Samuel Hanan*
Este
é um ano de eleições municipais no Brasil. Serão eleitos 5.570
prefeitos, igual número de vice-prefeitos e milhares de vereadores. A
movimentação já começou e se intensificou na primeira semana de abril,
fim da janela partidária, destinada a que os pré-candidatos se filiem a
uma legenda ou migrem de uma sigla para a outra.
As
eleições, livres e diretas, são a prova concreta da consolidação da
democracia no país. Esse grande evento democrático, no entanto, costuma
mascarar um problema grave do Brasil, quase nunca analisado com o
cuidado que merece: a farra de criação de municípios ao longo das
últimas três décadas e meia.
Quando a “Constituição
Cidadã” foi promulgada, em 1988, o Brasil tinha 4.121 municípios. Desde
então, foram criados outros 1.449 e atualmente são 5.570. Um aumento de
35%. O Censo 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) mostra que praticamente um quarto (24,48%) dos municípios
brasileiros têm população menor que 5 mil habitantes. Outros 23,55%
possuem entre 5 mil e 10 mil habitantes, número parecido (23,33%) dos
municípios com população entre 10 mil e 20 mil pessoas. Aqueles cuja
população fica entre 20 mil e 50 mil habitantes somam 18,45%. Isso quer
dizer que a imensa maioria (89,90%) é formada por municípios pequenos,
sendo o menor deles Serra da Saudade, no Mato Grosso do Sul, onde vivem
apenas 833 habitantes. O contraste é enorme com São Paulo, com seus
11,45 milhões de habitantes, o que faz da capital paulista a cidade mais
populosa do Brasil.
Tão grave quanto o surgimento
desenfreado de cidades autônomas é o fato que que mais de 80% dos
municípios criados após a CF/88 não possuem condições de subsistência
sem os recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – formado
pela cotaparte do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) – e da cota-parte dos impostos estaduais Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) - 25% do total do
estado são destinados aos municípios - e 50% do Imposto sobre
Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), também com destinação
municipal conforme legislação vigente que disciplina e estabelece os
critérios dos rateios.
É certo que municípios sem
receitas não possuem capacidade econômico-financeira para realizar os
investimentos necessários a fim de garantir serviços básicos de
qualidade aos seus cidadãos, como saneamento, saúde, habitação, creches
que permitam às mães trabalharem fora para ajudar no sustento familiar,
mobilidade urbana – com calçadas adequadas para cadeirantes, gestantes e
idosos -, segurança pública e educação.
Nada disso parece
ter sido levado em conta, pois nesses 35 anos permitiu-se e até foi
incentivada a criação de municípios, quase sempre para atender a
interesses políticos, sem o correto dimensionamento de suas
consequências.
Quase nada é falado a esse respeito,
principalmente sobre o efeito imediato: mais municípios significam mais
gastos públicos. Há que se considerar que, a cada novo município, são
criados os vencimentos do prefeito, do vice, dos secretários, dos
vereadores e dos servidores, e as despesas com toda a estrutura
administrativa que requerem a Prefeitura e a Câmara Municipal.
Aos gestores e suas equipes são reservadas as melhores remunerações, custeadas pela população, via pagamento de tributos. Vale lembrar que as candidaturas são financiadas pelo Fundo Eleitoral, cujos recursos chegam ao estratosférico valor de R$ 4,9 bilhões.
É preciso
considerar, ainda, o custo médio de um servidor municipal, da ordem de
R$ 4.000,00/mês, ou cerca de 2,8 salários mínimos, valor superior aos
ganhos da maioria esmagadora da população.
Hoje o número de
vereadores e assessores em todo o Brasil supera 580 mil. Somando-se
Executivo e Legislativo e contabilizando-se também os ocupantes desses
cargos públicos e seus assessores, temos quase 730 mil pessoas custeadas
pela máquina pública nos três níveis – Federal, Estadual e Municipal. O
número é infinitamente maior se considerados os funcionários públicos
concursados e ocupantes de cargos em comissão.
É óbvio que a
proliferação de municípios contribuiu para aumentar a já gigantesca
máquina pública, um setor que exige mais e mais recursos públicos para a
sua manutenção. Para se ter uma ideia, em 2001 os gastos com o
funcionalismo público brasileiro foram de R$ 63,20 bilhões/ano. Menos de
duas décadas depois, em 2018, somaram R$ 298 bilhões/ano, um aumento
nominal de R$ 234,80 bilhões/ano.
Reportagem do jornal
Folha de S. Paulo publicada em janeiro de 2024, mostrou que o déficit
atuarial previdenciário dos servidores públicos atingiu R$ 6 trilhões,
valor equivalente a 93% da dívida pública líquida do país.
O
funcionalismo público municipal tem um custo correspondente a 4,2% do
Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou seja, de R$ 457 bilhões, em
valores atuais. Em todos os níveis, as despesas com o funcionalismo
público corresponderam, em 2022, a 12,80% do PIB. É mais do que a soma
de todos os gastos com educação, saúde e saneamento, que totalizaram
9,63% do PIB. Uma conta muita alta, sem dúvida.
Criar
municípios indiscriminadamente, sem a análise profunda de critérios
econômicos significa ampliar o número de cidades dependentes unicamente
de verbas federais e estaduais, sem perspectiva concreta de
desenvolvimento, subsidiando prefeitos fadados a atuar eternamente com o
pires na mão, enquanto a população clama por serviços essenciais para
uma vida digna.
Este não é, definitivamente, um caminho inteligente para um país que precisa retomar o rumo do desenvolvimento.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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