alguém é um crime que precisa ser punido, assim como
violentar uma mulher, física ou psicologicamente, também deve ser. Mas o
que acaba acontecendo, na maioria das vezes, é uma culpabilização da
vítima”, argumenta.
“Açougueira”
se divide em cinco partes intituladas: “O reflexo no braço dele”, “Coro
de vizinhos”, “De fora a fora”, “Coração fazendo goteira” e “Voz
escorrendo”. O enredo envolve o assassinato e esquartejamento de um
homem numa cidadezinha interiorana onde todos se conhecem. A principal
suspeita é a esposa, personagem central da trama.
A
narrativa é estruturada a partir de depoimentos concedidos a uma
autoridade, referenciada por todos como “doutor”. A esposa detalha desde
o início do enlace com o futuro marido até a decadência do matrimônio.
Suas falas são entrecortadas por declarações pouco amistosas de vizinhos
e conhecidos do casal.
Nessa
configuração textual, a autora concede intensidade a todos os
envolvidos na trama, acentua repetições, imprecisões e exaltações nas
falas, pontua trejeitos, cacoetes e postura dos corpos, e revela ainda
emoções e personalidade de cada um. Nenhum deles tem nome, ainda assim, é
possível discernir quem é quem. Outro mérito da obra é a composição das
cenas. As descrições misturam a aspereza da paisagem à intensidade das
emoções experimentadas pelos envolvidos na cena. As metáforas também são
destaque e transportam o leitor para diferentes atmosferas.
Esse
recurso narrativo torna-se essencial para que se conceda o benefício da
dúvida à protagonista/esposa e adentre nas camadas complexas que
existem no binômio relação afetiva- violência. A escritora acredita que “Açougueira”
faz o leitor se implicar na narrativa e assumir um lugar. “Para além
disso, acho que o livro traz esse movimento constante de uma mulher que
persegue o desejo de ser e sobretudo de fazer diferente e mudar as
estruturas”, revela Marina.
De
fato, a determinação com que a esposa passa a própria vida em revista,
incluindo nessa narrativa as partes repugnantes de sua trajetória,
evidencia não só a força e perseverança dessa personagem fictícia, mas
acima de tudo a coragem da autora em explorar esses temas num romance
original, inventivo e marcante.
Experiência do palco para o livro
Marina
Monteiro nasceu em Porto Alegre (RS), em 1982, e vive atualmente entre
as capitais Rio de Janeiro (RJ) e Florianópolis (SC). A autora possui
licenciatura em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC), e ainda o título de bacharela em filosofia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Marina define-se como atriz,
arte-educadora, produtora e gestora cultural.
Na
área da escrita dedica-se à composição de textos literários,
dramatúrgicos e roteiros. É autora do livro de formato híbrido “Comendo
borboletas Azuis” (Multifoco, 2010) e dos livros de contos “Em nossa
cidade amarelinha era sapata” (Patuá, 2019), vencedor do prêmio da
Associação Gaúcha de Escritores (AGES) e “Contos de vista Pontos de
queda” (Patuá, 2021), indicado ao prêmio Açorianos e vencedor do Prêmio
Minuano de Literatura. “Açougueira” é seu romance de estreia.
A
experiência de quase duas décadas no teatro e dramaturgia estão
implícitas na criação do livro. A obra é inspirada no espetáculo “Carne
de Segunda”, escrito pela autora em 2020. A transformação do texto em
romance ocorreu a partir de uma oficina de escrita literária. O desafio,
segundo Marina, era justamente a adaptação da linguagem. “Tive uma
grande trava porque cismei que queria me distanciar do teatro, fiquei
três meses longe da escrita, e depois percebi que era uma bobagem, pois
era da dramaturgia que vinha o romance”, conta.
Para Marina, o lançamento de “Açougueira”,
revela seu amadurecimento como artista. “Por meio do livro pude
entender melhor meu movimento literário, minha pesquisa, meus próprios
desejos e também admitir mais minhas obsessões estéticas”, frisa, e
complementa: “Acho que assim como a narradora da obra eu abri umas
brechas e assumi meus caminhos”.
Confira um trecho do livro (pág. 19):
“Depois
soube, foram pro bar, me negociando. Queria saber meu preço, mas os
dois se retiraram porque era assunto deles. Mulher não precisa saber
quanto vale. Eu e a mãe
ficamos
no escuro da cozinha ouvindo o silêncio da noite, quando o eco da
risada se espalhou e sumiu. A mãe não dizia nada, eu olhando a mãe,
tentando entender. Tinha umas partes do corpo dela querendo se despregar
e eu quase vi um meio riso na boca dela. Tava gostando. Que mãe não
gostava? Ia arranjar a filha nova ainda. Mais cedo que as vizinhas do
entorno da igreja. Talvez nem precisasse rezar novena. Bastava uma vela
pra santinha, em agradecimento. Ia arranjar a filha com homem
trabalhador, de braço duro e suado. Homem bom. O suor tem valor. Eu
disse, o suor é o começo da minha história.”
Adquira “Açougueira”, de Marina Monteiro, pelo site da editora Claraboia:
https://www.lojadaclara.com.br/
com.tato - curadoria de comunicação
Assessoria de imprensa do escritor Marina Monteiro
Jornalistas responsáveis: Karoline Lopes e Marcela Güther
Contato para atendimento: ana@comtato.co ou (11) 9.4024-0706 (Whatsapp)
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